São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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JANIO DE FREITAS

A fábrica de Lula

As atenções voltadas para o "abril vermelho" do MST concentram-se nas invasões e, com isso, não se observa uma extraordinária qualidade nele implícita, que é a de mostrar como o governo fomenta a agitação e agrava situações perigosas.
Proclamado o "abril vermelho", a reação inicial do governo veio com mais uma das reuniões palacianas a que é dada aparência de reprimenda de Lula ao ministro ou setor governamental envolvido. Lula, nessas ocasiões, faz o surpreendido com a falta de iniciativas que terminou por gerar o problema em questão. E, como se praticasse uma intervenção decisiva, diz que o governo vai fazer isso ou aquilo e, para tanto, liberar R$ 1 bilhão ou R$ 1,5 bilhão (sempre esses valores, sempre fictícios).
Como o MST, já escolado, continuasse as invasões, Lula passou às afirmações de rigor, mais destinadas a satisfazer os conservadores do que a advertir os sem-terra: "a reforma agrária não será feita com violência", "o governo não cede a pressão", e por aí com os velhos chavões. E só.
Se a sucessão de invasões concluir-se sem um episódio de maior gravidade, será apenas por sorte. Mas nada pode evitar duas conseqüências já consumadas em parte: a remobilização mais intensa do MST a partir de agora, ao impulso das ações atuais, e os seus reflexos sobre outros setores frustrados, como os fazendeiros que mais se armam para enfrentamentos, os sem-teto, e mesmo sobre os vários segmentos do funcionalismo já em greve ou por iniciá-la. A fermentação social é contagiante, é epidêmica.
A que se deve o "abril vermelho"? Nos textos daqueles a quem Otavio Frias Filho dá a sutil denominação de "jornalistas amistosos", lê-se que "Lula está decepcionado com o ministro Miguel Rossetto", o da Reforma e Desenvolvimento Agrário. Nos números do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo lê-se algo diferente. Dos R$ 256 milhões autorizados para despesas desse ministério nos três primeiros meses do ano, verba já insignificante, só R$ 19,9 milhões lhe foram efetivamente repassados pelo Tesouro Nacional. Menos de 8% da verba já anêmica. É a regra geral do governo Lula.
Os exaustivos discursos que falam em falta de recursos mentem. Não falta dinheiro, não. Ainda ontem os jornais informavam que o governo deixou de gastar, no primeiro trimestre, R$ 6 bilhões acima dos R$ 14,5 de economia fixados com o FMI. Ficou inútil, nos cofres, dinheiro que permitiria fazer muito pela reforma agrária, contra a criminalidade e a violência, pelo saneamento, por tantos modos de atenuar a desgraça dos 50 milhões que vivem abaixo da linha de pobreza.
O governo Lula deliberou, porém, fabricar mais pobreza, mais violência, mais agitação, mais deterioração do país como todo. É isso mesmo: deliberação, ato de vontade, objetivo de governo e, portanto, dos governantes. É o que está escrito no reverso da contabilidade que registra a recusa a aplicar, contra as carências, a montanha de recursos que são R$ 6 bilhões disponíveis.
A propalada reforma do Judiciário deveria incluir um novo tipo de tribunal.



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