São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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BRASIL PROFUNDO

Diversidade inclui povos que vivem nas metrópoles e etnias que se mantêm isoladas na Amazônia

Indígenas vão das favelas à busca por ouro

FLÁVIA MARREIRO
VIRGILIO ABRANCHES
DA REDAÇÃO

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Rio Grande do Sul: índios pobres da periferia de Porto Alegre se unem e invadem uma área pública. Pernambuco: indígenas que habitam uma ilha do rio São Francisco são grandes produtores de arroz. São Paulo: índios habitam favelas e têm ocupações precárias. Amazonas: povos garimpam ouro ou se unem, intermediados por ONGs, a empresas para produzir artesanato.
Dados do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) mostram a diversidade dos modos de vida dos povos indígenas (no país há 390 mil índios) e desmistificam a idéia de que ou vivem isolados e têm hábitos rudimentares ou são aculturados.
O panorama complexo inclui apoio de ONGs, tutela maior ou menor da Funai, organização nos moldes dos demais movimentos sociais e conflitos com garimpeiros, madeireiros e até traficantes. Para Saulo Feitosa, do Cimi, falta uma política indigenista que enxergue e atenda a esses matizes.
"Muitos têm uma visão ultrapassada. O brasileiro tem de entender que o índio não é só mais aquele do cocar. Eles têm cada vez mais autonomia, podem se representar", diz Antonio Carlos de Souza Lima, antropólogo professor do Museu Nacional do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, há índios da etnia caingangue vivendo em terras indígenas no interior e se ocupando de agricultura e há membros desse povo na periferia de Porto Alegre. Cinqüenta integrantes desse último grupo se uniram na semana passada e invadiram uma terra pública. Dias depois, foram despejados e agora estão acampados à beira de uma rodovia.
Em Santa Catarina, há caingangues vivendo melhor. Tribos plantam e comercializam milho e arroz. Eles, no entanto, não contam com apoio do governo para a agricultura. Não existe um programa de financiamento agrícola, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), destinado especialmente para os indígenas. As terras em que eles vivem pertencem à União, portanto não podem ser consideradas como garantia na hora de adquirir empréstimos em bancos.
"Gostaríamos de competir com outros produtores, mas não temos recursos para investir", diz Idalino Fernandes, chefe da tribo caingangue de Chapecó (SC).
Estados distantes, situação semelhante. No Nordeste e no Norte, algumas tribos chegam a ser prioritárias para o programa Fome Zero. Só neste ano, o governo distribuiu 14 mil cestas básicas para aldeias em Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Amazonas.
Um dos grupos que, de tão pobres, contam com o assistencialismo do governo para sobreviver são os cambiuás, que vivem no semi-árido pernambucano.
Não muito longe dali, ainda em Pernambuco, vive outro povo, os trucás, grandes produtores de arroz. Eles, porém, sofrem com o assédio de plantadores de maconha -a área fica próxima ao chamado Polígono da Maconha.

Posse da terra
A posse da terra também apresenta quadros discrepantes. No norte do Amazonas e no sul de Roraima vivem cerca de 10 mil ianomâmis. Com terra de 9,6 milhões de hectares homologados, fazem garimpo artesanal de ouro -e lutam contra a invasão de garimpeiros.
Por outro lado, falta terra aos guaranis-caiuás. Uma população de 30 mil índios vive espalhada em pequenos lotes de terra de 100 ha a 800 ha em Mato Grosso do Sul. "Falta espaço para desenvolvimento, perspectiva de vida", diz Feitosa. Ele conta que o caso é tão grave que leva a suicídios (média de 40 mortes por ano).
Outro problema que a etnia guarani-caiuá enfrenta é a convivência obrigatória com os plantadores de soja. Os fazendeiros fazem pressão para que os índios arrendem suas terras. O caso está descrito no Relatório de Visitas a Terras Indígenas, feito por deputados da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que visitaram a área em 2003.
Índios também vivem nas capitais. Em Porto Velho, uma lojinha ao lado da Funai vende produtos indígenas. Cocares, arcos-e-flechas são feitos pelos artesãos da tribo caritiana. Eles se queixam de que seu trabalho não tem divulgação. No mês passado, as vendas totalizaram cerca de R$ 500. Não é raro que um cocar que vendam por R$ 50 seja revendido em São Paulo ou no Rio por R$ 800.
Na Grande São Paulo, o IBGE estima que haja 30 mil índios. Um dos mais conhecidos, os pancararus são, na maioria, favelados.
Por outro lado, há ainda índios que nunca tiveram contato com os brancos. São classificados pela Funai de "isolados" (antes chamados de "arredios"). Esses grupos estão na Amazônia. Acredita-se que haja 47 povos nessa situação. Em 1988, o governo deixou de ter a iniciativa de contatá-los.
"A história mostra que o contato tem sido nefasto aos índios", diz Wellington Figueiredo, sertanista da Funai. "Na situação em que vivemos, trazer o índio para a sociedade é um risco imenso."



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