São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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NO PLANALTO

A verdadeira estrela do Alvorada é Marisa

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Lula chegou a Brasília carregando o pior tipo de ilusão que um presidente pode portar. A ilusão de que preside. Em 17 meses de "poder", produziu ruína e metáforas.
Por sorte, Lula tem a seu lado Marisa Letícia. A primeira-dama não está em Brasília a passeio. Deve-se ao espírito buliçoso dela a obra mais vistosa do governo. Na verdade, a única.
A reforma no gramado do Alvorada é, por ora, tudo o que o ex-PT conseguiu oferecer ao país de palpável. O companheiro Luiz Gushiken decerto pensava no canteiro em forma de estrela quando rogou aos jornalistas a exibição de "empreendimentos positivos".
O projeto estelar de Marisa nasceu nas pegadas da inércia. O vazio administrativo deu-lhe visibilidade ofuscante. Levou-o às primeiras páginas. Só o ciúme explica a tentativa da camarilha de Lula de desmerecer o feito.
A assessoria de imprensa do Planalto atribuiu a idéia da estrela floral a um anônimo jardineiro da Novacap. Injustiça. Ultraje ao arrojo de Marisa.
Solidário, o repórter tentará reparar o malfeito. Age inspirado na filosofia zen-midiática de Gushiken. O companheiro é intransigente defensor das informações "jornalisticamente trabalhadas". Em artigo publicado na Folha de 16 de abril ele anotou:
"Acredito ser esta a maior contribuição da imprensa a um país no qual grande parte do povo não tem acesso ao consumo de bens informativos produzidos a partir das técnicas e da ética do jornalismo". É preciso, ensinou, "dar voz aos que vivem em silêncio".
O repórter ouviu na semana passada o silêncio da turma do regador. Gente apartidária. Alguns estão lotados no Departamento de Parques e Jardins da Novacap desde Costa e Silva. Descobriu-se o seguinte:
1) foi Marisa quem ordenou a semeadura da estrela no quintal do palácio de Niemeyer. Deu-se há coisa de seis meses. Não há vestígio de sugestão de nenhum jardineiro;
2) aliás, o time do rastelo reagiu à ordem superior com contido assombro. Receava que o símbolo petista desfigurasse o projeto de jardinagem doado a Juscelino Kubitschek pelo imperador japonês Hiroito;
3) o temor fez com que a determinação de Marisa escalasse o organograma do departamento de jardins. Dos gramados do Alvorada, subiu ao carpete das salas de direção da Novacap. Ali foi debatida;
4) embora contrária à idéia, a cúpula dos jardins julgou que não era seu papel desafiar a autoridade da mulher do presidente. Liberou-se a execução do canteiro;
5) as sálvias vermelhas que recheiam a estrela petista foram recolhidas em viveiro mantido pela Novacap num bairro brasiliense chamado Park Way. Fica a uns 20 minutos de carro do Alvorada;
6) Marisa indicou, nos fundos do palácio, o local do canteiro. Poucos metros além da piscina. Trabalho não de um, mas de vários jardineiros. Aprovada, a operação foi repetida na Granja do Torto.
Ao plantar no cérebro de um jardineiro a idéia que brotou da cabeça de Marisa, a assessoria de Lula deixa mal a primeira-dama. Deixa pior o camarada Gushiken, "gestor" da política de comunicação do governo.
Gushiken escreveu na Folha: "A consolidação de princípios republicanos exige do Estado o dever de informar e o respeito ao direito à informação dos cidadãos. Essa é uma premissa cristalina e dela decorre que o padrão de relacionamento Estado/imprensa deve ser encarado, mutuamente, com tolerância, responsabilidade e liberdade".
É certo que há um ponto em que a volúpia do poder ultrapassa a fronteira do razoável. Mas no universo dos excessos secretos, dois canteiros de sálvia constituem pecadilho menor.
Nada, se comparados aos "colloridos" jardins da Dinda. Menos ainda se confrontados com os exageros filipinos de Imelda Marcos, colecionadora de milhares de pares sapatos. Ou ao descalabro romeno dos Ceausescu, cristalizado pelas torneiras de ouro.
Poder-se-ia imaginar que a equipe de Lula injetou um jardineiro no enredo das estrelas apenas para proteger Marisa. Exagero. A mulher de Lula não merece o tratamento de Imelda.
É verdade que, além de flores, ela aprecia jóias. Reteve por prazo irrazoável peças que obteve por empréstimo em boas casas do ramo. Encantou-se com outras que recebeu de presente na Síria. Diz-se, porém, que já devolveu as primeiras. Quanto às segundas, teriam sido doadas ao Fome Zero.
Para alegria de Marisa, há na Novacap gente digna, disposta a ajudá-la a recuperar o brio que o Planalto tenta empanar. A plantação de estrelas gerou uma ação judicial. Move-a o PSDB. Se chamados a depor, funcionários da estatal brasiliense vão repor a verdade.
É grande o rol de potenciais depoentes. Só a equipe de jardinagem do Alvorada soma 23 funcionários. Pelo menos uma dúzia sabe o que se passou.
Em tempo: até sexta-feira a Novacap não havia recebido pedido para remover o chão de estrelas do petismo. Há, aparentemente, quem se orgulhe da realização. A Marisa, portanto, o que é de Marisa. Sem medo de ser feliz.


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