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Entrevista da 2ª
JOSÉ CARLOS DIAS
PF precisa ser controlada para não cometer excessos
Segundo o ex-ministro da Justiça, pressão pública e postura da mídia ajudam a incitar ações espalhafatosas da Polícia Federal e violências ao direito de defesa
Lula Marques - 16.abr.2007/Folha Imagem e Eduardo Knapp - 13.jun.2007/Folha Imagem
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Carreta leva carros dos presos pela Operação Hurricane, da PF; (ao lado), José Carlos Dias |
MALU DELGADO
EDITORA-ASSISTENTE DE BRASIL
O ESTADO BRASILEIRO ESTÁ TODO CARCOMIDO." O frio e desalentador diagnóstico
é feito por José Carlos Dias, 68, ministro
da Justiça durante o governo Fernando
Henrique Cardoso. Em entrevista concedida à Folha
em seu escritório de advocacia, em São Paulo, ele analisa o impacto das ações da Polícia Federal.
O especialista em Direito Penal, que não se cansa de protestar contra o "direito de outdoor", prega a necessidade de
controle da PF, acrescentando
que não se trata de cerceamento político de investigações.
"Investigar o crime é tão importante quanto garantir direitos." Ao atual ministro da Justiça, Tarso Genro (PT-RS), o ex-titular da pasta faz alertas: ministro da Justiça tem que agir
com firmeza. José Carlos Dias
recusa, ainda, a tese de que a PF
tem maior autonomia no governo Lula que no governo
FHC. "A PF praticou ações importantes [no governo FHC],
mas sem o espalhafato de hoje."
Com a mesma sinceridade
com que admite as mazelas do
Judiciário, Dias critica o que
chama de relação espúria entre
polícia e mídia. "Transcrição de
fita ilegal é crime, e os jornais
vão fazendo, e isso vai sendo
aceito, porque ninguém gosta
de ir contra o jornal."
FOLHA - A imagem do Judiciário foi
abalada com recentes operações da
Polícia Federal -a Hurricane e a Têmis. Que conseqüências isso pode
trazer a um país como o Brasil, com
sérios problemas de corrupção?
JOSÉ CARLOS DIAS - Eu fico muito
contente de saber que a impunidade não se estende aos juízes. O que está causando espanto é que de repente aparecem
investigações que envolvem
membros do Judiciário. Isso
não significa que não existia
antes. Acontece que agora é que
está aparecendo. O que vejo de
mais importante é a postura e a
firmeza do Supremo Tribunal
Federal, e o equilíbrio que os
ministros estão assumindo.
O grande risco é que, por
pressão da opinião pública, começamos a verificar violências
ao direito de defesa, apresentando uma Justiça escandalosa.
No Brasil existe uma coisa chamada pena de algemas. A pessoa é condenada a usar algema
toda vez que é transportada de
um lado para o outro, mesmo
que não ofereça risco.
Eu me lembro de quando o
PC Farias chegou algemado,
aquilo foi um sucesso. Quando
o Maluf se apresentou à prisão
-e ele se apresentou à prisão-,
ele foi algemado. São absurdos,
exageros que precisamos combater. A presunção de inocência vem sendo conspurcada.
FOLHA - Por que a corrupção no Judiciário não aparecia antes?
DIAS - Acho que foram revelados agora fatos envolvendo juízes, desembargadores, ministro. Isso aconteceu há pouco
tempo aqui em São Paulo, com
a Operação Anaconda, e agora
apareceu novamente. É positivo. Meu medo são os exageros.
Você começa a ver o risco que
tem de ter a sua vida devassada.
Se você recebe o telefonema de
alguém que está sendo investigado, você entra no sistema e os
seus telefonemas também começam a ser grampeados. E aí
aparece tudo, conversas sentimentais, afetivas, confidências.
Justiça se faça: eles não estão
usando isso nos processos.
Mas, veladamente, muitas vezes isso é colocado como moeda de barganha.
FOLHA - Essa sensação de que as
investigações contra a corrupção
não têm mais fronteira, atingindo
até mesmo o Judiciário, vem da maturação normal do trabalho da PF?
DIAS - Tenho 40 anos de advocacia; quando eu comecei, era
raríssimo ouvir histórias de um
juiz corrupto. Era exceção.
Principalmente em São Paulo.
FOLHA - O que seria a causa deste
aumento de corrupção?
DIAS - Eu tenho a impressão
que talvez a proliferação das faculdades de Direito, a forma de
seleção. Mas, muito mais grave
que isso, acho que há um processo geral de degeneração e de
impunidade. Todo mundo vê
que a corrupção não é punida.
E hoje, nós temos a mídia denunciando, a PF. Que não é só
agora. Eu me lembro de quando
era ministro, eu acompanhava.
Só que fazíamos a coisa com
menos alarde. Sou contra o que
chamo de direito penal de outdoor, aquela coisa de que você
coloca com grande espalhafato.
É o direito penal do escândalo:
a pessoa é presa sempre televisionada.
FOLHA - Abusos jurídicos podem
ocorrer em operações da PF?
DIAS - Muitas vezes os juízes e
os tribunais decretam prisões
desnecessárias, assinam mandados de busca e apreensão domiciliares ou em escritórios de
advocacia de forma abusiva.
Eu tenho o maior respeito
pelo dr. Paulo Lacerda [diretor-geral da PF]. Mas acontece que
as coisas são indomáveis. Embora eu ache que o ministro da
Justiça tenha que exercer uma
postura de maior firmeza.
FOLHA - É possível controlar a PF?
Isso não feriria a autonomia das investigações?
DIAS - Vou dar um exemplo: o
inquérito que resultou no levantamento de toda a corrupção do governo Collor e resultou na ação penal etc. foi instaurado a partir de um despacho dele. Ele deu o despacho
para que apurassem as denúncias. A coisa se voltou contra
ele, num efeito bumerangue.
Tudo isso precisa de prestígio do ministro com a PF, mas
pode haver controle para não
haver exagero.
FOLHA - Esse controle não seria político, no sentido de conter a investigação?
DIAS - Não, de jeito nenhum. É
para ter noção do que está sendo feito e para evitar excessos
quanto à exposição de imagens
de pessoas, quanto a atuações
que violem a intimidade. O importante é saber que investigar
o crime é tão importante quanto garantir direitos.
FOLHA - Quando o sr. era ministro
tinha esse controle da PF?
DIAS - Acho que sim, mas nunca passei por cima da autoridade de nenhum diretor ou delegado. Era feito num nível muito
democrático, muito dialogado.
FOLHA - O sr. passava relatos do
que era investigado ao presidente
da República?
DIAS - Exatamente. Aliás, eu
saí do ministério porque vazou
uma operação que a PF iria desencadear e não concordei. Eu
transmiti ao presidente. O presidente tem o direito de saber
as coisas, e o ministro tem a
obrigação de informar. Sobre a
questão que envolve o irmão do
presidente [Genival Inácio da
Silva, listado em investigação
da PF], eu acho que tem que haver investigação, sim. Mas acho
que houve uma inoportunidade. Essa investigação poderia
esperar dez dias.
FOLHA - O sr. é favorável a algum
mecanismo para evitar abusos nas
operações da PF?
DIAS - Sou. Acho que isso dá até
mais força para a PF. Preso não
pode ser filmado nem fotografado. Só se ele quiser, mas nunca em situação humilhante. É o
mínimo que se pode fazer a
quem não foi julgado.
FOLHA - Como membro do governo FHC, como o sr. responde à avaliação política de que a PF não agia
antes como agora?
DIAS - Quando assumi o ministério, a PF estava numa situação muito ruim, já de governos
passados. A PF foi muito preparada no governo Fernando
Henrique e praticou ações importantes, só que sem o espalhafato que está havendo hoje.
FOLHA - O sr. então não associa o
volume das ações e o fato de alcançarem as cúpulas do Judiciário, do
Legislativo e do Executivo a nenhum
sinal de que temos um novo momento de democracia no país?
DIAS - Não. Não existe categoria mais feliz no atual governo
que os banqueiros. Nunca tiveram tanto lucro como agora no
governo Lula. Destoa da visão
de que ele estaria fazendo uma
revolução branca.
FOLHA - Em relação às escutas telefônicas, como o sr. acha que elas poderiam ser regulamentadas?
DIAS - Deveriam existir, mas
em caráter excepcional. E precisa haver um controle judicial
de uma forma muito exemplar.
O juiz tem que contar com peritos de sua absoluta confiança
para avaliar a necessidade e o
método escolhido. Eu já vi casos em que evidentemente
houve edição.
FOLHA - O sr. vê possibilidades concretas de avanços com a fase final da
reforma do Judiciário?
DIAS - Eu vejo que o Conselho
Nacional de Justiça foi um
avanço. Eu, que durante muito
tempo resisti à súmula vinculante, cedo a isso: não é o ideal e
pode haver riscos, mas o Supremo não pode ficar numa mesmice repetindo julgamentos.
A questão não pode ser discutida apenas pelos que lidam
com ela. A sociedade tem que
participar dessa discussão e encontrar caminhos. O acesso,
por exemplo. A União tem uma
Defensoria Pública muito pequenininha. E precisa aprimorar a polícia. Onde se viu delegado ganhando pouco? Sou
muito descrente, pois o Estado
brasileiro está todo carcomido.
FOLHA - Gostaria da opinião do sr.
sobre a relação polícia-mídia.
DIAS - A polícia se sustenta
muito na mídia, e a mídia aceita
esse papel de estímulo a violências. Tenho uma posição dura:
sou contra a transcrição de
uma fita ilegal. Isso é crime. Os
jornais vão fazendo, e isso vai
sendo aceito, porque ninguém
gosta de ir contra o jornal.
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