São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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JANIO DE FREITAS

Uma suspeita intromissão

Desta vez não é a revelação de que um assessor palaciano, antes de chegar a tais altitudes, ocupou-se, como diz o jargão policial, de achacar a pretexto de caixinhas eleitorais. A confusão e o número alto de nomes, circunstâncias e dados obscureceram uma informação que, lá pelas tantas, aparece na narrativa (Folha de quinta-feira) da espionagem privada e espetacular motivada pela luta entre a Brasil Telecom e a Italia Telecom. E deixa longe o caso Waldomiro.
O que se constata por aquela sucinta informação na reportagem de Marcio Aith é o envolvimento, desta vez direto e até em dose dupla, do governo Lula, e da própria Presidência, nos negócios privados em torno de interesses e fortunas tão grandes quanto são as de duas controladoras da telefonia no Brasil.
O ministro Luiz Gushiken reagiu ao aparecimento de seu nome, entre os captados na espionagem da Brasil Telecom contra a Italia Telecom, argumentando que, antes de chegar ao governo, assessorava fundos de pensão integrantes, como sócios, da primeira daquelas empresas. A citação de seu nome decorreria, assim, de episódio pré-governo Lula. A Presidência fez a mesma defesa do ministro, e é verdadeira a atividade anterior de Luiz Gushiken. O que, no entanto, menos o inocenta a priori do que o embaraça.
Informa o tal trecho da reportagem que Luiz Gushiken e Cassio Casseb, atual presidente do Banco do Brasil, foram alcançados pelas investigações, a cargo da norte-americana Kroll Associates, por "terem formulado a orientação, já sob o governo Lula", a cinco fundos de pensão para desfazerem o acordo que dava ao sócio Banco Opportunity o controle administrativo da Brasil Telecom.
A "orientação", no caso, só pode ser vista como intervenção em favor de interesses privados contra outros interesses privados, em uma disputa que não envolve nenhum interesse de ordem governamental. E, se envolvesse, não seria assunto da Secretaria de Comunicação da Presidência, dirigida por Luiz Gushiken, e da presidência do Banco do Brasil, mas do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações, que não viram motivo para imiscuir-se na disputa interna da Brasil Telecom, nem nos desentendimentos desta com a Italia Telecom.
Há algo extremamente grave a ser esclarecido no envolvimento com que Luiz Gushiken e Cassio Casseb põem no âmago da Presidência da República suspeitas de alta improbidade.

Uma glória
Nem mesmo as mulheres levantaram uma palavra de louvor a Gloria Macapagal Arroyo. Jornais e TVs em todo o mundo, como se podia esperar de um setor que tanto fala em sua independência quanto se sujeita a injunções, limitaram-se ao mais burocrático sobre o episódio que a incluiu.
Gloria Macapagal Arroyo tornou-se, no entanto, a primeira governante entre monarcas, presidentes, chefes de governo e ditadores a ter a coragem política e a grandeza humana a relegar as chamadas "razões de Estado" em favor da vida de uma pessoa. Uma só, sim. A rigor, um quase ninguém. Um motorista de caminhão, tão humilde e anônimo quanto pode ser um motorista filipino de caminhão.
Sequestrado por combatentes iraquianos, Angelo de la Cruz seria mais um decapitado se as Filipinas não retirassem do Iraque o seu pequeno contingente militar. O governo dos Estados Unidos, que presta ao das filipinas importante ajuda, entre outras, na luta contra uma estranha e feroz guerrilha, exigiu a permanência do contingente no Iraque, onde fazia serviços auxiliares. A presidente Gloria Macapagal decidiu enfrentar essa e todas as outras pressões: "Trata-se de uma vida. Os militares filipinos vão sair do Iraque".
A meio da semana, a mídia exibiu imagens do motorista de caminhão Angelo de la Cruz sendo recebido nas Filipinas pelos filhos. Nas mesmas páginas e telejornais em que apareceram as fotos de um búlgaro, como antes a de americanos, ingleses, um italiano, mortos para que seus governantes preservassem a criminalidade que chamam de honra.


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