São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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ALTA ESPIONAGEM

Tiago Verdial é acusado de ter feito monitoramento ilegal de autoridades e de ter corrompido servidores da Receita, PF e Abin

PF prende no Rio espião que prestou serviços para a Kroll

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA REDAÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Polícia Federal prendeu ontem no Rio de Janeiro o português Tiago Verdial, que teria sido designado pela Kroll para comandar no Brasil o chamado Projeto Tóquio. De caráter internacional, o objetivo do projeto era obter informações secretas relacionadas ao setor de telecomunicações.
Contratada pela Brasil Telecom, a Kroll acabou espionando também autoridades do governo brasileiro, como o ministro Luiz Gu- shiken (Comunicação de Governo) e o presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb.
Ontem, além de prender Verdial em sua casa na Urca, às 13h, a PF executou mandados judiciais de busca e apreensão de documentos e equipamentos do espião. Até a conclusão desta edição, Verdial não deu declaração.
Transferido para a Superintendência da PF em Brasília, onde ficará preso, Verdial é acusado pela polícia, entre outras irregularidades, de ter feito monitoramento ilegal de autoridades e de ter corrompido servidores da Receita Federal, da PF em São Paulo e, provavelmente, da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Serviço de monitoramento realizado pela equipe de inteligência da PF detectou, por exemplo, que um funcionário da Receita Federal repassou à Kroll a declaração de renda de Casseb.
A informação de que a Kroll estava atuando na área de telecomunicações surgiu em março deste ano, em decorrência de inquérito instaurado pela PF em janeiro para apurar possíveis irregularidades praticadas por executivos da Parmalat que teriam levado a empresa à falência.
Com base no depoimento de uma testemunha da PF, surgiu o nome de Verdial, que estaria corrompendo servidores. A PF passou, então, a monitorar o funcionário da Kroll, com autorização judicial concedida pela 5ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, na qual tramita o inquérito relacionado à Parmalat.
Quando a Folha tornou pública a prática de espionagem na quinta-feira, a PF reviu o rumo das investigações, cujo alvo até então definido era chegar a quem realmente teria pago a Kroll para espionar o governo. Foi tomada então a decisão de prender Verdial.
Segundo informações levantadas pela PF, o Projeto Tóquio está em curso pelo menos desde o processo de privatização das companhias telefônicas no Brasil, em julho de 1998. Os focos principais são Itália e Brasil.

Monitoramento
Aos 30 anos, Verdial foi monitorado pela PF e grampeado num episódio bizarro. Ao buscar um emprego na divisão de segurança da Telecom Italia, admitiu violar o sigilo telefônico por determinação da Kroll.
No entanto, não imaginava que estava sendo grampeado pelo chefe de segurança da Telecom Italia nem que a empresa apresentaria a fita à PF.
Um CD com a gravação foi entregue no último dia 16 à Polícia Federal e ao Ministério da Justiça. Na gravação, Verdial se apresenta como responsável pela investigação da Kroll nos casos da Parmalat e da TIM, subsidiária da Telecom Italia na área de celulares. Admite ainda usar métodos ilegais para obter informações.
Procurado pela Folha antes da prisão, Verdial minimizou seu papel no caso. ""Eu estou no meio dessa história toda. Sou a menor das partes. Sou uma mosquinha perto disso tudo. Não é comigo que vocês têm que falar. É com a Brasil Telecom, é com a TIM, é com a Kroll."
No CD em poder da Polícia Federal, no entanto, Verdial se apresenta como o responsável pelas investigações. Indagado se praticava atos ilegais, disse ""sim", na quebra de sigilo telefônico e bancário. Mas ressaltou, ainda de acordo com o CD da PF: ""Não estou 100% certo, mas 95%, de que a Polícia Federal não tenha nenhuma evidência contra mim."
Na conversa, ocorrida no dia 15 passado no Hotel Caesar Park no Rio, Verdial contou ter descoberto, graças a uma fonte na PF, que estava sendo investigado pelo governo desde dezembro de 2003, quando tentou extrair informações contra os italianos do motorista do ex-presidente da Parmalat, Gianne Grisendi. Disse que tinha vontade de se apresentar, mas "não podia ser um traidor".
Verdial, que foi afastado do caso depois de a PF tê-lo descoberto, disse sentir-se deprimido.
Eduardo Gomide, diretor-executivo da Kroll, minimiza o papel de Verdial na empresa. Segundo ele, Verdial era estagiário e saiu da empresa depois de dois anos por baixo desempenho.
A Folha apurou que uma das funções de Verdial na Kroll era não só extrair informações de jornalistas, como também influenciá-los.

Criptografia
Foi apenas coincidência, mas no mesmo dia em que a Folha noticiou o caso de espionagem industrial-governamental, quinta-feira, o Palácio do Planalto anunciou que em breve serão criptografados os telefones celulares de todos os ministros e também o do presidente da República. Os aparelhos de fax também serão codificados.
A criptografia só funciona se os dois aparelhos usados em uma conversa estiverem ligados ao mesmo sistema.
(ANDREA MICHAEL, MARCIO AITH, CATIA SEABRA e FERNANDO RODRIGUES)


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