São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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ONDAS AGRÁRIAS

Programas da Camponesa Rádio Poste são gravados em CD e tocados em aparelhos de som nos acampamentos

MST improvisa rádio para "educar" sem-terra

AFRA BALAZINA
FREE-LANCE PARA A FOLHA RIBEIRÃO

Ribeirão Preto, fazenda da Barra, 16h: um grupo de cerca de 30 trabalhadores rurais sem terra se reúne em torno de alto-falantes para ouvir, entre uma música e outra, por cerca de 80 minutos, elogios à invasão de terras e críticas à concentração fundiária do Brasil, ao agronegócio, aos agrotóxicos e aos transgênicos.
De cerca de dez alto-falantes instalados na área, ocupada desde terça-feira, vem a abertura: "Está entrando no ar a Camponesa Rádio Poste, a voz forte contra o latifúndio. Malditas sejam todas as cercas, malditas sejam todas as propriedades privadas que nos privam de viver e amar. Malditas sejam todas as leis amanhadas por poucas mãos para amparar cercas e bois, para fazer a terra escrava e escravos os humanos".
A transmissão em forma de programa de rádio é, na verdade, um programa produzido pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em Ribeirão Preto para ser distribuído a acampamentos e assentamentos de diversos Estados.
Os programas são gravados em CDs -até agora foram cinco- em um estúdio que fica no centro de formação do MST, no sítio Pau D'Alho, da Igreja Católica.
"Como é complicado promover palestras nesses locais, o programa serve para levar formação e informação aos sem-terra. Além disso, eleva a auto-estima deles", afirma o idealizador do programa, Hemes Lopes, 40.
Os militantes concordam. "A gente acorda às 6h com ânimo quando começa a passar o programa. Eu acho muito chique a gente ter a nossa própria rádio", diz Selma Aparecida da Silva Reis, 34, há 11 meses em Ribeirão.
As mensagens fazem, entre outras coisas, apologia à invasão de terras, que "representa uma das mais importantes lutas contra a estrutura fundiária existente no país". Para o MST, "ocupar é tomar posse daquilo que não cumpre a sua função social".
As notícias abordam a reforma agrária no país, a trajetória de 20 anos do MST e as atividades do grupo, além de ter uma função didática ao explicar, por exemplo, qual é a diferença entre ocupação e invasão -para a rádio, o MST apenas "ocupa" áreas griladas, devolutas ou latifúndios.
Tudo no programa é diferente de uma rádio comercial. Não há propaganda. Além disso, apesar de ter um formato estruturado, incluindo vinhetas, as músicas têm letras de cunho político ou falam das pessoas do campo que migraram para a cidade. "A música caipira fala de ecologia, da roça, do sonho de ter uma terra, e o acampado se identifica muito com essa realidade", diz Lopes.
Além do locutor falar "no ar" o nome da música e do cantor, ele cita quem é o compositor. "Aqui damos todos os créditos", disse Lopes. E não entram músicas com palavrões ou duplo sentido nem de neosertanejos como Zezé Di Camargo & Luciano.
Como as outras regionais do MST não têm estúdio de rádio, a idéia é que sejam produzidos boletins informativos em cada Estado para serem acrescentados ao programa feito em Ribeirão, que deve ser mandado via Correios para outras regiões.
Como os programas são gravados em CDs, podem ser ouvidos em aparelhos de som. Os CDs já foram para assentamentos de Santa Catarina e para a França, onde integrarão programa sobre movimentos sociais do Brasil.
Na rádio, trabalham duas pessoas fixas e dois apresentadores, que mudam a cada programa -todos são assentados ou acampados ligados ao MST. Além disso, há mensagens gravadas de convidados ou pessoas que visitam o Centro de Formação.
A intenção do MST é montar uma emissora de rádio que funcione em tempo integral.


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