São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

Texto Anterior | Índice

ELIO GASPARI

A polícia da privataria

A privataria telefônica está acabando onde devia ter começado: na polícia. O banco Opportunity, do magnata Daniel Dantas, contratou a investigadora multinacional Kroll, para xeretar a vida de concorrentes, inimigos, adversários e, quem sabe, futuros amigo$. Há nessa associação um toque de grife. Imagine-se o doutor Daniel dizendo que contratou o detetive Severino para xeretar arquivos de mensagens eletrônicas. Depois pense-se na Kroll fazendo o mesmo serviço, em inglês, globalizada, chique. O relatório da Kroll divulgado pelo repórter Marcio Aith mostra que Daniel Dantas meteu-se na xeretagem da vida do comissário José Dirceu, do presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, e na captura de algumas mensagens eletrônicas (velhas) do então sindicalista Luis Gushiken, arquivadas no computador de um inimigo.
Faz tempo que o doutor Daniel meteu-se no mundo da meganha. Logo ele, que aos 48 anos administra algo como US$ 4 bilhões. Há as impressões digitais do banco Opportunity na divulgação de um grampo de conversas do jornalista Ricardo Boechat com o empresário Paulo Marinho. É um caso de 2001, que vale ser relembrado.
Apareceram em pelo menos duas redações pessoas interessadas em divulgar o resultado da interceptação do telefone da casa de Marinho. Um grande jornal recusou-se a usar o material. Publicadas pela revista Veja, as conversas provocaram a demissão do colunista de O Globo. O jornal condenou a conduta de Boechat, que lera para Marinho o conteúdo de uma nota, baseada em informações que recebera dele, contrária aos interesses de Dantas. Passados três anos, essa questão virou matéria vencida. Sobrou outra: Como a conversa de Boechat com Marinho foi grampeada, degravada e propagada?
Por incrível que pareça, o grampo teve autorização judicial. Ele foi obtido numa Vara de Duque de Caxias, por iniciativa de um delegado que investigava as traficâncias de Fernandinho Beira-Mar. Ele pediu 22 interceptações. Entre elas estava o número de Paulo Marinho. O empresário virou um daqueles jabutis que aparecem em cima de forquilhas. Esse estranho episódio está sendo investigado pela Central de Inquéritos do Ministério Público do Rio de Janeiro. Um dia se descobrirá como puseram o empresário na forquilha.
Segundo um depoimento de Marinho, o banqueiro Daniel Dantas contou-lhe que "tinha conhecimento" doa grampos e "teria ouvido o conteúdo das gravações". Nessa mesma conversa, Dantas contou-lhe que contratara os serviços da Kroll.
Se uma pessoa resolve grampear outra, comete um tipo de delito. Bem mais grave é grampear um cidadão por ordem judicial e suas conversas acabarem divulgadas no contexto de disputas comerciais privadas. Amigos de Dantas insistem em que não foi ele quem articulou a interceptação do telefone de Marinho. Em pelo menos uma redação, a equipe do Opportunity articulou, sem sucesso, a divulgação das conversas gravadas.
Se Daniel Dantas quiser começar uma carreira de policial, talvez venha a se tornar um dos maiores detetives do Brasil. Se continuar misturando métodos de polícia terceirizada com objetivos de banqueiro americano, produzirá apenas mais inquéritos.

Planos de saúde 1 x Viúva 0

Um número demonstrativo da demagogia do governo federal (este é o de FFHH) trataram da questão dos planos de saúde: um levantamento do deputado José Aristodemo Pinotti informa que entre 15% e 20% dos usuários dos hospitais públicos são pessoas que pagam planos de saúde.
Pela lei, as empresas privadas deveriam ressarcir a Viúva pelo tratamento recebido por seus clientes. Um cálculo do PT (quando era oposição) estimava que essa fatura deveria ficar entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão anuais. Pinotti informa que em quatro anos a Agência Nacional de Saúde Suplementar arrecadou apenas R$ 50 milhões.
Pinotti fez a sua pesquisa no Hospital das Clínicas e no Pérola Byington, em São Paulo, dois hospitais que provam a qualidade da medicina pública brasileira.
O ministro Humberto Costa poderia chamar a ANS e as empresas de medicina privada para uma reunião pública (com transmissão ao vivo pela televisão). Empresários e burocratas só poderiam encerrar os trabalhos quando chegassem ao compromisso de cumprir uma meta de ressarcimento anual de R$ 500 milhões.
Esse caso é um belo exemplo da opção preferencial do Estado brasileiro pelo bolso da patuléia e pela defesa do cofre dos maganos. A discussão do ressarcimento começou em 1995, junto com a da criação da CPMF, o tal imposto destinado a financiar a saúde. Criou-se o imposto e mudou-se a finalidade dos recursos arrecadados. O dinheiro que deveria ter ido para a saúde dos pobres foi, em boa parte, para os juros dos ricos. Quanto ao ressarcimento, virou migalha.

O reino de Poyais, uma economia emergente do século 19

Saiu nos Estados Unidos um livro que conta um dos mais divertidos e didáticos episódios da história dos investimentos estrangeiros na América Latina. Chama-se "A terra que nunca existiu - Sir Gregor MacGregor e a fraude mais audaciosa da história" ("The Land that Never was", de David Sinclair).
Deu-se o seguinte: Em 1822 o general escocês Gregor McGregor, combatente das guerras americanas, tornou-se Cacique do Reino de Poyais, onde hoje está um pedaço da Nicarágua. Ele distribuiu na praça de Londres um folheto mostrando a capital de seu reino, com bulevar europeu, catedral e teatro de ópera. Garantia liberdade de comércio e respeito aos contratos assinados com a Espanha. Lançou papéis de uma dívida de 200 mil libras (equivalentes a 11 milhões de libras de hoje). Pagava 6% ao ano de juros. Os papéis venderam mal, mas venderam.
No final de 1823 chegaram a Poyais 250 imigrantes ingleses. Descobriram que não existia coisa alguma. Nem país, muito menos bulevar. Nem um casebre. Era mato puro. Em poucos meses 180 colonos estavam mortos. Quando a City de Londres soube disso, os papéis caíram para 15% do seu valor de face. O vigarista mudou-se para Paris, proclamou a República de Poyais, condenou a tirania espanhola e anunciou uma nova emissão, de 300 mil libras. Não se sabe se a consumou. Pouco depois emitiu outro papelório, de 800 mil libras. Teve compradores que pagaram 60 libras por um papel de cem. Nessa altura MacGregor zanzava pela França como um campeão dos direitos e das liberdades dos pobres.
O fato de não existir Poyais algum era irrelevante. Os banqueiros satisfaziam-se em comprar títulos pela metade do preço com juros no dobro do mercado. Não era necessário haver Poyais, era indispensável existir alguém disposto a pagar pelo papel um pouco mais do que o banqueiro pagara. Dois jornalistas que denunciaram McGregor foram condenados por não terem provado que Poyais não existia.
MacGregor morreu pobre, depois de passar um tempo na cadeia. Lendo-se sua história ocorre a idéia de que ela só poderia acontecer no século XIX, quando não havia jornais, CNN nem internet. Será?
Entre 1989 e 2001 a banca internacional e os sábios da economia disseram à choldra que um peso argentino valia a mesma coisa que um dólar americano. Entre 1994 e 1998 todos os banqueiros nacionais e a sábia ekipekonômica do tucanato garantiam que um dólar valia R$ 1,20.
Serviço: A história de Poyais está contada também num livro excepcional, editado em português. É "A Primeira Crise da Dívida Latino-Americana - A City de Londres e a Bolha Especulativa de 1822-1825", de Frank Griffith Dawson.

O ronco da rua

Vem aí um solavanco na máquina de propaganda petista. É muito provável que as próximas pesquisas de opinião revelem que o nível de aprovação (ótimo + bom) do governo federal ficou abaixo da taxa de rejeição (ruim + péssimo). Esse efeito, chamado de "tesoura", foi sentido pela primeira vez em São Paulo, em maio.
Para se ter uma idéia do tamanho do estrago, FFHH governou todo o seu primeiro mandato com avaliação positiva. Havia mais gente achando seu governo bom ou ótimo do que julgando-o ruim ou péssimo. Depois da crise financeira de 1999, quando entrou em colapso a política de populismo cambial do dólar a R$ 1,20, os tucanos baixaram o bico. E de bico baixo ficaram até que foram retirados do Planalto.
De uma maneira geral, a avaliação que os eleitores fazem de Lula deixa-o abaixo dos prefeitos e dos governadores.

Bom caminho

O comissário José Dirceu pretende instituir uma norma para sua rotina de coordenador da agenda do desenvolvimento. Toda conversa séria terá anotadores.
Serão servidores qualificados, e suas notas funcionarão como uma espécie de ata.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, usa método semelhante: só dá audiências a pessoas estranhas ao ministério com testemunhas na sala. Lula vale-se, quase sempre, dos ouvidos e das notas de Clara Ant, sua mais próxima colaboradora.

Esquecido

O doutor Waldomiro Diniz está sendo processado pela Advocacia Geral da União por improbidade. É possível que essa classificação acabe sendo considerada bondosa. Acredita-se que aparecerão documentos com informações embaraçosas, dadas ao governo americano pela GTech, a multinacional das loterias.

Par, ou ímpar

Vai mal o Companheiro Lula na sua encarnação de mestre-escola dos costumes nacionais.
No último dia 19 participando de um evento em São Paulo, queixou-se:
- Em qualquer lugar do mundo que eu vou, eu tenho que levar flores ao túmulo do herói nacional. No Brasil não tem.
No dia 29 de junho, abrindo a Conferência Nacional dos Direitos Humanos, Lula disse o seguinte:
- Pobre do país que precisa de heróis para defender a dignidade. Pobre do país que precisa de mártires para defender a liberdade ou de mortos para defender a vida. Ou o Companheiro não acredita no que diz ou não lembra do que lê.

$$$

Luiza Erundina já aprontou a sua página na internet com a prestação de contas de sua campanha em tempo real. Até o dia da eleição ela não identificará os fornecedores pelo nome. Teme que eles sejam perseguidos. No dia seguinte, colocará a lista completa no ar. Os doadores serão sempre identificados.
Ainda não há lançamentos, mas sua assessoria promete que será possível verificar o custo de cada filme de televisão da candidata. É aí que moram as maiores mentiras dos custos das campanhas.
No Recife, Raul Jungman também vai prestar contas em tempo real. Nenhum outro candidato a prefeito de capital aceitou confiar suas contas ao eleitores a quem pedem a confiança do voto.
Erundina está no endereço www.luizaerundina.com.br.

Boas notícias

A fábrica da Volvo em Curitiba aumentou sua produção de motores para o mercado e criou um terceiro turno de trabalho.
A fábrica de rolamentos FAG, de São Paulo, criou o quarto turno de produção, efetivando 60 operários e contratando outros 60. Tudo para o mercado externo.


Texto Anterior: No Planalto: Um descalabro que sobrevive a cinco presidentes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.