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ENTREVISTA DA 2ª
HORACIO VERBITSKY
Para jornalista argentino, países latino-americanos serão afetados pela crise do PT e do governo
Escândalo ameaça liderança de Lula na AL, diz analista
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
A posição de Lula como líder da
América Latina está em risco por
causa do escândalo do "mensalão". Essa é a opinião de Horacio
Verbitsky, 63, colunista político
do jornal argentino "Página 12",
que se diz "surpreso com a conduta do partido, contrária a sua
tradicional bandeira ética".
Para o analista, tensões políticas
como a que passa o Brasil ficam
mais sérias quando o governo
descuida de tentar resolver o problema da desigualdade social no
país. Nesse caso, diz, "o escândalo
é percebido como uma traição".
Autor de livros importantes para o conhecimento da história recente do país vizinho, como "O
Vôo" (ed. Globo), sobre os desaparecidos políticos durante a ditadura, e o recém-lançado "El Silencio", que investiga a cumplicidade da Igreja
Católica argentina com a ditadura, Verbitsky concedeu a seguinte
entrevista à Folha, por telefone,
de Buenos Aires.
Folha - Qual sua impressão sobre
a crise do PT no Brasil?
Horacio Verbitsky - Aqui da Argentina, o que vemos acontecer
com o PT é surpreendente, algo
que ninguém esperava. O que
mais me preocupa com relação à
crise no PT é o quanto ela significa
uma crise do Brasil.
O Brasil é o país mais importante da América Latina, com capacidade de liderar o resto do continente. E o PT é a experiência política mais original que temos na
região.
A combinação dessas duas coisas, do Brasil e do PT, faz com que
o que ocorra no Brasil hoje seja
muito importante para o resto da
América Latina, que certamente
sofrerá as conseqüências.
Uma experiência como a do PT
no Brasil, com o primeiro operário chegando à Presidência e sendo logo enredado pela corrupção,
nos coloca diante de um problema muito grave.
Folha - O sr. acha que a posição de
Lula como um líder da América Latina está em risco?
Verbitsky - Sim, o que é lamentável. Entretanto, ainda não sabemos qual é a capacidade de Lula
de reabilitar-se. Talvez sua maior
vantagem seja o fato de que, com
relação a seus opositores, ele ainda pareça seguir ganhando.
É evidente que é muito grave
que a ética do PT se mostre vulnerável, mas acho difícil que alguém
no Brasil possa dizer que é mais
ético. Que se possa apontar para
Fernando Collor ou mesmo para
Fernando Henrique Cardoso e dizer que foram mais éticos. Ainda
assim, é terrível que a nivelação
entre eles esteja acontecendo por
baixo.
Em todo caso, não acho que a
estabilidade de Lula esteja correndo perigo, mas sim o projeto de
reestruturação do país que o PT
propunha. Não vejo o sistema político em xeque e nem mesmo em
risco a possibilidade de reeleição
de Lula em 2006.
Folha - O sr. pensa que há uma crise da esquerda latino-americana?
Verbitsky - O problema não é a
esquerda propriamente dita, mas
sim a fase pela qual passam os
partidos políticos populares da
América Latina. Estes vêm chegando ao governo com um determinado discurso, que pode ser
progressista, populista ou distributivo, e depois têm governado
com as políticas clássicas de controle da inflação, sem radicalizar
as políticas econômicas.
Isso provoca um enorme desencanto na sociedade a respeito do
sistema político como um todo.
Em distintos momentos recentes,
isso vem se passando em diferentes países. Quando a situação econômica está vivendo um ciclo expansivo, os episódios de corrupção espantam menos. Mas, num
momento de penúria, é diferente.
No seu discurso de posse, Lula
disse que se sentiria satisfeito se as
pessoas comessem três vezes por
dia. Quando isso ainda é um programa pendente, um escândalo
de corrupção como o que estamos assistindo é percebido como
uma traição, é ainda mais escandaloso.
Sei que se pode dizer que em
termos de macroeconomia o Brasil está melhor, mas o problema
social segue agravando-se.
Folha - Em sua campanha eleitoral, nos anos 80, ao final da ditadura, Raúl Alfonsín repetia a frase:
"Con la democracia se come, se cura, se educa". Acredita que um erro
dos políticos latino-americanos
neste período pós-redemocratização tenha sido criar expectativas
em excesso na população?
Verbitsky - A relação que vejo
entre as decepções causadas, por
exemplo, pela gestão de Raúl Alfonsín, pelo peronismo defendido
por Carlos Menem, pelo radicalismo de Fernando de la Rúa e, agora, com o que está acontecendo
com o PT está na crise dos grandes discursos.
No fundo, o que as pessoas realmente esperam dos governos é,
por um lado, que tenham integridade e, por outro, que adotem políticas econômicas que incluam
um componente de distribuição.
E essa não tem sido a norma.
Na Argentina, houve um elemento de distribuição nos primeiros anos do governo Menem,
quando se conseguiu congelar a
inflação.
O mesmo aconteceu também
no Brasil com Fernando Henrique Cardoso e o Real. Foram momentos de construção e de ingresso popular, porque se conseguiu
frear a inflação.
Mas, tirando esses períodos, o
que houve foi uma perda generalizada de poder aquisitivo, apesar
de um um crescimento macroeconômico importante e de importantes negócios para alguns
grandes grupos. A situação social,
em ambos os países, no entanto,
segue sendo crítica.
Folha - Na Argentina, o sr. acha
que o peronismo sairá fortalecido
nas eleições legislativas que ocorrerão em outubro?
Verbitsky - Não, acho que apenas o presidente
Kirchner sairá fortalecido. O sucesso do presidente
na eleição demonstrará justamente que o peronismo não é suficiente para enfrentar todos os
problemas pelos
quais passa hoje a
Argentina.
O que o presidente prega é que
é necessária uma
ampliação política, e que o peronismo como está
hoje não é capaz
disso. Ele ensaia
uma ruptura com
um setor do peronismo que é o
grande responsável pela situação
duríssima à qual chegou a Argentina. Ele enfrentou Menem na
eleição de 2003, e, agora, encara
Eduardo Duhalde.
Menem e Duhalde são os responsáveis pela situação atual do
país. Néstor Kirchner tem, nesse
sentido, um nível de adesão muito
alto e que deve ser confirmado na
eleição.
Folha - Por quê?
Verbitsky - Porque está modificando esta lógica a que me referi
no princípio, a de um partido que
chega ao poder com um discurso
popular e que, uma vez lá, faz as
políticas de ajuste tradicionais.
Kirchner chegou
com um discurso
que não era claro,
que não se podia entender muito bem,
mas tomou uma série de medidas que tinham a ver com
aquilo que a sociedade pedia.
Entre 1998 e 2003
vivemos cinco anos
horríveis na Argentina, com o final do governo Menem, a recessão, um governo
de aliança frágil que
se desfez e que implantou um programa de ajuste que só
conseguiu aprofundar ainda mais a recessão e fomentar
mais casos de corrupção.
Depois veio o governo de Duhalde, que produziu uma desvalorização da moeda e transferências
de ingressos monstruosas em favor de grupos econômicos mais
concentrados.
Tudo isso reduziu o poder aquisitivo dos salários, fez aumentar
os níveis de desemprego e de pobreza. Chegamos a uma precarização de condições que pareciam
impossíveis em um país como a
Argentina.
E Kirchner, bem ou mal, enfrentou todas essas coisas.
Folha - Como o sr. explica o fato
de que o peronismo tenha enfrentado tão pouca oposição nos últimos tempos?
Verbitsky - Bom, a razão é que o
próprio Kirchner é essa força de
oposição ao peronismo (risos).
Folha - E a esquerda?
Verbitsky - Nossa esquerda parou ali pelo período paleolítico.
Não ficou sabendo de nada do
que aconteceu no mundo nas últimas décadas.
A Argentina é especial nesse
sentido, acho que é o único país
em que é possível uma aliança entre os partidos stalinista e trotskista -representados pelo comunista- e o movimento socialista
de trabalhadores.
Folha - Como o sr. vê o futuro próximo da América Latina?
Verbitsky - Existe uma atitude de
não fomentar que os Estados Unidos intervenham em nossos problemas, e isso é positivo. Por outro lado, não vejo um comprometimento dos governos com a problemática regional.
A idéia do presidente Lula de
fortalecer uma Confederação Sul-Americana de Nações tem a ver
com a expressão de uma hegemonia brasileira contraditória com a
associação realmente existente,
que é o Mercosul.
Entendo que, politicamente, a
Lula lhe caia muito bem dizer que
ele é a América do Sul, e falar em
nome da América do Sul diante
dos atores globais.
Mas não serei convencido de
que incluir o Peru ou a Colômbia,
que estão negociando sua integração com os EUA, vá contribuir
com o Mercosul. É como colocar
um Cavalo de Tróia dentro dele.
Um problema de interesses contraditórios claros.
Acho que o Brasil deveria ter
mais diálogo com a Argentina.
Entendo a importância que para o
Brasil tem a Comunidade Sul-Americana frente aos atores globais, mas me parece uma fantasia
inconsistente pensar que possa
existir essa comunidade sul-americana sem a Argentina.
Folha - Como o sr. vê as relações
entre Brasil e Argentina hoje?
Verbitsky - Estão complicadas
em parte por causa de problemas
políticos argentinos.
O fato de Duhalde ser o presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul,
e que Lula tenha desenvolvido
com ele um tipo de relação que é
oposta à da política argentina, é
muito ruim.
Suponho que, agora, ao terminar o mandato de Duhalde, a relação entre Brasil e Argentina possa
melhorar e que nossos problemas
internos não interfiram tanto nas
relações entre os dois países.
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