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MISÉRIA NOS PAMPAS
Se região fosse transformada em Estado, seria apenas a 13ª do país em desenvolvimento humano
Sul gaúcho tem IDH semelhante ao NE
LUCIO VAZ
enviado especial a Pelotas (RS)
O Rio Grande do Sul, que aparece nos relatórios da ONU como o
Estado de melhor desenvolvimento humano do país, disfarça
uma realidade: quem puxa esses
bons índices é a metade norte. A
metade sul vive um processo lento, mas gradual, de nordestização.
Transformada em Estado, a metade sul seria apenas o 13º do país
em desenvolvimento humano.
No entanto, até a metade deste século, foi a região mais próspera do
Rio Grande do Sul.
Em 97, entre os dez municípios
de maior PIB (Produto Interno
Bruto) no Estado, apenas dois
eram da metade sul: Rio Grande
(R$ 1,53 bilhão) e Pelotas (R$ 1,5
bilhão), respectivamente em sexto e sétimo lugares. O PIB de Caxias era de R$ 3,6 bilhões e o de
Canoas, de R$ 4 bilhões.
O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é calculado pela
Organização das Nações Unidas
com base em indicadores de renda, educação, infância, habitação
e longevidade.
"Rainha da Fronteira"
Além da estagnação econômica,
a porção "Nordeste" do Rio Grande do Sul também perde população. A metade sul, que já teve 52%
dos habitantes do Estado no final
do século passado, hoje não tem
mais que um quarto do total.
Pelotas e Bagé são dois exemplos de cidades grandes deterioradas econômica e socialmente pela
crise. Bagé, outrora apelidada de
"Rainha da Fronteira", hoje está
mais para gata borralheira por
causa da crise na pecuária.
O preço da lã caiu a um quinto e
o da carne pela metade nas últimas décadas. Os fazendeiros estão descapitalizados. O maior frigorífico (Cicade) fechou as portas
no ano passado.
A prefeitura mantém os salários
com quatro meses de atraso há
dois anos e meio. O prefeito, Carlos Azambuja, diz que assumiu
em 1997 com uma dívida vencida
de R$ 17 milhões, para um orçamento anual de R$ 23 milhões.
Em Pelotas, o frigorífico Anglo
encerrou as atividades em meados da década de 80. O movimento do porto é outro termômetro
da letargia econômica: caiu de 602
mil toneladas em 1987 para 266
mil no ano passado.
O porto já recebeu navios de
grande porte. Embarcava arroz,
carne, tecido, conservas e outros
produtos industrializados. Hoje,
embarca basicamente o clinq (sub
produto do cimento) e recebe casca de arroz e areia, geralmente em
chatas (barcaças largas e rasas).
O desemprego chegou a reboque da crise, que fechou fábricas
de produtos tradicionais, como as
indústrias de doces e conservas.
Em 1981, 40 empresas empregavam 4.300 trabalhadores permanentes e 17 mil safristas, produzindo 48 milhões de latas de pêssego. Em 1995, restavam 18 empresas, com 730 empregados fixos
e 3.100 safristas. A produção caiu
para 17 milhões de latas de pêssego. A maior empresa, a Agapê,
que contratava até 3.000 trabalhadores, faliu em 1996.
A cultura do arroz conseguiu
avanço tecnológico em Pelotas e
Santa Vitória do Palmar. Mas a
maior parte da produção vem de
propriedades com menos de 100
hectares. Cerca de 70% dos produtores são arrendatários e pagam 40% dos seus ganhos por terra e água.
O reflexo da crise está nos números globais da participação da
metade sul na produção industrial (caiu de 49% em 1920 para
10% hoje) e no PIB do Estado (era
de 38% em 1940, está em 17%).
A consequência mais visível do
marasmo econômico é a crescente favelização das maiores cidades
da região (Pelotas, Rio Grande e
Bagé), com a absorção dos migrantes das pequenas cidades.
Nelas existem raros bolsões de
miséria. A pobreza é distribuída
por igual, seja na cidade ou no
campo. Os migrantes vão para os
maiores centros urbanos à procura de educação, saúde e emprego.
Renda e esgoto
No município mais pobre da região, Santana da Boa Vista, a renda familiar per capita média era
de 0,47 salário mínimo em 1990,
segundo dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). A média dos
municípios do Nordeste brasileiro era de 0,64 salário mínimo.
Apenas 7,2% das casas de Santana contavam com instalações
adequadas de esgoto. O IDH do
município (0,541) é próximo ao
do Nordeste (0,508) e semelhante
ao do Iraque (0,538).
São José do Norte, no litoral,
tem IDH igual ao da Nicarágua
(0,542). Com renda familiar per
capita de 0,66 salário mínimo, tinha 61,8% da população com renda insuficiente, segundo o senso
de 1990.
Piratini, com 17 mil habitantes,
existe desde 1789. Foi capital da
República Farroupilha em 1935,
quando tinha até fábrica de cerveja. Em 1990, tinha 65,2% da população com renda insuficiente.
Pelotas, cidade pólo da zona sul,
tem indicadores sociais e econômicos que ficam na média do Rio
Grande do Sul, mas muito abaixo
das principais cidades das regiões
norte e nordeste do Estado.
Caxias, cidade industrial da serra gaúcha, tem IDH de 0,807 (alto
desenvolvimento humano). Tinha renda familiar per capita de
2,19 salários mínimos pelo senso
de 1990, com apenas 10,3% da população com renda insuficiente.
A cidade de Feliz, na mesma região, tem o maior IDH do país
(0,834). Apresentava índice de
analfabetismo de apenas 2,4% e
taxa de mortalidade infantil de 5,9
por mil crianças nascidas vidas no
início da década.
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