São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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MISÉRIA NOS PAMPAS
Se região fosse transformada em Estado, seria apenas a 13ª do país em desenvolvimento humano
Sul gaúcho tem IDH semelhante ao NE

LUCIO VAZ
enviado especial a Pelotas (RS)

O Rio Grande do Sul, que aparece nos relatórios da ONU como o Estado de melhor desenvolvimento humano do país, disfarça uma realidade: quem puxa esses bons índices é a metade norte. A metade sul vive um processo lento, mas gradual, de nordestização.
Transformada em Estado, a metade sul seria apenas o 13º do país em desenvolvimento humano. No entanto, até a metade deste século, foi a região mais próspera do Rio Grande do Sul.
Em 97, entre os dez municípios de maior PIB (Produto Interno Bruto) no Estado, apenas dois eram da metade sul: Rio Grande (R$ 1,53 bilhão) e Pelotas (R$ 1,5 bilhão), respectivamente em sexto e sétimo lugares. O PIB de Caxias era de R$ 3,6 bilhões e o de Canoas, de R$ 4 bilhões.
O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é calculado pela Organização das Nações Unidas com base em indicadores de renda, educação, infância, habitação e longevidade.

"Rainha da Fronteira"
Além da estagnação econômica, a porção "Nordeste" do Rio Grande do Sul também perde população. A metade sul, que já teve 52% dos habitantes do Estado no final do século passado, hoje não tem mais que um quarto do total.
Pelotas e Bagé são dois exemplos de cidades grandes deterioradas econômica e socialmente pela crise. Bagé, outrora apelidada de "Rainha da Fronteira", hoje está mais para gata borralheira por causa da crise na pecuária.
O preço da lã caiu a um quinto e o da carne pela metade nas últimas décadas. Os fazendeiros estão descapitalizados. O maior frigorífico (Cicade) fechou as portas no ano passado.
A prefeitura mantém os salários com quatro meses de atraso há dois anos e meio. O prefeito, Carlos Azambuja, diz que assumiu em 1997 com uma dívida vencida de R$ 17 milhões, para um orçamento anual de R$ 23 milhões.
Em Pelotas, o frigorífico Anglo encerrou as atividades em meados da década de 80. O movimento do porto é outro termômetro da letargia econômica: caiu de 602 mil toneladas em 1987 para 266 mil no ano passado.
O porto já recebeu navios de grande porte. Embarcava arroz, carne, tecido, conservas e outros produtos industrializados. Hoje, embarca basicamente o clinq (sub produto do cimento) e recebe casca de arroz e areia, geralmente em chatas (barcaças largas e rasas).
O desemprego chegou a reboque da crise, que fechou fábricas de produtos tradicionais, como as indústrias de doces e conservas. Em 1981, 40 empresas empregavam 4.300 trabalhadores permanentes e 17 mil safristas, produzindo 48 milhões de latas de pêssego. Em 1995, restavam 18 empresas, com 730 empregados fixos e 3.100 safristas. A produção caiu para 17 milhões de latas de pêssego. A maior empresa, a Agapê, que contratava até 3.000 trabalhadores, faliu em 1996.
A cultura do arroz conseguiu avanço tecnológico em Pelotas e Santa Vitória do Palmar. Mas a maior parte da produção vem de propriedades com menos de 100 hectares. Cerca de 70% dos produtores são arrendatários e pagam 40% dos seus ganhos por terra e água.
O reflexo da crise está nos números globais da participação da metade sul na produção industrial (caiu de 49% em 1920 para 10% hoje) e no PIB do Estado (era de 38% em 1940, está em 17%).
A consequência mais visível do marasmo econômico é a crescente favelização das maiores cidades da região (Pelotas, Rio Grande e Bagé), com a absorção dos migrantes das pequenas cidades.
Nelas existem raros bolsões de miséria. A pobreza é distribuída por igual, seja na cidade ou no campo. Os migrantes vão para os maiores centros urbanos à procura de educação, saúde e emprego.

Renda e esgoto
No município mais pobre da região, Santana da Boa Vista, a renda familiar per capita média era de 0,47 salário mínimo em 1990, segundo dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). A média dos municípios do Nordeste brasileiro era de 0,64 salário mínimo.
Apenas 7,2% das casas de Santana contavam com instalações adequadas de esgoto. O IDH do município (0,541) é próximo ao do Nordeste (0,508) e semelhante ao do Iraque (0,538).
São José do Norte, no litoral, tem IDH igual ao da Nicarágua (0,542). Com renda familiar per capita de 0,66 salário mínimo, tinha 61,8% da população com renda insuficiente, segundo o senso de 1990.
Piratini, com 17 mil habitantes, existe desde 1789. Foi capital da República Farroupilha em 1935, quando tinha até fábrica de cerveja. Em 1990, tinha 65,2% da população com renda insuficiente.
Pelotas, cidade pólo da zona sul, tem indicadores sociais e econômicos que ficam na média do Rio Grande do Sul, mas muito abaixo das principais cidades das regiões norte e nordeste do Estado.
Caxias, cidade industrial da serra gaúcha, tem IDH de 0,807 (alto desenvolvimento humano). Tinha renda familiar per capita de 2,19 salários mínimos pelo senso de 1990, com apenas 10,3% da população com renda insuficiente.
A cidade de Feliz, na mesma região, tem o maior IDH do país (0,834). Apresentava índice de analfabetismo de apenas 2,4% e taxa de mortalidade infantil de 5,9 por mil crianças nascidas vidas no início da década.


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