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TCU aponta viagens irregulares de reitor
Tribunal de Contas da União lista problemas em deslocamentos ao exterior feitos pelo reitor da Unifesp em 2006 e 2007
Ulysses Fagundes Neto teria usado dinheiro público para pagar itens de luxo e fazer roteiros não autorizados, segundo relatório técnico
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
O reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo),
Ulysses Fagundes Neto, pediu
autorização ao Ministério da
Educação para viajar para Portugal entre os dias 17 e 24 de fevereiro de 2007 a fim de firmar
convênio de cooperação com a
Universidade do Porto. Na prática, a programação oficial
ocorreu apenas entre 21 e 23 de
fevereiro. Os demais dias o reitor aproveitou para visitar fábricas de queijo da Serra da Estrela, tradicional região produtora dos célebres derivados de
leite de ovelha, considerados
entre os melhores do mundo.
Ficou hospedado na pousada
Convento do Desagravo Pouca
Beira, edifício setecentista com
"ambiente romântico e tranqüilo", segundo próprio site.
Também não perdeu jogo entre
o Porto e o Chelsea, pela Copa
dos Campeões da Europa, no
estádio do Dragão, dia 21, que
acabou em 1 a 1. Tudo pago pelo
erário público.
Fiscalização do Tribunal de
Contas da União nas contas de
13 viagens internacionais de
Fagundes Neto entre os anos
de 2006 e 2007 evidencia uso
irregular de recursos do Estado
para pagamento de itens de
consumo de luxo, desvio de finalidade, burla ao regime de
dedicação exclusiva, realização
de viagens não autorizadas ou
com prazo superior ao estritamente necessário -e quer a devolução de R$ 229.550,06 aos
cofres públicos.
A equipe de inspeção, composta por Cyonil da Cunha Borges de Faria Júnior e por Emerson César da Silva Gomes, da
Secretaria de Controle Externo
do Estado de São Paulo, foi designada em 16 de abril de 2008,
depois da publicação de denúncias de que o reitor da Unifesp
usara o cartão corporativo para
fazer compras de mais de R$ 12
mil em artigos eletrônicos, cerâmicas e malas.
O TCU resolveu estender a
pesquisa a todas as viagens no
período de 2006-2007. Vasculharam-se os gastos de Fagundes Neto no exterior por meio
das notas fiscais que ele mesmo
apresentou para justificar despesas, faturas do cartão de crédito corporativo e bilhetes aéreos. O relatório técnico, obtido
com exclusividade pela Folha,
tem 58 páginas, fora os anexos.
Verificou-se, assim, que o
reitor comprou um barbeador
de marfim Demidoff, luxo do
design italiano, e uma escova
de cabelo, por R$ 306; que consumiu conhaque Courvoisier, o
tradicional conhaque de Napoleão, no Hotel Waldorf Hilton
de Londres; que adquiriu equipamentos eletrônicos, entre os
quais um laptop Toshiba
S4284 T2050 (R$ 2.095,88) na
loja CompUSA, em viagem a
Orlando, nos Estados Unidos.
Que, no caminho para Pequim, o reitor resolveu dar um
tempo em Paris. Normalmente, o período de espera entre o
vôo que chega de São Paulo e o
que parte para Pequim é de 5
horas e meia a 7 horas e 20 minutos -segundo os fiscais, dispensando pernoite em Paris.
Fagundes Neto, entretanto, resolveu pernoitar.
Hospedou-se no hotel Sofitel
Le Faubourg, perto da
Champs-Élysées e do rio Sena.
Aproveitou para ir ao restaurante Le Petit Zinc, jóia da arquitetura art nouveau, e ao Café Le Bonaparte, ambos na chamada rive gauche, cartão postal
da cidade (em outras eras, a região foi point de intelectuais
existencialistas). Apesar de oficialmente a viagem ser individual, o reitor hospedou-se com
outra pessoa, e o cartão de crédito corporativo pagou a dupla
estadia (R$ 1.684,15).
Das 13 viagens feitas pelo reitor no período analisado, 11 tiveram relação direta com sua
especialidade clínica, e não
com a função de reitor da Unifesp. Fagundes Neto é pediatra
gastroenterologista e membro
do quadro diretivo da Federação das Sociedades Internacionais de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição.
Os fiscais tiveram o cuidado
de perguntar aos demais docentes de gastroenterologia e
de gastroenterologia pediátrica
da Unifesp se participaram de
congressos internacionais da
disciplina entre 2006 e 2007, e
se a universidade pagou-lhes as
despesas. Dos 13 docentes, apenas cinco participaram de congressos internacionais. Fora o
reitor, a Unifesp não pagou
nem passagem nem hospedagem ou diárias para nenhum
outro cientista da área.
"É forçoso concluir que o Sr.
Reitor utilizou recursos públicos em atendimento ao seu interesse particular. (...) Ressalte-se que a participação em
eventos internacionais é de
fundamental importância para
os docentes de uma instituição
de excelência na área de medicina como é a Unifesp, mas essa participação deve ser feita
em atendimento aos princípios
da moralidade, da impessoalidade, da finalidade e da economicidade", diz o relatório.
Consultor
A investigação apurou que,
em duas ocasiões, o reitor fez a
Unifesp pagar por viagens que
fez na condição de consultor
remunerado, com tudo pago.
No Canadá e no Reino Unido,
onde esteve entre os dias 6 a 11
de setembro e de 13 a 16 de dezembro de 2007, respectivamente, Fagundes Neto recebeu
U$ 2.500 (R$ 4.100) por dia do
laboratório farmacêutico AstraZeneca AB, para prestar
consultoria. A remuneração foi
para o reitor. A Unifesp arcou
com R$ 21.416,94 para custear
as viagens.
Conclui o relatório de inspeção do tribunal: "Não se pode
conceber que a universidade,
com seus escassos recursos,
possa custear a viagem do reitor para atuar como consultor
internacional de uma entidade
privada, violando, sobretudo, o
regime de dedicação exclusiva
ao qual está submetido".
O trabalho dos fiscais foi enviado há 15 dias para o relator,
ministro Aroldo Cedraz, que
deverá apresentar parecer sobre ele aos demais membros do
plenário do TCU. Só então se
decidirá se há e quais são as
providências a serem tomadas.
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