São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 2008

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TCU aponta viagens irregulares de reitor

Tribunal de Contas da União lista problemas em deslocamentos ao exterior feitos pelo reitor da Unifesp em 2006 e 2007

Ulysses Fagundes Neto teria usado dinheiro público para pagar itens de luxo e fazer roteiros não autorizados, segundo relatório técnico

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

O reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Ulysses Fagundes Neto, pediu autorização ao Ministério da Educação para viajar para Portugal entre os dias 17 e 24 de fevereiro de 2007 a fim de firmar convênio de cooperação com a Universidade do Porto. Na prática, a programação oficial ocorreu apenas entre 21 e 23 de fevereiro. Os demais dias o reitor aproveitou para visitar fábricas de queijo da Serra da Estrela, tradicional região produtora dos célebres derivados de leite de ovelha, considerados entre os melhores do mundo.
Ficou hospedado na pousada Convento do Desagravo Pouca Beira, edifício setecentista com "ambiente romântico e tranqüilo", segundo próprio site. Também não perdeu jogo entre o Porto e o Chelsea, pela Copa dos Campeões da Europa, no estádio do Dragão, dia 21, que acabou em 1 a 1. Tudo pago pelo erário público.
Fiscalização do Tribunal de Contas da União nas contas de 13 viagens internacionais de Fagundes Neto entre os anos de 2006 e 2007 evidencia uso irregular de recursos do Estado para pagamento de itens de consumo de luxo, desvio de finalidade, burla ao regime de dedicação exclusiva, realização de viagens não autorizadas ou com prazo superior ao estritamente necessário -e quer a devolução de R$ 229.550,06 aos cofres públicos.
A equipe de inspeção, composta por Cyonil da Cunha Borges de Faria Júnior e por Emerson César da Silva Gomes, da Secretaria de Controle Externo do Estado de São Paulo, foi designada em 16 de abril de 2008, depois da publicação de denúncias de que o reitor da Unifesp usara o cartão corporativo para fazer compras de mais de R$ 12 mil em artigos eletrônicos, cerâmicas e malas.
O TCU resolveu estender a pesquisa a todas as viagens no período de 2006-2007. Vasculharam-se os gastos de Fagundes Neto no exterior por meio das notas fiscais que ele mesmo apresentou para justificar despesas, faturas do cartão de crédito corporativo e bilhetes aéreos. O relatório técnico, obtido com exclusividade pela Folha, tem 58 páginas, fora os anexos.
Verificou-se, assim, que o reitor comprou um barbeador de marfim Demidoff, luxo do design italiano, e uma escova de cabelo, por R$ 306; que consumiu conhaque Courvoisier, o tradicional conhaque de Napoleão, no Hotel Waldorf Hilton de Londres; que adquiriu equipamentos eletrônicos, entre os quais um laptop Toshiba S4284 T2050 (R$ 2.095,88) na loja CompUSA, em viagem a Orlando, nos Estados Unidos.
Que, no caminho para Pequim, o reitor resolveu dar um tempo em Paris. Normalmente, o período de espera entre o vôo que chega de São Paulo e o que parte para Pequim é de 5 horas e meia a 7 horas e 20 minutos -segundo os fiscais, dispensando pernoite em Paris. Fagundes Neto, entretanto, resolveu pernoitar.
Hospedou-se no hotel Sofitel Le Faubourg, perto da Champs-Élysées e do rio Sena. Aproveitou para ir ao restaurante Le Petit Zinc, jóia da arquitetura art nouveau, e ao Café Le Bonaparte, ambos na chamada rive gauche, cartão postal da cidade (em outras eras, a região foi point de intelectuais existencialistas). Apesar de oficialmente a viagem ser individual, o reitor hospedou-se com outra pessoa, e o cartão de crédito corporativo pagou a dupla estadia (R$ 1.684,15).
Das 13 viagens feitas pelo reitor no período analisado, 11 tiveram relação direta com sua especialidade clínica, e não com a função de reitor da Unifesp. Fagundes Neto é pediatra gastroenterologista e membro do quadro diretivo da Federação das Sociedades Internacionais de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição.
Os fiscais tiveram o cuidado de perguntar aos demais docentes de gastroenterologia e de gastroenterologia pediátrica da Unifesp se participaram de congressos internacionais da disciplina entre 2006 e 2007, e se a universidade pagou-lhes as despesas. Dos 13 docentes, apenas cinco participaram de congressos internacionais. Fora o reitor, a Unifesp não pagou nem passagem nem hospedagem ou diárias para nenhum outro cientista da área.
"É forçoso concluir que o Sr. Reitor utilizou recursos públicos em atendimento ao seu interesse particular. (...) Ressalte-se que a participação em eventos internacionais é de fundamental importância para os docentes de uma instituição de excelência na área de medicina como é a Unifesp, mas essa participação deve ser feita em atendimento aos princípios da moralidade, da impessoalidade, da finalidade e da economicidade", diz o relatório.

Consultor
A investigação apurou que, em duas ocasiões, o reitor fez a Unifesp pagar por viagens que fez na condição de consultor remunerado, com tudo pago. No Canadá e no Reino Unido, onde esteve entre os dias 6 a 11 de setembro e de 13 a 16 de dezembro de 2007, respectivamente, Fagundes Neto recebeu U$ 2.500 (R$ 4.100) por dia do laboratório farmacêutico AstraZeneca AB, para prestar consultoria. A remuneração foi para o reitor. A Unifesp arcou com R$ 21.416,94 para custear as viagens.
Conclui o relatório de inspeção do tribunal: "Não se pode conceber que a universidade, com seus escassos recursos, possa custear a viagem do reitor para atuar como consultor internacional de uma entidade privada, violando, sobretudo, o regime de dedicação exclusiva ao qual está submetido".
O trabalho dos fiscais foi enviado há 15 dias para o relator, ministro Aroldo Cedraz, que deverá apresentar parecer sobre ele aos demais membros do plenário do TCU. Só então se decidirá se há e quais são as providências a serem tomadas.


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