São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

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PRESIDENTE

Alta do dólar torna atrativa a idéia de permitir um pouco de inflação no ano inicial do mandato do próximo presidente

A primeira tentação

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A eventual permanência do dólar muito acima dos R$ 3 tornará sedutora a idéia de permitir "um pouco mais de inflação" -expediente condenado anteontem pelo Fundo Monetário Internacional- para a travessia do ano de 2003, o primeiro do mandato do próximo presidente.
Um estudo elaborado pelo BBV Banco indica que, com um dólar a R$ 3,20, será necessário um aperto adicional de R$ 3,5 bilhões nos orçamentos nacionais para manter as contas equilibradas, segundo parâmetros semelhantes aos do acordo com o FMI. Com o dólar a R$ 3,40, a conta sobe para R$ 26 bilhões.
O primeiro valor equivale a metade do orçamento do Ministério da Educação; o segundo supera todos os gastos previstos para a Saúde (R$ 22,5 bilhões).
Esses seriam os cortes necessários para elevar o superávit primário -a parcela das receitas destinada ao pagamento de dívidas- de 3,75% para 4% e 5,6% do PIB, respectivamente.
Uma alta moderada da inflação poderia, teoricamente, beneficiar as contas do governo e reduzir a necessidade de sacrifícios desse montante. Também em tese, poderia abrir espaço para a queda dos juros, com efeitos positivos para o crescimento econômico. Por fim, deixar o dólar em níveis elevados favoreceria a balança comercial, reduzindo a dependência em relação ao capital externo.
Parece tentador para candidatos que, ao longo da campanha, prometeram combater o desemprego estimulando, justamente, as exportações e o crescimento.
E soa como uma solução simples para o problema que mais aflige a economia hoje, ou seja, a explosão do câmbio -ela própria se encarregaria de produzir o "pouco mais de inflação".
É possível fazer contas para encaixar uma estratégia como essa nas regras do acordo com o FMI, que prevê empréstimos de US$ 24 bilhões em 2003.
O acordo tem o objetivo principal de conter a escalada da dívida pública, iniciando uma trajetória gradual de queda a partir do patamar de 59% do PIB (Produto Interno Bruto) estimado para o fim deste ano. Imaginou-se que, para isso, será necessário um superávit primário de R$ 53 bilhões.
Esse cálculo parte do pressuposto de que, em 2003, a economia crescerá 3%, os juros reais (acima da inflação) ficarão em 9% e o dólar não passará de R$ 3,08. Qualquer número pior implicará a necessidade de superávits maiores.
Uma inflação acima dos 4% esperados, no entanto, elevaria o valor em reais do PIB e da arrecadação do governo, tornando mais fácil manter a dívida na proporção desejada. O acordo com o FMI tolera uma inflação de até 7,5% no período de 12 meses que termina em setembro de 2003.
São muitos, porém, os riscos envolvidos na idéia de conceder maior tolerância à inflação. O maior deles é abalar a credibilidade do novo governo e levar o mercado a apostar em taxas ainda maiores. Esse cenário levaria a novas altas do dólar, que puxariam novos aumentos de preços -e estaria recriada a espiral inflacionária que parou o país nos tempos pré-real.
Para o mercado, que ainda mantém a expectativa de recuo do dólar após as eleições, a providência mais aconselhável seria mesmo o novo presidente se comprometer de imediato com o equilíbrio fiscal.
"Os primeiros sinais serão decisivos", diz Octavio de Barros, economista-chefe do BBV, cujos estudos concluem que o superávit previsto no acordo com o Fundo provavelmente bastará para estabilizar a dívida pública.
Ainda assim, ele defende que o novo governo tome a iniciativa de anunciar uma meta maior, de 4% do PIB, por exemplo. "Seria sábio", argumenta, por dar um sinal claro de austeridade que acalmaria os investidores.
O economista do BNDES Fabio Giambiagi, especialista em contas públicas, acredita que essa cifra possa ser obtida sem necessidade de sacrifício adicional por parte do governo federal.
Ele estima que para isso seria suficiente a repetição do desempenho de 2001 de Estados e municípios -um superávit de 1,2% do PIB mesmo com a economia estagnada.
Já resultados mais ambiciosos, segundo Giambiagi, dependeriam da força política do novo presidente nas negociações com o Congresso e os governadores.
Fábio Akira, do JP Morgan, avalia que a permanência do dólar alto neste ano alteraria os parâmetros do acordo com o FMI.
Por esse raciocínio, se o dólar terminasse 2002 em, por exemplo, R$ 3,50, a dívida pública chegaria a 62% do PIB -e esse seria o novo teto a ser observado a partir de 2003.
Nesse caso, seria improvável uma nova disparada do dólar a partir do próximo ano, o que tornaria menos dramáticos os ajustes adicionais a serem feitos pelo futuro governo.



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