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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ A HORA DAS CASSAÇÕES
Ex-ministro diz que estratégia eleitoral do PT foi definida em conjunto, mas nega que presidente tivesse conhecimento do caixa dois
Lula também é responsável, afirma Dirceu
Alan Marques/Folha Imagem
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José Dirceu e sua mulher, Maria Rita, em Brasília; ex-ministro dedica as manhãs a articulações políticas e à preparação de sua defesa |
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
"Pode deixar. Vou falar com o
Renan. Vou falar com o Sarney.
Vou ligar já. Acho que dá o Aldo."
José Dirceu desliga o telefone.
Que toca em seguida: "Meu governador!". Sentado no sofá de
seu apartamento na Asa Sul de
Brasília, o ex-ministro passou
parte da manhã de sexta-feira ajudando na articulação para fazer
do ex-ministro da Coordenação
Política Aldo Rebelo (PC do B-SP)
presidente da Câmara.
Dirceu tem acordado cedo. Faz
ginástica, toma café da manhã e
vai para o escritório do apartamento. Lê documentos, prepara
sua defesa, reúne-se quase diariamente com assessores e advogados. À tarde, vai para a Câmara.
Na sexta-feira, interrompeu a
maratona de telefonemas e reuniões para atender a Folha, em
sua primeira entrevista exclusiva
após a explosão do escândalo do
"mensalão". Em alguns momentos, falou como se julgasse sua
cassação inevitável. "Eu vou continuar na luta política e social, não
vou sair." Em outros, fez uma defesa veemente de seus atos. "Eu
tenho convicção de que vou ser
absolvido. Não há provas contra
mim." Dirceu diz que passa pela
situação mais dura de sua vida.
"Espero que eu tenha força para
sobreviver ao momento que estou
vivendo."
O ex-ministro reconhece que
tem uma parcela da culpa pela
atual crise do PT, mas afirma que
não foi o único responsável pela
definição da linha política do partido: "Parece que fui presidente
do PT sete anos sozinho, secretário-geral cinco anos sozinho, né?
O PT não foi construído assim".
Entre os responsáveis pela crise,
ele inclui o próprio presidente,
que participava das discussões
partidárias.
Dirceu deu nota 7,5 ao governo
Lula e nota 5 para Antonio Palocci. Criticou a falta de investimentos em infra-estrutura e na área
social resultantes da prioridade
excessiva concedida ao ajuste fiscal. Reclamou também da linha
política adotada por Lula, que
preferiu alianças com partidos
menores a um acordo estratégico
com o PMDB: "Um acordo com o
PMDB daria estabilidade ao governo. Eu sempre disse ao presidente que o governo não podia
perder a maioria na Câmara e no
Senado. Que perder a maioria seria caminho para CPI e que CPI é
caminho para tentar desestabilizar e inviabilizar o governo". Leia
a seguir os principais trechos da
entrevista com o ex-ministro, que
durou quase quatro horas:
Folha - O senhor declarou recentemente que tem responsabilidade
política sobre a crise do PT e que,
ao contrário de muitos, não foge
dessa responsabilidade. Assume
seus erros. Quem não assume?
José Dirceu - Muita gente. Parece
que eu fui presidente do PT sete
anos sozinho, secretário-geral
cinco anos sozinho, né? O PT não
foi construído assim. Tem dezenas de dirigentes importantes que
hoje são prefeitos, governadores,
ministros, deputados e senadores
que participaram da construção
de toda essa estratégia comigo.
Folha - E o presidente.
Dirceu - E o próprio presidente
da República. É isso o que eu digo.
A responsabilidade é de todos
nós. Nós temos que debater isso,
num congresso do partido, e fazer
o balanço.
Folha - O senhor acha que o presidente da República assume a responsabilidade que tem?
Dirceu - Não quero nominar
ninguém. O que eu não aceito é
prejulgamento, que foi tudo errado, que foi tudo um fracasso, que
a política de alianças do PT estava
errada. Tudo foi aprovado democraticamente. A não ser que eu
aceite a tese de que eu era stalinista, rolo compressor, que controlava o partido, o governo.
Folha - O presidente Lula participou de todas essas discussões?
Dirceu - Participou. Todos participaram. Mas eu quero discutir e
avaliar. Eu não quero julgar ninguém porque eu não quero que
me prejulguem. O que não aceito
é a imagem de que eu fiz tudo sozinho e depois apareceu Silvio Pereira, Delúbio Soares e Marcelo
Sereno, que são o mal. Então corta
esse mal e o PT está salvo. Isso é
maniqueísta. E eu não mereço isso. Pelos anos que dediquei ao PT,
pela luta que eu fiz no PT, o mínimo que eu mereço é respeito.
Folha - Qual é a sua responsabilidade?
Dirceu - Eu tenho responsabilidade política. É lógico que eu tenho. Eu fui presidente do PT.
Agora, eu não tive responsabilidade sobre as decisões da direção
do PT a partir do dia em que saí da
presidência. E isso o [José] Genoino [ex-presidente do PT] diz.
Nem sobre as decisões do Delúbio. Nem o Delúbio me cobra. Ele
assume. Responsabilidade sobre
política de alianças, sobre programa de governo de Lula, é isso que
vão julgar? Então estão julgando o
Lula também. Tem de saber qual é
o julgamento e qual é o grau de
responsabilidade de cada um.
Folha - E qual é o grau de responsabilidade do presidente Lula?
Dirceu - Não pode haver paralelo
entre os dirigentes e o Lula porque ele não era dirigente do PT.
Era presidente da República. Não
participava das decisões do PT.
Folha - Dívidas de campanha do
presidente Lula, de 2002, foram
pagas com dinheiro de caixa 2.
Dirceu - Ele não tinha conhecimento disso, ele não sabia. Ele
não pode ser responsabilizado.
Folha - E a responsabilidade política? As pessoas votam no Lula e
ele não sabe de nada? É difícil acreditar que ele ignorava tudo.
Dirceu - Não é isso. É que ele não
tem responsabilidade. Eu não
posso atribuir responsabilidade a
ele no grau dele. O Lula tem responsabilidade política porque ele
era líder do PT. Mas os graus são
diferentes. Não posso atribuir a
ele responsabilidade sobre o caixa
dois. Aí eu não vou atribuir.
Folha - Ele não tem responsabilidade como liderança?
Dirceu - Isso é uma pergunta que
tem de ser dirigida a ele. Eu não
vou responder por ele.
Folha - Voltando à sua própria
responsabilidade: todos falam que
o senhor mandava no PT, mesmo
estando no governo.
Dirceu - Era humanamente impossível, pelo ritmo de trabalho e
pelo acúmulo de funções que eu
tinha no governo. É só pegar a minha agenda da época. Eu trabalhava 14, 16 horas. Só viajava a trabalho. Eu ia às reuniões da executiva do PT -poucas -convidado, com outros ministros, para
prestar contas de atos do governo.
Folha - Delúbio Soares telefonou
várias vezes para seus números no
Palácio do Planalto.
Dirceu - Meu Deus do céu, o Delúbio ligou uma vez por mês para
mim, gente. Isso é uma coisa ridícula.
Folha - Os telefonemas estão concentrados na época da campanha.
Dirceu - Eu não participava da
vida do PT. Eu falava com o Delúbio uma vez por mês, duas vezes
por mês, no máximo. Falava mais
com o Genoino. Se eu tivesse participado, assumiria. Agora, estão
tentando de novo satanizar o PT.
O PT era o quê? Um bando de lunáticos e de esquerdistas que queriam implantar o comunismo no
Brasil. Uns baderneiros.
Nós construímos um grande
partido, que lutou pela democracia no país, desenvolveu políticas
públicas. O PT fez uso de caixa
dois, de mercantilização de campanhas. Tudo bem: vamos fiscalizar, a Justiça Eleitoral vai tomar as
medidas. Só que virou que o PT é
um partido de corruptos e quadrilheiros. E sem prova nenhuma.
É engraçado: falam que existe
"mensalão", mas não terminou a
CPI do Mensalão nem a dos Correios. E cassaram o Roberto Jefferson porque ele disse que tinha
"mensalão" e não provou. Não se
provou corrupção do governo,
dos ministros, do presidente. Não
se provou a existência de um sistema para levantar recursos para
repassar para A ou B. Nem que
tem "mensalão".
Folha - Está provado que muitas
pessoas da base do governo pegaram dinheiro do caixa dois e do
Marcos Valério.
Dirceu - Os partidos [PL, PP e
PTB] assumiram que receberam
dinheiro. Mas isso não quer dizer
que o governo é corrupto e que o
PT é corrupto.
Folha - As pessoas que votaram
no PT a vida inteira imaginavam
que votavam num partido que tinha práticas diferentes.
Dirceu - Esse é um erro e o PT vai
pagar por ele. Nós vamos ter que
pedir desculpas ao país. Nós assumimos compromissos na campanha eleitoral com partidos e repassamos recursos. Se fossem da
arrecadação oficial do PT, não teria problema nenhum. Como foram recursos de empréstimos tomados num banco e foram repassados fora da prestação de contas,
há uma ilegalidade aí que vai ser
punida pela Justiça.
Folha - Mas fazer aliança baseada
na doação de recursos para um partido, e não de idéias e propostas,
não é a mesma imoralidade?
Dirceu - Não, não, porque na
campanha eleitoral você tem gastos comuns. O PL, por exemplo,
pôs o vice [José Alencar] na campanha [presidencial de Lula] e se
assumiu um compromisso comum de que uma parte da arrecadação da campanha de 2002 seria
destinada ao PL. E na campanha
de 2004 foram firmados acordos
eleitorais em várias cidades, com
o PTB e o PP.
Folha - Mas o acordo com o PTB
foi baseado na doação de R$ 20 milhões, e não em propostas.
Dirceu - Mas daí não se pode
concluir que o PT é um partido
corrupto. E não se pode apagar a
história do PT. Veja o meu caso: é
como se eu não tivesse história.
Eu fui desumanizado, eu não existo mais. Eu sou uma pessoa que
tem 40 anos de vida política, nunca fui acusado de nada.
Folha - Mas o senhor não acha
que é justamente por sua história,
e pela história do PT, que existe a
cobrança de que tivessem sido adotadas outras condutas?
Dirceu - O problema não é a cobrança. O problema é, sem provas, dizer que eu sou o chefe do
maior esquema de corrupção no
país, que eu sou o chefe do "mensalão". Não há prova nenhuma. E
não vai se provar porque não era
verdade. Não havia "mensalão"
para comprar votos. Eram acordos eleitorais. Não havia desvio de
dinheiro público.
Folha - De onde é que vinha todo
esse dinheiro?
Dirceu - O dinheiro veio dos empréstimos feitos [pelo PT e por
Marcos Valério] no Banco Rural.
É que não se quer aceitar essa tese.
Hoje o relator da CPI [Osmar Serraglio] está dizendo que o dinheiro veio do Daniel Dantas e dos
fundos de pensão. Ele não tem
prova nenhuma. Mas ele diz. Isso
é o que virou o Brasil.
Folha - O próprio vice-presidente
José Alencar afirmou não acreditar
que o dinheiro seja originado de
um empréstimo, como o PT alega.
Dirceu - Isso aí o Banco Central
pode responder. Evidentemente
que o vice-presidente ou qualquer
outro cidadão pode suspeitar.
Agora, as CPIs não provaram o
contrário. Não provaram que tem
dinheiro de empresa estatal desviado para o PT ou outros partidos. E nem contratos superfaturados. E nem dinheiro de empresas
privadas. O dinheiro vem dos empréstimos.
Folha - Mas quem pagaria esses
empréstimos?
Dirceu - O PT teria de pagar esses
empréstimos.
Folha - De onde o PT ia tirar esse
dinheiro?
Dirceu - Em tese o PT não tem
como pagar esses empréstimos,
por isso está falando que não assume. Mas na verdade esses recursos foram repassados para o
PT, e por ordem do Delúbio Soares, para pagamentos.
Folha - A crise atual não é uma
conseqüência da política de alianças com esses partidos, e de decisões como a contratação de Duda
Mendonça? Ninguém perguntava,
por exemplo, como é que se pagaria R$ 25 milhões para o Duda?
Dirceu - O erro não foi ter feito
política de alianças e ter contratado o Duda. Foi ter feito caixa dois.
Não havia polêmica por causa dos
custos do Duda, mas sim por causa da orientação, até porque em
2002 tínhamos como pagá-lo oficialmente. Quem era contra o Duda era contra a política de aliança,
contra o programa de governo.
Lula não ia ser presidente, não ia
governar o Brasil nunca.
Eu não creio que a raiz [da crise]
está no programa que construímos e na política de alianças. A
forma como o PT assimilou a
mercantilização das campanhas
foi, sim, um erro. Nós poderíamos ter equilibrado mais a questão do marketing com a mobilização da militância. Já a política de
alianças era necessária. Não é um
erro fazer aliança com o PL. Outra
coisa é discutir qual era a aliança
prioritária.
Folha - E qual era, na sua opinião?
Dirceu - Eu acho que era o
PMDB. Eu perdi isso no governo
várias vezes. Um acordo com o
PMDB daria estabilidade ao governo. Eu sempre disse ao presidente que o governo não podia
perder a maioria na Câmara e no
Senado. Que perder a maioria seria caminho para CPI e que CPI é
caminho para tentar desestabilizar e inviabilizar o governo. O que
a oposição está querendo? Dar
um golpe branco. Não querem investigar os Correios, apurar se
tem corrupção e adotar medidas.
Outro erro que acho que cometemos foi não ter feito a reforma política. E foi um erro nós, que saímos do PT para o governo, termos simplesmente dado as costas
para o PT. Nós deveríamos ter
participado mais. E combinado a
governabilidade institucional
com a social, a mobilização social.
O PT se desmobilizou. Nós não
equilibramos de maneira adequada a governabilidade institucional
com a governabilidade social.
Folha - O senhor teve outras divergências com o presidente Lula?
Dirceu - Eu quis sair do governo
em dois momentos (não saí e
acho que errei): primeiro no caso
Waldomiro [Diniz]. Entreguei o
cargo para o presidente e ele não
aceitou. Tudo bem. Acabou. Depois em março de 2005. Primeiro
porque a oposição transformou a
minha presença num problema
para o governo. Tudo o que eu falava ou fazia se transformava numa crise. Em segundo lugar porque algumas opiniões que eu tinha sobre política econômica e
desenvolvimento do país, e sobre
a política, não predominavam no
governo.
Folha - Qual era a sua discordância?
Dirceu - A minha divergência é
de foco e de prioridade. Eu sou favorável à estabilidade fiscal, monetária e ao combate à inflação.
Mas estou convencido de que poderíamos ter destinado mais recursos para infra-estrutura, para
o social. O ritmo e o peso foi cada
vez maior no ajuste fiscal e monetário e cada vez menor na política
de desenvolvimento.
Folha - Que nota o senhor dá para
o governo?
Dirceu - Eu dou 7,5. O governo
tem grandes avanços, na área da
educação por exemplo.
Folha - E para o Palocci?
Dirceu - Eu dou nota 10.
Folha - Ninguém vai acreditar [risos].
Dirceu - Dou nota dez porque ele
foi capaz de controlar a inflação,
estabilizar o país. E dou nota zero
se for analisar pelo lado da política do desenvolvimento. Então
dou nota 5.
Folha - E para o senhor?
Dirceu - Para mim? Nota zero.
Folha - Por quê?
Dirceu - Na situação em que eu
estou, né?
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