São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ A HORA DAS CASSAÇÕES

Dirceu afirma que teve "solidariedades surpreendentes" e "decepções inomináveis" e que não tem medo de recomeçar tudo aos 59

"É o momento mais difícil da minha vida"

DA COLUNISTA DA FOLHA

Leia, a seguir, a continuação da entrevista do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu à Folha. Nesta parte, o deputado fala sobre a possibilidade de ser cassado e diz não ter medo de recomeçar aos 59 anos: "Fiquei dez anos na clandestinidade, fui banido do país, minha nacionalidade foi cassada. Recomecei quatro vezes". (MB)
 

Folha - O presidente disse recentemente num discurso que se sentia "traído". Ele falava do senhor?
José Dirceu -
Isso ele que tem de responder.

Folha - Mas o que o senhor achou?
Dirceu -
Não visto carapuça. Não traí ninguém. Não fiz nada que possa ter desonrado o mandato dele, nem no PT nem no governo. Se tivesse vestido [a carapuça], teria respondido. Não perdi um minuto de sono por causa desse discurso. Aliás, durmo muito bem.

Folha - O senhor e ele têm se falado?
Dirceu -
Eu falo o necessário até porque eu não quero que o governo ou o Lula me defendam. Eu me defendo sozinho.

Folha - O senhor teve alguma decepção com alguém nesse episódio todo?
Dirceu -
Já passei por tanta coisa que não me surpreendo com nada em relação à natureza humana. Tenho tido solidariedades surpreendentes e decepções inomináveis. Pessoas que têm um papel comigo entre a sordidez e a covardia. Mas já vi coisa pior. Então relevo e vou para a frente. Por isso estou bem de saúde, apesar de estar vivendo o momento mais duro, talvez o mais difícil da minha vida. Não poderia acontecer coisa pior para mim. Porque eu investi toda a minha vida nisso.

Folha - O senhor é uma personalidade intrigante. A gente ouve tudo do senhor, das melhores às piores coisas. O fato de ter vivido com sua primeira mulher, Clara, por quatro anos, sem revelar a identidade... Como o senhor conseguiu?
Dirceu -
Era necessário.

Folha - O senhor não tinha culpa?
Dirceu -
Claro que tinha. Mas se não fizesse isso, corria risco de vida. Fiquei dez anos sem ter contato com minha família. Mas é assim. Os tempos exigem comportamentos na guerra, na fome, na adversidade.

Folha - O senhor se sentiu arrependido?
Dirceu -
Arrependido? Nada. Pode perguntar para ela se está arrependida. Ela vai dizer que não está também não. [silêncio] Fiz o que precisava fazer. Lógico que preferia não ter precisado. É sempre uma violência contra... Não sei que cicatrizes tenho de tudo o que me aconteceu na vida. Uma hora vai aparecer tudo isso, evidentemente. Espero que tenha força, hoje, para sobreviver ao momento que estou vivendo, que é o mais duro da minha vida. De uma hora para a outra ser acusado de corrupto, chefe do "mensalão", quadrilha, tendo a vida que tive, me sustentando desde os 14 anos, e agora passar por isso, não é fácil.

Folha - O senhor diz não haver provas contra o senhor. Agora, existem circunstâncias que merecem ser aprofundadas. Por exemplo, a questão da sua ex-mulher, Ângela Saragoça. Ela tinha um problema financeiro. O Marcos Valério vai lá, consegue emprego para ela num banco, BMG, consegue empréstimo em outro, o Rural; o sócio dele, Marcos Valério, compra um apartamento antigo para ajudá-la a comprar um novo.
Dirceu -
Foi tudo legal. Eles assumiram. Nenhum deles falou que pedi nada, que tive participação, porque não tive nem pedi. Jamais soube que [Rogério] Tolentino [sócio de Valério] comprou o apartamento dela. Para mim quem tinha comprado era o Ivan Guimarães [ex-presidente do Banco Popular]. Jamais soube que ela tinha feito empréstimo no Banco Rural. Sabia que ela trabalhava no BMG. Ela trabalha, não tem nada de irregular e paga juros de mercado pelo empréstimo.

Folha - Mas não é indevido?
Dirceu -
Eu não participei. Eu não sabia que Marcos Valério ajudou. O Marcos Valério não tinha relação comigo. Ele diz isso. E é verdade. Se tivesse, eu falava que tinha. Nunca neguei que recebi o BMG, o Rural, o banco Espírito Santo. Neguei que tinha participado de reunião com a Portugal Telecom [Roberto Jefferson acusou Dirceu de participar de um esquema de financiamento para o PTB que envolvia a tele portuguesa]. O Roberto Jefferson fala qualquer coisa, gente. Eu nunca discuti com Roberto Jefferson sobre Portugal Telecom. Nem sobre Furnas [Jefferson disse que existia um esquema na estatal para distribuição de recursos para vários partidos, e que conversara sobre isso com Dirceu]. Você acha que o Roberto Jefferson chegou para mim e falou: José Dirceu, acabei de conversar com o Dimas Toledo [ex-diretor de Furnas] e acabei de acertar com ele R$ 4 milhões. Gente! Quando dei esse direito para o Roberto Jefferson? Ele nunca me chamou de José Dirceu, de Zé. Sempre me chamou de ministro. Isso é conversa. Na minha frente, no Conselho de Ética, ele tremeu. Amarelou.

Folha - O senhor diz que não houve mensalão, mas está provado que pessoas da base receberam dinheiro do esquema de Valério.
Dirceu -
"Mensalão", esquema de nomeação em estatais para levantar recursos, essas duas acusações não têm provas e não são verdadeiras. As outras questões, Ângela Saragoça, Furnas, estão todos correndo atrás de uma prova para justificar minha cassação. É uma coisa escandalosa, acintosa. Querem me cassar porque eu sou eu, porque fui presidente do PT, porque o Lula foi eleito. Não pode. Tem de ter cometido quebra de decoro. E mais: eu não era deputado, estava licenciado, era ministro. Não posso ser cassado por quebra de decoro. Fiquei 30 meses no governo e não tive um processo de ação popular. Minhas contas foram aprovadas com louvor pelo Tribunal de Contas. Sou homem público há 40 anos e agora, de um dia para o outro, virei bandido, virei chefe de quadrilha porque o Roberto Jefferson disse.

Folha - O senhor não tem medo de ser cassado? O senhor tem 59 anos e só poderá voltar à vida pública quase aos 70.
Dirceu -
Eu fiquei dez anos na clandestinidade, fui banido do país, minha nacionalidade foi cassada. Recomecei quatro vezes.

Folha - Mas o senhor era jovem.
Dirceu -
Que é isso! Estou jovem, me sinto forte.


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