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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ A HORA DAS CASSAÇÕES
Dirceu afirma que teve "solidariedades surpreendentes" e "decepções inomináveis" e que não tem medo de recomeçar tudo aos 59
"É o momento mais difícil da minha vida"
DA COLUNISTA DA FOLHA
Leia, a seguir, a continuação da
entrevista do ex-ministro da Casa
Civil José Dirceu à Folha. Nesta
parte, o deputado fala sobre a possibilidade de ser cassado e diz não
ter medo de recomeçar aos 59
anos: "Fiquei dez anos na clandestinidade, fui banido do país,
minha nacionalidade foi cassada.
Recomecei quatro vezes".
(MB)
Folha - O presidente disse recentemente num discurso que se sentia "traído". Ele falava do senhor?
José Dirceu - Isso ele que tem de
responder.
Folha - Mas o que o senhor achou?
Dirceu - Não visto carapuça. Não
traí ninguém. Não fiz nada que
possa ter desonrado o mandato
dele, nem no PT nem no governo.
Se tivesse vestido [a carapuça], teria respondido. Não perdi um minuto de sono por causa desse discurso. Aliás, durmo muito bem.
Folha - O senhor e ele têm se falado?
Dirceu - Eu falo o necessário até
porque eu não quero que o governo ou o Lula me defendam. Eu me
defendo sozinho.
Folha - O senhor teve alguma decepção com alguém nesse episódio
todo?
Dirceu - Já passei por tanta coisa
que não me surpreendo com nada em relação à natureza humana.
Tenho tido solidariedades surpreendentes e decepções inomináveis. Pessoas que têm um papel
comigo entre a sordidez e a covardia. Mas já vi coisa pior. Então relevo e vou para a frente. Por isso
estou bem de saúde, apesar de estar vivendo o momento mais duro, talvez o mais difícil da minha
vida. Não poderia acontecer coisa
pior para mim. Porque eu investi
toda a minha vida nisso.
Folha - O senhor é uma personalidade intrigante. A gente ouve tudo
do senhor, das melhores às piores
coisas. O fato de ter vivido com sua
primeira mulher, Clara, por quatro
anos, sem revelar a identidade...
Como o senhor conseguiu?
Dirceu - Era necessário.
Folha - O senhor não tinha culpa?
Dirceu - Claro que tinha. Mas se
não fizesse isso, corria risco de vida. Fiquei dez anos sem ter contato com minha família. Mas é assim. Os tempos exigem comportamentos na guerra, na fome, na
adversidade.
Folha - O senhor se sentiu arrependido?
Dirceu - Arrependido? Nada. Pode perguntar para ela se está arrependida. Ela vai dizer que não está
também não. [silêncio] Fiz o que
precisava fazer. Lógico que preferia não ter precisado. É sempre
uma violência contra... Não sei
que cicatrizes tenho de tudo o que
me aconteceu na vida. Uma hora
vai aparecer tudo isso, evidentemente. Espero que tenha força,
hoje, para sobreviver ao momento que estou vivendo, que é o mais
duro da minha vida. De uma hora
para a outra ser acusado de corrupto, chefe do "mensalão", quadrilha, tendo a vida que tive, me
sustentando desde os 14 anos, e
agora passar por isso, não é fácil.
Folha - O senhor diz não haver
provas contra o senhor. Agora,
existem circunstâncias que merecem ser aprofundadas. Por exemplo, a questão da sua ex-mulher,
Ângela Saragoça. Ela tinha um problema financeiro. O Marcos Valério
vai lá, consegue emprego para ela
num banco, BMG, consegue empréstimo em outro, o Rural; o sócio
dele, Marcos Valério, compra um
apartamento antigo para ajudá-la
a comprar um novo.
Dirceu - Foi tudo legal. Eles assumiram. Nenhum deles falou que
pedi nada, que tive participação,
porque não tive nem pedi. Jamais
soube que [Rogério] Tolentino
[sócio de Valério] comprou o
apartamento dela. Para mim
quem tinha comprado era o Ivan
Guimarães [ex-presidente do
Banco Popular]. Jamais soube
que ela tinha feito empréstimo no
Banco Rural. Sabia que ela trabalhava no BMG. Ela trabalha, não
tem nada de irregular e paga juros
de mercado pelo empréstimo.
Folha - Mas não é indevido?
Dirceu - Eu não participei. Eu
não sabia que Marcos Valério ajudou. O Marcos Valério não tinha
relação comigo. Ele diz isso. E é
verdade. Se tivesse, eu falava que
tinha. Nunca neguei que recebi o
BMG, o Rural, o banco Espírito
Santo. Neguei que tinha participado de reunião com a Portugal
Telecom [Roberto Jefferson acusou Dirceu de participar de um
esquema de financiamento para o
PTB que envolvia a tele portuguesa]. O Roberto Jefferson fala qualquer coisa, gente. Eu nunca discuti com Roberto Jefferson sobre
Portugal Telecom. Nem sobre
Furnas [Jefferson disse que existia
um esquema na estatal para distribuição de recursos para vários
partidos, e que conversara sobre
isso com Dirceu]. Você acha que o
Roberto Jefferson chegou para
mim e falou: José Dirceu, acabei
de conversar com o Dimas Toledo
[ex-diretor de Furnas] e acabei de
acertar com ele R$ 4 milhões.
Gente! Quando dei esse direito
para o Roberto Jefferson? Ele
nunca me chamou de José Dirceu,
de Zé. Sempre me chamou de ministro. Isso é conversa. Na minha
frente, no Conselho de Ética, ele
tremeu. Amarelou.
Folha - O senhor diz que não houve mensalão, mas está provado
que pessoas da base receberam dinheiro do esquema de Valério.
Dirceu - "Mensalão", esquema
de nomeação em estatais para levantar recursos, essas duas acusações não têm provas e não são
verdadeiras. As outras questões,
Ângela Saragoça, Furnas, estão
todos correndo atrás de uma prova para justificar minha cassação.
É uma coisa escandalosa, acintosa. Querem me cassar porque eu
sou eu, porque fui presidente do
PT, porque o Lula foi eleito. Não
pode. Tem de ter cometido quebra de decoro. E mais: eu não era
deputado, estava licenciado, era
ministro. Não posso ser cassado
por quebra de decoro. Fiquei 30
meses no governo e não tive um
processo de ação popular. Minhas
contas foram aprovadas com louvor pelo Tribunal de Contas. Sou
homem público há 40 anos e agora, de um dia para o outro, virei
bandido, virei chefe de quadrilha
porque o Roberto Jefferson disse.
Folha - O senhor não tem medo
de ser cassado? O senhor tem 59
anos e só poderá voltar à vida pública quase aos 70.
Dirceu - Eu fiquei dez anos na
clandestinidade, fui banido do
país, minha nacionalidade foi cassada. Recomecei quatro vezes.
Folha - Mas o senhor era jovem.
Dirceu - Que é isso! Estou jovem,
me sinto forte.
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