São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2008

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Esquerda "confessa" não ter rumo, diz filósofo

Paulo Arantes pergunta por que um governo que não enfrentou nenhum interesse confronta militares

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em debate sobre a ditadura militar e a responsabilização de integrantes das Forças Armadas por atos de tortura e morte durante o regime pós-64, o professor de filosofia Paulo Arantes disse anteontem na USP (Universidade de São Paulo) que a esquerda, ao fazer política procurando "reparar abominações do passado", faz "uma confissão tácita de que não temos futuro".
O engajamento da esquerda e de integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nos debates sobre a Lei de Anistia, foi apresentado por ele como um sintoma da ausência atual de um horizonte de transformação radical da sociedade.
Arantes participava da mesa de debates "Do uso da violência contra o Estado ilegal", ao lado do também professor de filosofia da USP Vladimir Safatle. O evento fazia parte do seminário "O que resta da ditadura: a exceção brasileira", que termina hoje.
"É uma confissão de que o futuro passou para o segundo plano. De que ele só virá depois desse rodeio pelo passado. É uma confissão tácita de que o horizonte de transformação foi posto de quarentena", afirmou.
Arantes deixou claro, no entanto, que obviamente os ativistas pelos direitos humanos são aliados da esquerda, e de que a "plataforma dos direitos humanos é necessária e, no momento, a única disponível".
Durante audiência no Ministério da Justiça, no início do mês passado, os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) defenderam a responsabilização criminal de agentes públicos que, durante a ditadura militar (1964-1985), participaram de atos de tortura.
O Comando do Exército afirmou em seguida que a discussão sobre esse tema foi concluída em 1979, com a publicação da Lei de Anistia. Para a Força, o debate sobre punir esses agentes públicos está esgotado.

"Projeto nazista"
O diagnóstico de Arantes era, em parte, uma resposta a uma pergunta feita por ele no início de sua palestra.
Como explicar que "um governo que não enfrentou nenhum interesse estabelecido", segundo ele, viesse "da noite para o dia" confrontar o poder militar? "Qual é o sentido disso? Fica a pergunta, de boa-fé: qual é a perspectiva política? Há alguma mobilização social em relação a isso? Não temos resposta, embora a causa seja justa", disse.
Em sua participação, Vladimir Safatle disse que as ditaduras sul-americanas realizaram o "projeto nazista" ao tentarem eliminar seus adversários não só fisicamente mas também simbolicamente. "Algo de fundamental do projeto nazista alcançou sua realização plena na América do Sul", declarou.
Ele citou como exemplo o "seqüestro de crianças filhas de desaparecidos", na Argentina. "Não são só os corpos que desaparecem. Não haverá portadores de seu sofrimento. Ninguém se lembrará", disse, descrevendo o "projeto" de que falava. O país vizinho, no entanto, foi capaz, posteriormente, de julgar os responsáveis por esses crimes. Lá, ele disse, "a Justiça não teve medo de julgar". "O único país que realizou de maneira perfeita essa profecia foi o Brasil", afirmou.


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