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Esquerda "confessa" não ter rumo, diz filósofo
Paulo Arantes pergunta por que um governo que não enfrentou nenhum interesse confronta militares
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em debate sobre a ditadura
militar e a responsabilização de
integrantes das Forças Armadas por atos de tortura e morte
durante o regime pós-64, o professor de filosofia Paulo Arantes disse anteontem na USP
(Universidade de São Paulo)
que a esquerda, ao fazer política procurando "reparar abominações do passado", faz "uma
confissão tácita de que não temos futuro".
O engajamento da esquerda e
de integrantes do governo do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, nos debates sobre a Lei de
Anistia, foi apresentado por ele
como um sintoma da ausência
atual de um horizonte de transformação radical da sociedade.
Arantes participava da mesa
de debates "Do uso da violência
contra o Estado ilegal", ao lado
do também professor de filosofia da USP Vladimir Safatle. O
evento fazia parte do seminário
"O que resta da ditadura: a exceção brasileira", que termina
hoje.
"É uma confissão de que o futuro passou para o segundo plano. De que ele só virá depois
desse rodeio pelo passado. É
uma confissão tácita de que o
horizonte de transformação foi
posto de quarentena", afirmou.
Arantes deixou claro, no entanto, que obviamente os ativistas pelos direitos humanos
são aliados da esquerda, e de
que a "plataforma dos direitos
humanos é necessária e, no momento, a única disponível".
Durante audiência no Ministério da Justiça, no início do
mês passado, os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) defenderam a responsabilização
criminal de agentes públicos
que, durante a ditadura militar
(1964-1985), participaram de
atos de tortura.
O Comando do Exército afirmou em seguida que a discussão sobre esse tema foi concluída em 1979, com a publicação
da Lei de Anistia. Para a Força,
o debate sobre punir esses
agentes públicos está esgotado.
"Projeto nazista"
O diagnóstico de Arantes era,
em parte, uma resposta a uma
pergunta feita por ele no início
de sua palestra.
Como explicar que "um governo que não enfrentou nenhum interesse estabelecido",
segundo ele, viesse "da noite
para o dia" confrontar o poder
militar? "Qual é o sentido disso? Fica a pergunta, de boa-fé:
qual é a perspectiva política?
Há alguma mobilização social
em relação a isso? Não temos
resposta, embora a causa seja
justa", disse.
Em sua participação, Vladimir Safatle disse que as ditaduras sul-americanas realizaram
o "projeto nazista" ao tentarem
eliminar seus adversários não
só fisicamente mas também
simbolicamente. "Algo de fundamental do projeto nazista alcançou sua realização plena na
América do Sul", declarou.
Ele citou como exemplo o
"seqüestro de crianças filhas de
desaparecidos", na Argentina.
"Não são só os corpos que desaparecem. Não haverá portadores de seu sofrimento. Ninguém se lembrará", disse, descrevendo o "projeto" de que falava. O país vizinho, no entanto,
foi capaz, posteriormente, de
julgar os responsáveis por esses
crimes. Lá, ele disse, "a Justiça
não teve medo de julgar". "O
único país que realizou de maneira perfeita essa profecia foi o
Brasil", afirmou.
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