São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2004

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ACORDO NUCLEAR

Ministro afirma que acordo com AIEA foi fechado; agência, porém, diz que avaliação ainda não foi concluída

Brasil anuncia aval para enriquecer urânio

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com o aval da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), começará a funcionar em dezembro a primeira fábrica de enriquecimento de urânio no Brasil, localizada em Resende (RJ). O resultado da vistoria da agência foi anunciado ontem pelo ministro Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia) como o cumprimento de uma etapa importante do Programa Nuclear Brasileiro.
No entanto a AIEA foi menos conclusiva. Por meio de seu porta-voz Mark Gwozdecky, disse que o acordo ainda não foi finalizado. "A AIEA ainda está em processo de completar a avaliação", segundo a Associated Press .
A agência autorizou, segundo o governo brasileiro, o funcionamento do primeiro módulo da fábrica das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) sem que seus técnicos pudessem ver as centrífugas, cujos formato e disposição são tidos como segredo tecnológico.
Os limites da inspeção -restrita a válvulas e tubulações da fábrica- foram negociados durante meses com a AIEA e deram margem a especulações na imprensa internacional sobre o uso da energia nuclear para fins não pacíficos no Brasil. "O mundo nunca teve essa dúvida, em nenhum momento o Brasil foi questionado por outro membro da agência ou país vizinho", disse Campos.
Com o licenciamento internacional aprovado, a fase de testes da fábrica de Resende deve começar em três semanas, de acordo com nota conjunta divulgada pelos Ministérios das Relações Exteriores e da Ciência e Tecnologia. Essa fase dura até oito meses.
Provavelmente a partir de agosto do ano que vem, o país começará a enriquecer uma primeira parte (menos de 15%) do urânio usado como combustível nas duas usinas nucleares em funcionamento no país -Angra 1 e Angra 2, também localizadas no Rio de Janeiro.
Atualmente, o urânio bruto, extraído na Bahia, é purificado e enviado, de forma concentrada (chamado "yellow cake"), para enriquecimento no exterior (Alemanha, Holanda e Inglaterra), antes de ser transformado nas pastilhas que abastecem as usinas.
A meta do governo é enriquecer 60% do urânio consumido pelas usinas até o final do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso representaria uma economia de US$ 11 milhões por ano- custo do enriquecimento feito no exterior. Mas o cumprimento da meta depende ainda da construção de mais três dos quatro módulos da fábrica de Resende.
As usinas de Angra 1 e Angra 2 são responsáveis pela produção de cerca de 4,5% da energia consumida no Brasil. A construção do primeiro módulo da fábrica de Resende consumiu R$ 250 milhões em investimentos públicos. O dinheiro para concluir a fábrica ainda não está garantido. Nem há compromisso oficial de poupar o projeto do aperto fiscal nos dois últimos anos de mandato do presidente Lula.
A médio prazo, até 2010, o Brasil pretende enriquecer todo o urânio usado pelas usinas no Brasil. Mas, segundo insistiu Eduardo Campos, não há planos de exportação de urânio bruto nem de urânio enriquecido depois que o país alcançar a auto-suficiência no enriquecimento.
Na agenda nuclear do governo, está prevista para dezembro a decisão sobre a retomada das obras de Angra 3. O resultado do trabalho de um grupo interministerial coordenado pela ministra Dilma Roussef (Minas e Energia) será encaminhado nas próximas semanas ao presidente Lula. Ontem, Campos evitou o tema, considerado polêmico na Esplanada.

Segredo
A decisão da AIEA, comunicada formalmente ao governo anteontem e antecipada a Lula na segunda-feira, foi interpretada como uma vitória dos brasileiros -ontem, porém, a agência não confirmou a finalização do acordo. A agência, da qual o Brasil é sócio e um dos fundadores, pleiteou acesso irrestrito às instalações de Resende. O governo negou.
"Aquela tecnologia não será de forma nenhuma devassada", insistia Eduardo Campos às vésperas da chegada dos técnicos ao Brasil, em meados de outubro, defendendo um meio-termo entre as intenções iniciais da AIEA e do governo. "Foi em torno dessa proposta intermediária que se construiu o entendimento, não se fez necessária a visualização do corpo da centrífuga", contou ontem o ministro.
Críticos da postura brasileira alegam que o segredo pode ter mais a ver com a tentativa de esconder alguma pirataria na construção do equipamento, talvez oriunda do mercado negro nuclear que era comandado a partir do Paquistão. O governo nega.
Os técnicos voltaram na semana passada antes de uma palavra final da agência. "A visita foi considerada plenamente bem-sucedida por ambas as partes e a ata do evento, de circulação restrita, cita que todos os procedimentos estabelecidos para a visita de verificação foram cumpridos, não tendo sido deixado nada por fazer", relata a nota divulgada ontem pelo governo.
O principal argumento para preservar a tecnologia de enriquecimento de urânio desenvolvida pela Marinha é o reduzido consumo de energia no processo, calculado em 25 vezes menor do que as centrífugas desenvolvidas pelos norte-americanos.


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