São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2006

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Mídia contra Lula perdeu eleição, diz Garcia

Presidente do PT afirma ficar "espantado" ao ver publicidade oficial em veículos de comunicação críticos ao governo

Para petista, que faz críticas ao Banco Central, o partido e seus aliados vão precisar de muito mais do que oito anos para mudar o país


FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia, 65, diz que o partido e seus aliados vão precisar de muito mais do que os oito anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva para mudar profundamente o país.
Ecoando o ex-ministro Sergio Motta (morto em 1997), que queria 20 anos para o PSDB no governo federal, Garcia afirma à Folha ser necessário ficar uma geração no poder.
"Uma mudança não se faz em oito anos, ou quatro. País com um passivo social como o nosso precisa de uma geração para encontrar a embocadura do ciclo prolongado de crescimento", afirma o petista.
Com a presença de Lula, o PT reúne hoje e amanhã, em São Paulo, seu diretório nacional, para debater os próximos quatro anos.
Apesar de aceitar a maior presença do PMDB e outros aliados no governo federal, Garcia avisa: é contra a chamada "porteira fechada" -já prometida pelo ministro Tarso Genro (Relações Institucionais)-, pela qual o partido que recebe uma pasta faz todas as indicações dela. A "infiltração" petista em feudos de outros partidos é o que mais incomoda aliados e esteve na origem da crise do mensalão.
Na linha de frente da crítica à mídia, Garcia diz que ela foi derrotada e admite "espanto" ao ver publicidade oficial em veículos críticos ao governo.
"Confesso que fico espantado quando vejo revistas, que se transformaram em órgãos de difamação política, entupidos de propaganda oficial."
O petista critica ainda o Banco Central pelos juros e chega a admitir estudar mudanças nas regras da Previdência, mas em seguida recua. "Não admito."
Sobre os escândalos de petistas, afirma: "O PT não recruta seus quadros em mosteiros". Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - O PT aceita o crescimento do PMDB no governo?
MARCO AURÉLIO GARCIA -
Acho positivo se o PMDB puder ter participação não mais setorial, tangencial, mas participação mais ampla. Mas vou recusar a discussão quantitativa. Acho isso secundário.

FOLHA - Será que o PMDB também acha?
GARCIA -
Basicamente vai ter que se colocar qual a adesão ao governo, quais são os quadros, até porque não é uma participação qualquer. Seja quem for, PMDB, PSB, PT, tem que ser qualificada.

FOLHA - Lula então pode recusar nomes levados pelo PMDB?
GARCIA -
O presidente sempre tem esse poder.

FOLHA - A partilha de cargos foi um dos grandes problemas do mandato. Há uma reivindicação antiga dos partidos de que haja "porteira fechada" nos ministérios. Isso vai acontecer?
GARCIA -
Minha opinião é que pode ocorrer, mas não deve ser um critério, ainda que o ministro tenha incidência muito grande na escolha. Ocorre com freqüência ter pessoas com muita qualificação, que podem ocupar um cargo de destaque num ministério, autarquia.

FOLHA - Mas esse é o DNA do escândalo do mensalão. Começou como disputa pelo fatiamento dos Correios. Não é receita para mais problemas no futuro?
GARCIA -
No caso dos Correios, as coisas entornaram porque vários nomes que tinham sido propostos não foram aceitos, não eram pessoas consideradas com idoneidade. Foi uma das razões pelas quais a fúria de um determinado personagem [o ex-deputado Roberto Jefferson] se desencadeou.

FOLHA - Por que o sr. briga tanto com a imprensa?
GARCIA -
A imprensa é que tem brigado comigo. Sempre que eu dou uma opinião que não corresponde à pergunta, que muitas vezes é uma tese, as pessoas caracterizam minha opinião como "visivelmente irritado".

FOLHA - Mas quando o sr. disse "cuidem de suas redações que nós cuidamos do PT", o sr. estava irritado?
GARCIA -
Não me lembro estritamente do contexto, mas naquele momento havia uma cobrança sobre determinados aspectos da vida interna do PT, que eu achava que podiam se aplicar à vida interna das redações. Foi um comentário lateral, que, se for o caso, eu retiro. Agora, quem ficou muito irritada foi a imprensa quando eu disse que ela deveria fazer uma reflexão.

FOLHA - O que é "democratizar a mídia"? O sr. pode traduzir?
GARCIA -
É ter uma imprensa menos monocórdia. Eu acho que alguns problemas vão se resolver da forma que a imprensa acha que se resolve, através do mercado. Uma parte da imprensa hoje perdeu enormemente a credibilidade. Ela se posicionou fortemente contra a candidatura Lula e foi derrotada nessa eleição. Se você ouvir determinadas rádios, vê três ou quatro comentaristas que se seguem, batendo sempre na mesma tecla. Me diga algum comentarista, ao não ser um ex do seu jornal, o [Luís] Nassif, que hoje tenha uma posição diferente. O Vinicius [Torres Freire, colunista da Folha], talvez. Nem sempre ele está nessa linha, o Vinicius é uma pessoa mais independente. Mas a imensa maioria dos comentaristas de economia vem da mesma malta.

FOLHA - É deixar para a mão invisível do mercado então?
GARCIA -
Não é só isso. A única mão invisível que funciona no Brasil é a do batedor de carteiras [risos].

FOLHA - Deve haver mudança no critério para distribuição de verbas oficiais de publicidade?
GARCIA -
Deve haver um critério amplo. Confesso que fico espantado quando vejo revistas, que se transformaram em órgãos de difamação política, entupidos de propaganda oficial. As revistas deveriam refletir sobre isso.

FOLHA - O governo também?
GARCIA -
Acho que sim.

FOLHA - Por que o Brasil cresceu tão pouco no governo Lula?
GARCIA -
Tivemos que cumprir um roteiro de política macroeconômica que dificultava muito o ritmo de crescimento maior. Algumas correções poderiam ter sido feitas anteriormente, e nos teriam permitido crescimento mais expressivo.

FOLHA - O BC errou na dose?
GARCIA -
Eu acho que um pouco, um pouco. Mas no fundamental a política econômica foi a que deveria ter sido adotada. Eu teria reparos no que diz respeito à dose.

FOLHA - Henrique Meirelles tem condições de ficar?
GARCIA -
Não vou opinar, porque a minha opinião pode derrubar até Wall Street. Ou até gerar euforia. Vou poupar o capitalismo disso.

FOLHA - Como crescer 5% sem cortar gastos?
GARCIA -
Se você disser onde tem que cortar eu opino. Os que tenho ouvido pesam sobre o andar de baixo.

FOLHA - Uma reforma da Previdência também?
GARCIA -
Evidentemente. Se você examinar os débitos [das empresas] com a Previdência, é mais do que o déficit. Por que vamos mudar a idade mínima se tem gente fraudando a Previdência, sonegando? Se essas coisas não derem certo, vamos estudar outras medidas. Não vamos mexer nas regras enquanto não fizermos isso.

FOLHA - Esgotadas as medidas administrativas, pode haver mexida nas regras?
GARCIA -
Se eu lhe disser isso, amanhã a Folha (...)

FOLHA - O sr. acabou de dizer.
GARCIA -
(...) vai dizer: presidente do PT admite reforma. Não admito.

FOLHA - Estourou mais um escândalo petista [a prisão do deputado eleito Juvenil Alves, de MG]. Sempre que isso acontece vocês dizem que é um caso isolado. Deve ser o décimo "caso isolado" no último ano. Não é um problema sistêmico do partido?
GARCIA -
Com todos os partidos. O PT não está recrutando seus quadros em mosteiros nem conventos. O problema da ética não está no fato de ocorrerem situações como essas, mas no fato de que elas sejam detectadas e que haja punição.

FOLHA - Em 2010 o PT vai ter que encontrar um novo candidato a presidente. Como superar a "Luladependência"?
GARCIA -
Não estou pensando nisso ainda. Terei grande empenho em que o PT tenha o seu candidato. Mas se não tiver, pode se associar a outra candidatura.

FOLHA - Durante a campanha se falou que quatro anos não eram suficientes para o PT mudar o país. Quanto é preciso?
GARCIA -
Uma mudança não se faz em oito anos, ou quatro. País com um passivo social como o nosso precisa de uma geração para encontrar a embocadura do ciclo prolongado de crescimento.

FOLHA - O sr. está repetindo o [ex-ministro das Comunicações] Sergio Motta, que queria o PSDB 20 anos no poder?
GARCIA -
Não estou dizendo que o PT deva ficar [no poder]. Estou dizendo que precisamos do movimento de uma geração para transformar o país, e gostaria que o PT tivesse papel protagônico. Quem decide é a sociedade.

FOLHA - O que o PT vai pedir ao Lula hoje na reunião do diretório nacional?
GARCIA -
O PT vai ouvir o Lula e vai dizer que está disposto a construir uma relação melhor com o governo. Isso vai se dar em duas dimensões. Nós temos uma responsabilidade de mobilizar os movimentos sociais para dar uma sustentação maior ao governo. Em segundo lugar, o partido tem a obrigação de fazer chegar ao governo sua opinião sobre os mais variados temas. Nas duas coisas fomos um pouco omissos no primeiro mandato.

FOLHA - O PT vai ter que pôr dinheiro do partido para fechar as contas de Lula? O presidente tem que entregar a prestação de contas na próxima semana...
GARCIA -
Acho que a gente vai conseguir resolver, não sei se consegue resolver tudo imediatamente, mas acho que vai conseguir. O PT interaria se houver problema.


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