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Mídia contra Lula perdeu eleição, diz Garcia
Presidente do PT afirma ficar "espantado" ao ver publicidade oficial em veículos de comunicação críticos ao governo
Para petista, que faz críticas ao Banco Central, o partido
e seus aliados vão precisar
de muito mais do que oito anos para mudar o país
FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Presidente interino do PT,
Marco Aurélio Garcia, 65, diz
que o partido e seus aliados vão
precisar de muito mais do que
os oito anos de mandato de
Luiz Inácio Lula da Silva para
mudar profundamente o país.
Ecoando o ex-ministro Sergio
Motta (morto em 1997), que
queria 20 anos para o PSDB no
governo federal, Garcia afirma
à Folha ser necessário ficar
uma geração no poder.
"Uma mudança não se faz
em oito anos, ou quatro. País
com um passivo social como o
nosso precisa de uma geração
para encontrar a embocadura
do ciclo prolongado de crescimento", afirma o petista.
Com a presença de Lula, o
PT reúne hoje e amanhã, em
São Paulo, seu diretório nacional, para debater os próximos
quatro anos.
Apesar de aceitar a maior
presença do PMDB e outros
aliados no governo federal,
Garcia avisa: é contra a chamada "porteira fechada" -já prometida pelo ministro Tarso
Genro (Relações Institucionais)-, pela qual o partido que
recebe uma pasta faz todas as
indicações dela. A "infiltração"
petista em feudos de outros
partidos é o que mais incomoda aliados e esteve na origem
da crise do mensalão.
Na linha de frente da crítica à
mídia, Garcia diz que ela foi
derrotada e admite "espanto"
ao ver publicidade oficial em
veículos críticos ao governo.
"Confesso que fico espantado
quando vejo revistas, que se
transformaram em órgãos de
difamação política, entupidos
de propaganda oficial."
O petista critica ainda o Banco Central pelos juros e chega a
admitir estudar mudanças nas
regras da Previdência, mas em
seguida recua. "Não admito."
Sobre os escândalos de petistas, afirma: "O PT não recruta
seus quadros em mosteiros".
Leia a seguir os principais
trechos da entrevista.
FOLHA - O PT aceita o crescimento
do PMDB no governo?
MARCO AURÉLIO GARCIA - Acho positivo se o PMDB puder ter participação não mais setorial,
tangencial, mas participação
mais ampla. Mas vou recusar a
discussão quantitativa. Acho isso secundário.
FOLHA - Será que o PMDB também
acha?
GARCIA - Basicamente vai ter
que se colocar qual a adesão ao
governo, quais são os quadros,
até porque não é uma participação qualquer. Seja quem for,
PMDB, PSB, PT, tem que ser
qualificada.
FOLHA - Lula então pode recusar
nomes levados pelo PMDB?
GARCIA - O presidente sempre
tem esse poder.
FOLHA - A partilha de cargos foi um
dos grandes problemas do mandato. Há uma reivindicação antiga dos
partidos de que haja "porteira fechada" nos ministérios. Isso vai
acontecer?
GARCIA - Minha opinião é que
pode ocorrer, mas não deve ser
um critério, ainda que o ministro tenha incidência muito
grande na escolha. Ocorre com
freqüência ter pessoas com
muita qualificação, que podem
ocupar um cargo de destaque
num ministério, autarquia.
FOLHA - Mas esse é o DNA do escândalo do mensalão. Começou como disputa pelo fatiamento dos
Correios. Não é receita para mais
problemas no futuro?
GARCIA - No caso dos Correios,
as coisas entornaram porque
vários nomes que tinham sido
propostos não foram aceitos,
não eram pessoas consideradas
com idoneidade. Foi uma das
razões pelas quais a fúria de um
determinado personagem [o
ex-deputado Roberto Jefferson] se desencadeou.
FOLHA - Por que o sr. briga tanto
com a imprensa?
GARCIA - A imprensa é que tem
brigado comigo. Sempre que eu
dou uma opinião que não corresponde à pergunta, que muitas vezes é uma tese, as pessoas
caracterizam minha opinião
como "visivelmente irritado".
FOLHA - Mas quando o sr. disse
"cuidem de suas redações que nós
cuidamos do PT", o sr. estava irritado?
GARCIA - Não me lembro estritamente do contexto, mas naquele momento havia uma cobrança sobre determinados aspectos da vida interna do PT,
que eu achava que podiam se
aplicar à vida interna das redações. Foi um comentário lateral, que, se for o caso, eu retiro.
Agora, quem ficou muito irritada foi a imprensa quando eu
disse que ela deveria fazer uma
reflexão.
FOLHA - O que é "democratizar a
mídia"? O sr. pode traduzir?
GARCIA - É ter uma imprensa
menos monocórdia. Eu acho
que alguns problemas vão se
resolver da forma que a imprensa acha que se resolve,
através do mercado. Uma parte
da imprensa hoje perdeu enormemente a credibilidade. Ela
se posicionou fortemente contra a candidatura Lula e foi derrotada nessa eleição. Se você
ouvir determinadas rádios, vê
três ou quatro comentaristas
que se seguem, batendo sempre
na mesma tecla. Me diga algum
comentarista, ao não ser um ex
do seu jornal, o [Luís] Nassif,
que hoje tenha uma posição diferente. O Vinicius [Torres
Freire, colunista da Folha], talvez. Nem sempre ele está nessa
linha, o Vinicius é uma pessoa
mais independente. Mas a
imensa maioria dos comentaristas de economia vem da
mesma malta.
FOLHA - É deixar para a mão invisível do mercado então?
GARCIA - Não é só isso. A única
mão invisível que funciona no
Brasil é a do batedor de carteiras [risos].
FOLHA - Deve haver mudança no
critério para distribuição de verbas
oficiais de publicidade?
GARCIA - Deve haver um critério amplo. Confesso que fico espantado quando vejo revistas,
que se transformaram em órgãos de difamação política, entupidos de propaganda oficial.
As revistas deveriam refletir
sobre isso.
FOLHA - O governo também?
GARCIA - Acho que sim.
FOLHA - Por que o Brasil cresceu
tão pouco no governo Lula?
GARCIA - Tivemos que cumprir
um roteiro de política macroeconômica que dificultava muito o ritmo de crescimento
maior. Algumas correções poderiam ter sido feitas anteriormente, e nos teriam permitido
crescimento mais expressivo.
FOLHA - O BC errou na dose?
GARCIA - Eu acho que um pouco, um pouco. Mas no fundamental a política econômica foi
a que deveria ter sido adotada.
Eu teria reparos no que diz respeito à dose.
FOLHA - Henrique Meirelles tem
condições de ficar?
GARCIA - Não vou opinar, porque a minha opinião pode derrubar até Wall Street. Ou até
gerar euforia. Vou poupar o capitalismo disso.
FOLHA - Como crescer 5% sem cortar gastos?
GARCIA - Se você disser onde
tem que cortar eu opino. Os que
tenho ouvido pesam sobre o
andar de baixo.
FOLHA - Uma reforma da Previdência também?
GARCIA - Evidentemente. Se
você examinar os débitos [das
empresas] com a Previdência, é
mais do que o déficit. Por que
vamos mudar a idade mínima
se tem gente fraudando a Previdência, sonegando? Se essas
coisas não derem certo, vamos
estudar outras medidas. Não
vamos mexer nas regras enquanto não fizermos isso.
FOLHA - Esgotadas as medidas administrativas, pode haver mexida
nas regras?
GARCIA - Se eu lhe disser isso,
amanhã a Folha (...)
FOLHA - O sr. acabou de dizer.
GARCIA - (...) vai dizer: presidente do PT admite reforma.
Não admito.
FOLHA - Estourou mais um escândalo petista [a prisão do deputado
eleito Juvenil Alves, de MG]. Sempre
que isso acontece vocês dizem que é
um caso isolado. Deve ser o décimo
"caso isolado" no último ano. Não é
um problema sistêmico do partido?
GARCIA - Com todos os partidos. O PT não está recrutando
seus quadros em mosteiros
nem conventos. O problema da
ética não está no fato de ocorrerem situações como essas, mas
no fato de que elas sejam detectadas e que haja punição.
FOLHA - Em 2010 o PT vai ter que
encontrar um novo candidato a presidente. Como superar a "Luladependência"?
GARCIA - Não estou pensando
nisso ainda. Terei grande empenho em que o PT tenha o seu
candidato. Mas se não tiver, pode se associar a outra candidatura.
FOLHA - Durante a campanha se
falou que quatro anos não eram suficientes para o PT mudar o país.
Quanto é preciso?
GARCIA - Uma mudança não se
faz em oito anos, ou quatro.
País com um passivo social como o nosso precisa de uma geração para encontrar a embocadura do ciclo prolongado de
crescimento.
FOLHA - O sr. está repetindo o [ex-ministro das Comunicações] Sergio
Motta, que queria o PSDB 20 anos
no poder?
GARCIA - Não estou dizendo
que o PT deva ficar [no poder].
Estou dizendo que precisamos
do movimento de uma geração
para transformar o país, e gostaria que o PT tivesse papel
protagônico. Quem decide é a
sociedade.
FOLHA - O que o PT vai pedir ao Lula hoje na reunião do diretório nacional?
GARCIA - O PT vai ouvir o Lula e
vai dizer que está disposto a
construir uma relação melhor
com o governo. Isso vai se dar
em duas dimensões. Nós temos
uma responsabilidade de mobilizar os movimentos sociais para dar uma sustentação maior
ao governo. Em segundo lugar,
o partido tem a obrigação de fazer chegar ao governo sua opinião sobre os mais variados temas. Nas duas coisas fomos um
pouco omissos no primeiro
mandato.
FOLHA - O PT vai ter que pôr dinheiro do partido para fechar as contas
de Lula? O presidente tem que entregar a prestação de contas na próxima semana...
GARCIA - Acho que a gente vai
conseguir resolver, não sei se
consegue resolver tudo imediatamente, mas acho que vai conseguir. O PT interaria se houver
problema.
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