São Paulo, quarta, 25 de novembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
Porquinhos e pombinhos

Por algum motivo tão desconhecido quanto o autor da gravações clandestinas, de repente desceu sobre os jornalistas uma invencível nostalgia da infância, uma rememoração transbordante dos tempos de histórias ingênuas e personagens líricos, às voltas sempre com artimanhas malvadas.
João e Maria, Chapeuzinho Vermelho, Os Músicos de Bremen, tantas histórias. E Os Três Porquinhos, tão levados mas tão puros, e tão unidos. Foi neles, com certeza, que a nostalgia repentina encontrou o impulso para sua expressão. E então as senhoras colunistas e quase todos os comentaristas criaram, para os jornais de ontem, Os Três Pombinhos.
Tão levados mas tão puros, e tão unidos. Pobres "vítimas do grampo", errados apenas "no exagero de certas expressões", "vítimas do crime de gravações criminosas", um deles "ministro exemplar", três cuja ausência, porque houve "a vitória do grampo", "cria riscos e problemas potenciais", tão nobres eram suas "dedicações ao país".
Responsabilizar os grampos pelas demissões de Luiz Carlos Mendonça de Barros, Pio Borges e André Lara Resende é aceitar como decente e legal a prevaricação administrativa, que, não custa lembrar, entre outras coisas é "a prática de ato administrativo contra a lei, por interesse ou opinião pessoal". Como as distorções no processo de concorrência por leilão, dada a opinião de que o consórcio de um amigo devia ser o ganhador.
Nenhum dos três é vítima senão de si mesmo, das atitudes que tomou por vontade própria e plena consciência do que fazia. A maneira, portanto, como os três introduziram na privatização procedimentos ilegais e interessados e, ainda por cima, conectados a interesses materiais privados é um aspecto dos acontecimentos. Outro, que, em si, nada tem a ver com o anterior (as gravações poderiam captar apenas conversas inocentes e honestas) é o uso de meios ilegais para registrar conversas de terceiros.
Com a diferenciação existente entre esses componentes do episódio, os três demissionários tornaram-se, a um só tempo, sujeitos e objetos. Foram sujeitos de ações verdadeiramente ilegais e objetos de comprovações ilegalmente verdadeiras. Sua saída do governo não é "a vitória do grampo", mas a derrota da liberdade que se dão muitos, no governo, de agir à margem da lei e com suposto poder arbitrário.
Derrotado esse abuso antidemocrático, que trate o governo de derrotar o grampo, o que só não acontecerá se lhe faltar competência ou, hipótese não menos respeitável, se não quiser chegar à autoria, seja das gravações, seja da divulgação.
Os três, deve-se admitir, não têm a culpa de originalidade maléfica. O pessoal do PSDB no governo age exatamente como os ministros da ditadura. Estes faziam de tudo porque podiam tudo. Os do PSDB fazem de tudo porque acham que podem tudo, bastando-lhes citar "o bem do Brasil" ou a presumida modernização. Como não podem, de vez em quando alguém enriquece a biografia fazendo-se figura de escândalo, mas não das consequências devidas. Os outros, coadjuvantes em maior ou menor grau, os protegem pela compra de votos, pelos pagamentos inscritos na pasta rosa, pelo tráfico de influência no Sivam. E até pela utilização de grampos, como foi o caso do assessor presidencial que grampeou o outro assessor-traficante -este, por sinal, premiado com uma embaixada européia.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.