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JANIO DE FREITAS
Porquinhos e pombinhos
Por algum motivo tão desconhecido quanto o autor da gravações
clandestinas, de repente desceu
sobre os jornalistas uma invencível nostalgia da infância, uma rememoração transbordante dos
tempos de histórias ingênuas e
personagens líricos, às voltas sempre com artimanhas malvadas.
João e Maria, Chapeuzinho Vermelho, Os Músicos de Bremen,
tantas histórias. E Os Três Porquinhos, tão levados mas tão puros, e
tão unidos. Foi neles, com certeza,
que a nostalgia repentina encontrou o impulso para sua expressão. E então as senhoras colunistas e quase todos os comentaristas
criaram, para os jornais de ontem, Os Três Pombinhos.
Tão levados mas tão puros, e tão
unidos. Pobres "vítimas do grampo", errados apenas "no exagero
de certas expressões", "vítimas do
crime de gravações criminosas",
um deles "ministro exemplar",
três cuja ausência, porque houve
"a vitória do grampo", "cria riscos e problemas potenciais", tão
nobres eram suas "dedicações ao
país".
Responsabilizar os grampos pelas demissões de Luiz Carlos Mendonça de Barros, Pio Borges e André Lara Resende é aceitar como
decente e legal a prevaricação administrativa, que, não custa lembrar, entre outras coisas é "a prática de ato administrativo contra
a lei, por interesse ou opinião pessoal". Como as distorções no processo de concorrência por leilão,
dada a opinião de que o consórcio
de um amigo devia ser o ganhador.
Nenhum dos três é vítima senão
de si mesmo, das atitudes que tomou por vontade própria e plena
consciência do que fazia. A maneira, portanto, como os três introduziram na privatização procedimentos ilegais e interessados
e, ainda por cima, conectados a
interesses materiais privados é
um aspecto dos acontecimentos.
Outro, que, em si, nada tem a ver
com o anterior (as gravações poderiam captar apenas conversas
inocentes e honestas) é o uso de
meios ilegais para registrar conversas de terceiros.
Com a diferenciação existente
entre esses componentes do episódio, os três demissionários tornaram-se, a um só tempo, sujeitos e
objetos. Foram sujeitos de ações
verdadeiramente ilegais e objetos
de comprovações ilegalmente verdadeiras. Sua saída do governo
não é "a vitória do grampo", mas
a derrota da liberdade que se dão
muitos, no governo, de agir à
margem da lei e com suposto poder arbitrário.
Derrotado esse abuso antidemocrático, que trate o governo de
derrotar o grampo, o que só não
acontecerá se lhe faltar competência ou, hipótese não menos respeitável, se não quiser chegar à autoria, seja das gravações, seja da divulgação.
Os três, deve-se admitir, não
têm a culpa de originalidade maléfica. O pessoal do PSDB no governo age exatamente como os
ministros da ditadura. Estes faziam de tudo porque podiam tudo. Os do PSDB fazem de tudo
porque acham que podem tudo,
bastando-lhes citar "o bem do
Brasil" ou a presumida modernização. Como não podem, de vez
em quando alguém enriquece a
biografia fazendo-se figura de escândalo, mas não das consequências devidas. Os outros, coadjuvantes em maior ou menor grau,
os protegem pela compra de votos,
pelos pagamentos inscritos na
pasta rosa, pelo tráfico de influência no Sivam. E até pela utilização
de grampos, como foi o caso do assessor presidencial que grampeou
o outro assessor-traficante -este,
por sinal, premiado com uma embaixada européia.
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