São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

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Garcia vê "afinidade subjetiva" com Cuba

Assessor de Lula diz que relação do Brasil com o país não é ideológica e que governo busca integração latino-americana

Sobre os impactos da crise financeira, Marco Aurélio Garcia defende que região evite o protecionismo e conflitos desnecessários


CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Investimentos, ajuda humanitária e apoio diplomático compõem o atual momento das relações entre Brasil e Cuba. O país, que ensaia abertura cautelosa após 50 anos de comunismo, é privilegiado pela política externa brasileira. Nas palavras do assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, há uma "afinidade subjetiva" entre Lula e os irmãos Fidel e Raúl Castro. "Mas não é uma relação ideológica", diz Garcia, evitando classificar o regime cubano.
"Temos um sistema político e valores diferentes." Em entrevista à Folha, o assessor diz que a crise financeira vai adiar iniciativas como a reforma da ONU, mas está otimista com a integração da região. "A crise com o Equador está superada."

 

FOLHA - Não é cedo para uma união latino-americana?
MARCO AURÉLIO GARCIA
- Nosso esforço inicial de integração foi sul-americano. A idéia era a aproximação em blocos. Mas houve um efeito positivo sobre a América Central e do Caribe. Temos problemáticas econômicas, étnicas e políticas semelhantes. Estamos buscando uma identidade regional. México e Cuba mudaram a percepção sobre as questões que estão em jogo na política externa, e agora apostam na América Latina. Havíamos convidado Cuba para o Grupo do Rio há três anos, mas não houve interesse.

FOLHA - Por que a mudança?
GARCIA
- O Sul está se fazendo respeitar, com a melhoria da situação econômica, o avanço democrático. Isso exerce uma certa influência. Estamos descobrindo nossa importância, temos um grande potencial energético, mineral, uma biodiversidade extraordinária, uma das maiores reservas agrícolas do mundo e um imenso mercado consumidor. Mas não queremos substituir os Estados Unidos, nem no conteúdo e muito menos na forma. Chegamos ao fim do apogeu das idéias neo-conservadoras e do unilateralismo. Isso se traduz em orientações de integração.

FOLHA - E os conflitos com o Equador e o Paraguai?
GARCIA
- Com o Equador, a moratória seria uma catástrofe para o futuro dos investimentos lá. É um episódio ruim, por isso reagimos. Mas na minha opinião, a crise foi superada e o embaixador pode voltar. Outras empresas já estão querendo substituir a Odebrecht. Com o Paraguai houve um avanço de método para elevar o diálogo, que às vezes fica contaminado. Não vamos perdoar a dívida, mas não queremos um Paraguai pobre. Ninguém perde por ser generoso, mas aqui no Brasil isso é entendido como fraqueza. Mas os que criticam praticaram subserviência.

FOLHA - Qual impacto terá a crise financeira?
GARCIA
- Não sabemos ainda, mas sofreremos mais se estivermos isolados. Temos de evitar o protecionismo, aumentar a confiança e evitar conflitos desnecessários. E essas reuniões são fundamentais para a confiança. Se fôssemos arrogantes com o Evo [Morales] em 2006, a coisa tinha piorado. As pessoas podem não gostar do Evo, criticar Lula por respeitar o [Alvaro] Uribe, que admira o Fidel. A política é complexa.

FOLHA - A relação com Cuba é ideológica?
GARCIA
- Não é ideológica. Não compartilhamos uma série de valores dos cubanos. Nosso sistema político e eleitoral é diferente. Mas não é esse o problema. Queremos ajudar Cuba, como a Jamaica. Com a particularidade de que, com Cuba, há um elemento de afinidade subjetiva. Várias gerações entraram na política tendo o modelo cubano como referência, a forma como defenderam a soberania e as mudanças sociais ocorridas. Gostemos ou não, quando fizerem um inventário dos grandes personagens do século 20, Fidel Castro vai estar nele.

FOLHA - Hugo Chávez quer se reeleger sucessivamente. Isso não fere a democracia?
GARCIA
- No Mercosul temos a cláusula democrática. Achamos que a integração reforça a democracia, mas não exportamos paradigmas. Se as eleições são livres, não há problema. Só espero que isso não interfira na reunião do Lula com [o presidente francês, Nicolas] Sarkozy, já que a França é um país com eleição indefinida.

FOLHA - Qual sua análise sobre o fracasso de Doha?
GARCIA
- Doha foi um fracasso do mundo inteiro. Levamos uma tese para o G20. Muita gente diz que é só retórica, mas sem retórica as ações não se consubstanciam. A não-ampliação do Conselho de Segurança, naturalmente poderá ser retomada. A crise não vai ajudar, mas é imperativo, pois temos enormes focos de tensão internacionais. Aqui na região temos ameaças potenciais. No Brasil, a Amazônia e o litoral, com sua riqueza energética. Por isso criamos o Conselho Sul-Americano de Defesa. Vamos configurar um debate da segurança coletiva e reerguer a indústria de defesa.


Leia mais trechos da entrevista
www.folha.com.br/083591



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