|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ PALOCCI EM APUROS
Francenildo dos Santos Costa diz que, após denúncias, não dormiu em casa nem foi ao supletivo
Quero ir para longe do Brasil, diz caseiro que acusa ministro
RUBENS VALENTE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A sucessão de eventos que atingiram Francenildo dos Santos
Costa, 24, após o depoimento
prestado à CPI dos Bingos (a decisão da Justiça impedindo que falasse, a violação da sua conta bancária e um pedido do governo para investigá-lo por "lavagem de
dinheiro") abalou sua confiança
no país. Seu maior desejo hoje? "Ir
para bem longe do Brasil."
O caseiro está sem casa. Na última semana, dormiu num lugar
diferente a cada noite. Equipes de
TV rondam seu último endereço,
em São Sebastião (DF), fazem
perguntas aos vizinhos sobre seu
dia-a-dia e querem saber "quem
paga o aluguel". Não voltou mais
para lá. Numa noite, dormiu no
escritório do advogado. Na maior
parte das vezes, em casas de amigos. Por causa das pressões, teve
problemas com sua mulher, Nelma, com quem vive há sete anos e
tem um filho da mesma idade.
Parou de freqüentar o supletivo
(ele estudou até a 5ª série) assim
que suas declarações vieram a público. Na noite do dia 17, quando
foi revelada a violação de seu sigilo bancário, desabafou à Folha:
"Minha avó está passando mal. Se
alguma coisa acontecer com ela,
eu me suicido". Ela tem 67 anos e
teria desmaiado ao ver na TV o
neto sendo "desmentido".
Uma semana depois, Francenildo descobriria ser alvo de um inquérito policial. Chorou com um
amigo e disse que pretendia voltar
para o Piauí, sua terra natal, que
deixou aos 16 anos de idade, com
R$ 30,00 no bolso e a mãe ao lado.
"Queria chorar um dia e uma
noite seguidos", disse logo após
deixar o prédio da Procuradoria
Geral da República, onde fizera a
enésima narrativa de tudo o que
disse ter visto na casa do Lago Sul
alugada por ex-assessores do ministro Antonio Palocci (Fazenda).
O caseiro disse que não tinha a
mínima idéia do que ocorreria a
partir da decisão de procurar um
amigo para dizer que queria narrar, na CPI, o que afirma ter presenciado na casa. Quando contou
ao amigo o que pretendia fazer, o
interlocutor antecipou a tempestade. "Ele me disse: "Tu quer chutar o balde mesmo?'", lembrou-se
o caseiro. Francenildo disse que
sua principal motivação foi ver
pela TV "as mentiras" dos freqüentadores da casa. Disse ter ficado "indignado".
"Eu pensava que o negócio era
só falar no jornal e pronto. Foi totalmente diferente", contou. Não
esperava tornar-se um alvo da polícia e do governo. "Eles têm que
investigar o [Vladimir] Poleto, o
próprio [Antonio] Palocci."
Francenildo Costa está no olho
de um furacão muito diferente de
sua pacata rotina de limpar a piscina, cortar a grama e aparar a
cerca viva, pela qual recebe R$ 700
mensais (agora está de licença,
mas o patrão, o advogado Luiz
Antônio Guerra, já avisou que vai
mantê-lo no emprego).
O pai
Antes disso, Francenildo foi garçom e auxiliar de um mercado em
Ceilândia (DF) e catador de milho
e feijão na sua Nazária (PI). Começou a trabalhar aos seis, sete
anos de idade. Às vezes o trabalho
avançava pela noite, por isso estudou tão pouco. Quando não conseguia carona num lombo de jegue, enfrentava uma caminhada
de três ou quatro horas até a roça.
Só a partir dos dez anos é que
Francenildo passou a se interrogar sobre a razão de não ter um
pai por perto. Atribuía esse papel
a seu avô, José Rosendo, 60.
Os amigos da família e conhecidos caçoavam dele, ao dizer que
ele era filho de um homem chamado Eurípedes, dono de uma
empresa de ônibus. "Faziam piadinhas, eu ficava chateado. Todo
mundo tem pai, e os caras ficavam fazendo piadas."
As brincadeiras começaram a
lhe perturbar. Um dia, decidiu tirar o assunto a limpo, "só para jogar na cara dos "abestados" que ele
era realmente meu pai". Interpelou sua mãe, Benta Maria dos
Santos Costa, 42, para saber se o
empresário de Teresina (PI) Eurípedes Soares da Silva era mesmo
seu pai. Lavradora e lavadeira de
roupa nas águas do rio Parnaíba,
Benta confirmou. Fracenildo reconstituiu a conversa: ""Quem é
meu pai mesmo?" [Ela respondeu] "É o Eurípedes", "E por que
ele nunca assumiu?", "Ah, é problema dele lá'".
Ao responder o que sentiu ao
ouvir o nome do pai, respondeu:
"Eu me senti normal". O garoto
foi ter com o empresário. Não ouviu o reconhecimento da paternidade, mas recebeu 800 cruzeiros,
tudo entregue à mãe, que lhe
comprou uma rede de dormir e
fez compras no mercado.
A mesma cena se repetiria cerca
de 12 anos depois, em janeiro último. Dessa vez, Francenildo saiu
com R$ 10 mil em espécie e a promessa de mais R$ 20 mil. Até agora, R$ 25 mil chegaram à sua conta. O empresário já confirmou os
depósitos, mas não a paternidade.
Reconhecimento
Para estar com o empresário de
novo, Francenildo comprou uma
passagem aérea a R$ 420. Do total,
R$ 250 foram emprestados pelo
patrão, Luiz Antônio Guerra, que
confirmou ter feito um adiantamento salarial.
O caseiro contou ter pressionado seu suposto pai com a afirmação de que estava disposto a abrir
uma ação judicial de investigação
de paternidade. O empresário argumentou que não era necessário. Sem sucesso, resolveu dar o
dinheiro ao caseiro. Estiveram
juntos outras vezes naquele janeiro, na garagem da empresa. Em
todos esses contatos, Eurípedes
não chamou Francenildo de filho.
Mas o abraçou, uma vez.
O reconhecimento que o caseiro
não teve do empresário, contudo,
tem chegado das ruas. Desde que
prestou o depoimento à CPI,
Francenildo experimenta certa
notoriedade. As pessoas o reconhecem e o parabenizam.
O caseiro é um palmeirense
doente. Um de seus orgulhos é ter
uma camiseta autografada do goleiro Marcos. Na última sexta-feira, descobriu que um grupo de
advogados quer recebê-lo em São
Paulo, para lhe dar apoio. Ficou
satisfeito com a possibilidade de
conhecer o Parque Antártica.
Texto Anterior: Escândalo do "mensalão"/Hora das conclusões: CPI desiste de pedir indiciamento de Dirceu e Gushiken Próximo Texto: Janio de Freitas: Estado de calamidade Índice
|