São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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RETRATO DO BRASIL

BPC, programa que transfere renda, irá movimentar R$ 9 bi

Benefício para deficientes e idosos supera Bolsa-Família

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Programa de transferência de renda para idosos e deficientes, o BPC (Benefício de Prestação Continuada) cresce, em média, 10% ao ano, atinge 2,1 milhões de pessoas e, com o aumento do salário mínimo, passará a movimentar mais de R$ 9 bilhões, superando o Bolsa-Família. Mas, segundo um estudo recém-concluído, o programa poderia ser maior.
O trabalho da Universidade de Brasília, do Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) e do Centro Internacional da Pobreza da ONU (Organização das Nações Unidas) sugere mudanças para que mais pessoas sejam beneficiadas.
"O critério de seleção é tão restritivo que só pessoas com deficiências muito graves são beneficiadas. Entendemos que deveriam ser aceitos os que vivem a experiência da desigualdade por ter funcionalidades diferentes das consideradas normais", diz Debora Diniz, professora da UNB e uma das autoras do estudo.
O conceito de funcionalidade, adotado pela Organização Mundial de Saúde, leva em conta, no caso dos deficientes, o contexto social em que eles vivem.
"Um cego que more em uma favela cheia de barreiras e não possa ter um guia precisa muito mais de um benefício do que um cego em melhores condições", exemplifica Ana Lígia Gomes, secretária nacional de Assistência Social.
Segundo ela, há uma minuta de decreto, preparada pelos ministérios do Desenvolvimento Social e da Previdência, mudando critérios de seleção a partir do conceito de funcionalidade.
São os médicos do INSS que avaliam os candidatos. Segundo Gomes, 15% dos pedidos de deficientes são indeferidos.

Justiça
Há quem recorra à Justiça em caso de ter o pedido negado. Tiveram ganho de causa, por exemplo, um portador do vírus da Aids em Porto Alegre e uma mulher que sofria da doença de Huntington -mal degenerativo marcado por fortes espasmos- em São Paulo. Irmã da coordenadora da Associação Brasil Huntington, Maria do Rosário morreu após três anos recebendo o BPC.
"Só um deficiente por família pode receber o benefício. Mas doenças genéticas atingem várias pessoas na família", diz Diniz, que sonha com o dia em que os responsáveis pelos deficientes também possam receber o BPC.
Do 1,1 milhão de deficientes físicos e mentais beneficiados- o restante é de idosos- 30% são menores. É caso de Jeane, 4, de Nova Iguaçu (Baixada Fluminense). Seus pais recebem um salário mínimo para cuidar da menina, que tem síndrome de Down.
O BPC não é legalmente incompatível com outros programas sociais, mas o Bolsa-Família praticamente o inviabiliza, já que com ele a renda familiar per capita ultrapassa 25% do salário mínimo, teto estabelecido para alguém receber os atuais R$ 300 mensais.
Enquanto o Bolsa-Família é um programa de governo, o BPC, que existe desde 1996, está previsto na Constituição, e não pode ter suas verbas contigenciadas.
Os beneficiados aumentaram desde 2004, quando a idade-limite baixou de 67 para 65 anos. Os idosos só têm de comprovar falta de renda. "[O valor] não é suficiente, mas já cobre metade das despesas", diz Adélia da Silva, 76. Como seu patrão nunca assinou sua carteira, ela não pôde se aposentar. O BPC é sua única renda.


Colaborou PEDRO SOARES, da Sucursal do Rio


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