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ALBERTO GRANADO
Para médico que vive em Cuba, mito do revolucionário permanece porque líder não traiu a causa
"Revolução virá dos jovens", afirma amigo de Che Guevara
Ciete Silvério/Folha Imagem
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Alberto Granado, 82, ao lado de réplica de 1939 de moto usada por ele e seu amigo, Che Guevara, em viagem pela América Latina |
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
A revolução virá dos jovens. A
opinião é de alguém escolado em
revoluções. Alberto Granado, 82,
era o dono da motocicleta que levou o jovem estudante de medicina Ernesto Guevara de la Serna
(1928-1967) a uma viagem pela
América Latina, em 1952.
Dirigindo "La Poderosa 2" (a 1
foi uma bicicleta), a dupla de amigos foi da Argentina a uma colônia de leprosos no Peru. No caminho, despertaria em Che de vez a
consciência política e, depois, a
revolucionária, que o tornaria um
dos principais líderes dos movimentos sociais dos anos 60.
Em São Paulo para participar do
lançamento do novo filme de
Walter Salles, "Diários de Motocicleta", baseado em seu próprio livro, don Alberto falou à Folha sobre Fidel Castro, Hugo Chávez e
Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu os fuzilamentos cubanos e
deu sua versão para a permanência do mito de Che Guevara:
Folha - Mais de 50 anos depois da
viagem com Che e 45 anos depois
da tomada de poder por Fidel, ainda existe clima para revoluções?
Alberto Granado - Para uma revolução violenta, como foi a cubana, creio que não haja espaço hoje
em dia. Tenha em conta que em
1952 acreditávamos no socialismo
soviético, que depois o próprio
Che criticaria. Mas pense em Lula,
pense em Chávez, pense nos espanhóis tirando [o ex-premiê José
María] Aznar em dois dias...
Sou um otimista eterno. E acredito nos jovens. Quem está atirando as pedras na Intifada neste momento? São os jovens, não são?
Quem queimou bandeiras na Argentina em 2002? Foram jovens. É
daí que virá a revolução.
Folha - O sr. tem Fidel, Hugo Chávez e Lula na mesma conta, não?
Granado - Na verdade, respeitadas as diferenças entre os homens
e as épocas, principalmente a de
Fidel nos anos 60 e a de Lula e
Chávez hoje em dia, eles têm os
mesmos objetivos e vão conseguir
implantá-los a longo prazo. Neste
momento, o Lula não pode lutar
contra os EUA, seria pouco inteligente, porque, se fizer isso, o FMI
tira o crédito do país.
Folha - O fato é que a popularidade do presidente brasileiro cai...
Granado - A expectativa em torno dele era irreal, muito grande. O
homem não vai fazer em quatro
anos o que não foi feito em 40...
Folha - A revolução que Che pensava para a América Latina não
veio. Em sua opinião, por quê?
Granado - Você diria há dez anos
que um ex-metalúrgico chegaria à
Presidência? Pensaria que um
país como a Venezuela tiraria
aquela casta de ladrões do poder,
nacionalizaria o petróleo? Assim,
eu considero que Che segue sendo um exemplo para todos.
Era preciso que todos os Ches
da América Latina se unissem.
Não divido mais o mundo em peronistas e antiperonistas, em lulistas e antilulistas, acredito em gente boa e gente ruim. Os primeiros
são capazes de sacrificar um pouco de sua comodidade para melhorar as injustiças.
Folha - A que o sr. atribui a existência dos balseiros, que tentam
fugir de Cuba para os EUA por mar?
Granado - Os balseiros deixam
Havana saindo do meio do Malecón, na vista de todo o mundo.
Não saem escondidos. O que
acontece é que são pessoas que
querem ir para os EUA, mas estes
não lhe dão o visto. Então, sabem
que se chegarem lá de balsa obrigarão as autoridades a recebê-los.
Se o cubano quer visitar um
país, basta juntar dinheiro e comprar a passagem, não há proibição. Há cubanos no Brasil, há cubanos visitando a Argentina.
E Fidel não faz nada para impedir que os balseiros saiam, porque
são gente ruim, racista, machista,
ladrões, consumistas... Eles
acham que irão a um paraíso, mas
na verdade acabam todos como
arma política na mão dos ianques.
Folha - Quase 40 anos depois de
sua morte, por que o mito de Che
Guevara permanece?
Granado - Che era um revolucionário fora do normal, cujo mito
permanece pelo fato de ele nunca
ter traído sua causa. Por exemplo,
sua saída de Cuba, depois da revolução feita, para continuar a luta
em outros países da América Latina. Ele poderia muito bem ter ficado e aceitado um alto cargo no
governo de Fidel Castro.
Folha - Mas a saída não se deve a
uma briga entre os dois?
Granado - A vida demostrou que
não foi assim. Os dois se admiravam. Quando há comícios em Cuba, todos gritam "Viva Fidel" e
"Viva Che". Quando ele me convidou para ir morar em Cuba, fiquei desconfiado. Disse: "Escuta,
e o teu "chefe", não vai acontecer
com ele o que aconteceu com tantos depois, vai tomar o poder e se
vender aos americanos?" Ele me
respondeu: "Não, por esse homem vale a pena jogar".
Folha - O seu livro, no qual o filme
de Walter Salles é baseado, passa
uma imagem um pouco messiânica
de Che Guevara. Ele não mentia,
não corria atrás de mulheres, dava
seu dinheiro aos pobres...
Granado - Che era um homem,
antes de tudo, mas não era um
homem comum. Eu o conhecia
desde os 14 anos e posso dizer que
ele não era comum. Naquela idade, por exemplo, já sabia o que
queria. E tinha a capacidade de
transformar qualquer coisa negativa em positiva.
No dia em que o conheci, num
treino de rúgbi na escola, ele vinha com um livro debaixo do braço e lia, lia, lia. Chego perto dele e
digo: "Conte-me, Pelado (careca,
em espanhol), o que está lendo?".
E ele: "Estou lendo as "As Palmeiras Selvagens" (1939), de William
Faulkner". Eu tinha 20 anos, me
considerava mais ilustrado que
ele. E provoco: "E você entende isso?". Ele: "E você sabe quem é
Faulkner?". (risos)
Ele lia muito.
Desde os dez anos,
a família o obrigava a ficar horas
num quarto fechado fazendo inalação, porque tinha
asma. Com o tempo, Che passou para a biblioteca da
casa e lia, lia.
Não é que ele era
messiânico e não
gostava das mulheres. É que as
mulheres não ocupavam 110% do
seu cérebro, como
ocupavam do meu
e dos outros rapazes. Ele tinha de
ler, viajar, estudar,
praticar esportes,
muita coisa para
fazer. E as mulheres também.
Folha - De certa forma, com sua
viagem, pode-se dizer que o sr. foi
o responsável pelo despertar da
consciência política de Che, não?
Granado - Não, não. Havia muitas condições para que ele se
transformasse no futuro Che. Mas
eu concordo que ajudei a dar as
condições para que a viagem
acontecesse. O próprio já tinha
feito uma anterior à nossa, com a
"Poderosa 1", que era sua bicicleta
motorizada, e com ela conheceu
toda a Argentina. E já começou a
escrever então.
Aliás, nuca deixava
de escrever. Vi seus
diários dessa época.
Havia escritos como
"Já li "As 20 mil Léguas Submarinas",
de Júlio Verne. Agora, me falta ler tais e
tais livros."
Folha - O sr. iria encontrá-lo de novo só
oito anos depois.
Granado - Sim, e ele
já tinha mudado. E
eu também já tinha
mudado. A mim, o
que me interessava?
Ter uma família, conhecer o mundo e
fazer pesquisa em
minha área médica.
Eu queria ser um
pesquisador, não
muito importante,
mas dentro do possível. Já Che
gostava de tudo e tudo fazia bem,
ele era realmente um homem superior. Gostava de tecnologia,
medicina, pesquisa.
Então, quando nos encontramos, ele já era um revolucionário.
Em 1952, éramos franco-atiradores. Em 1960, não. Ele me convidou para visitar o país de maneira
muito sóbria. E nunca pensou que
eu aceitasse.
Havíamos nos separados em 26
de julho de 1952. Encontro-o em
24 de julho de 1960. Chego com
minha mulher, Délia, e meus dois
filhos. Vou a Sierra Maestra, escuto o discurso de Fidel no próprio
dia 26 e me encanto com suas palavras. Aí, decido ficar lá de vez.
O encontro: chego ao Banco de
Cuba, que já era presidido por
Che, chamo o gerente e digo:
"Meu nome é dr. Granado, quero
falar com o Comandante". Ele me
diz que o Comandante estava
dando aula de matemática e nessas horas não recebe ninguém.
Eu digo: "Fale a ele que é Petizo
(pequeno) Granado". Che aparece e diz, irônico: "Eu não sabia
que era o eminente doutor Petizo
Granado". Eu respondo: "Que
bom que o invicto Comandante
Guevara me reconheceu."
Apresento minha mulher e bem
nessa hora cai o brinco dela no
chão. Che pega, sente que é de
prata e diz: "Lata? (gíria portenha
para prata) Mas o dr. Granado está muito bem de vida, não?" Ou
seja, oito anos depois, é como se
tivéssemos nos encontrado no dia
anterior. É algo que sempre me
emociona porque demonstra
quem ele de fato era, não?
Folha - Uma vez em Cuba, o sr.
chegou a pegar em armas?
Granado - Não, não, minhas discussões de mudar o mundo eram
teóricas. Já o lema de Ernesto era:
"Sem arma, sem revolução". Durante a viagem, quando estávamos em Machu Picchu, no Peru, e
eu lhe falei sobre construirmos
um novo império baseado no dos
incas, ele me respondeu: "Novo
império só com revolução".
Foi premonitório, não? Veja o
que aconteceu com [Salvador]
Allende no Chile [presidente socialista derrubado por um golpe
de Estado em 1973], o que quer
acontecer agora com Hugo Chávez na Venezuela, que corre a toda hora o risco de cair por um golpe das empresas de comunicação.
Folha - Um dos versos mais famosos de Che Guevara, que ainda hoje
enfeita pôsteres em quartos de jovens pelo mundo todo, é "Hay que
endurecerse, pero sin perder la ternura jamás". Ao longo desses anos
todos, o sr. ficou mais duro?
Granado - Conheci muita gente
em Cuba que só tinha a parte dura, mas falta o que tinha Che, que
era a ternura, que fazia dele um
bom poeta. Sim, há que endurecer-se. Temos de fuzilar essa gente
que acabamos de fuzilar em Cuba,
porque não merecem viver. São
pessoas que tiveram oportunidade, trabalho, e escolheram o mau
caminho, matar gente inocente,
sabotar o turismo.
Folha - Então, perdeu a ternura?
Granado - Não, sou romântico...
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