São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007

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Fraude dentro da Receita ajudou bingos

Chefe da Divisão de Nomenclatura elaborou parecer que classificava videobingos e caça-níqueis como "computadores"

Empresário tentou importar 5.000 máquinas de jogos com base na decisão, mas aduana do aeroporto do Rio apreendeu o equipamento


LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Empresários do ramo de bingos fraudaram normas da Receita Federal com auxílio de funcionário do próprio órgão para tentar importar máquinas de jogos de azar sem depender da Justiça, segundo depoimentos, documentos e termo de indiciamento a partir de sindicância interna do órgão, aos quais a Folha teve acesso.
Comissão de inquérito aberta pela Corregedoria Geral da Receita para investigar o caso indiciou, em dezembro passado, Cesar Dalston, chefe da Divisão de Nomenclatura, por "valer-se do cargo para lograr proveito de outrem, em detrimento da dignidade da função pública", e por "atos de improbidade administrativa".
No caso, o proveito seria em benefício de José Ângelo Beghini de Carvalho, ex-sócio e homem de confiança do empresário de jogos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, pivô do escândalo Waldomiro Diniz. Foi Beghini que instalou a câmera de vídeo que registrou Waldomiro pedindo dinheiro a Cachoeira em 2002, quando o ex-assessor parlamentar da Casa Civil era presidente da Loterj.
Em tempo recorde, Dalston elaborou parecer (que embasou a Solução de Consulta 09, ou SC-09) pelo qual deu classificação a máquinas de jogos de azar (cuja importação é proibida), como videobingo, videopôquer e caça-níqueis, como se fossem equipamento de informática, ou seja, computadores.
Beghini, então funcionário da empresa IGT do Brasil, fez uma importação-piloto de dez máquinas eletrônicas de jogos de azar empregando a SC-09. O grupo ligado a Beghini pretendia importar 5.000 máquinas apoiando-se na solução de consulta, segundo a investigação da Corregedoria e do Ministério Público Federal.
Na hora de fazer o desembaraço na aduana do aeroporto internacional do Rio, o despachante aduaneiro contratado para cuidar da importação solicitou aos auditores fiscais, a pedido de Beghini, que o equipamento fosse submetido à inspeção. Beghini queria ter certeza de que o ato administrativo da Receita serviria para legalizar outras importações.
Ao verem os aparelhos, os auditores não tiveram dúvidas de que se tratavam de máquinas de jogos de azar e as retiveram. Os advogados de Beghini, então, passaram a utilizar a SC-09 em sua argumentação na Justiça para tentar liberar o material, sem sucesso.
As suspeitas levantadas pela comissão de inquérito da Receita sobre o caso haviam sido noticiadas pela Folha em agosto de 2004. Naquela ocasião, foi publicado que o pedido que levou à edição da SC-09 era uma fraude. A consulta havia sido feita em nome da Febralot (Federação Brasileira das Empresas Lotéricas), mas com assinatura falsificada do presidente da entidade. Dez dias após a Folha noticiar o ocorrido, a Receita anulou a norma.
De lá para cá, as investigações internas da Receita avançaram bastante. A reportagem teve acesso a uma séria de documentos inéditos, como o termo de indiciamento de Dalston, fotos das máquinas apreendidas e o depoimento prestado por Beghini. Beghini disse, por exemplo, que a IGT recorreu à Receita "porque não aceita trabalhar na ilegalidade nem por meio de importações amparadas por liminares".
As operações da Polícia Federal Hurricane e Têmis levantaram provas de que a máfia do bingos mantém boa parte de suas operações em São Paulo e no Rio com base na compra de liminares fornecidas por magistrados acusados de favorecerem a organização.
A SC-09 foi editada em apenas um mês. De acordo com a comissão de inquérito, o prazo médio para a concessão de soluções em 2002 foi 14 meses. Com a exceção da SC-09, o prazo mínimo foi de seis meses.
Os membros da comissão de inquérito afirmaram que Dalston concedeu o parecer para SC-09 sem levar em consideração aspectos básicos nesse tipo de procedimento, como solicitar "catálogo técnico, bulas, literaturas, fotografias, plantas ou desenhos e laudo técnicos que caracterizem o produto".
Segundo a comissão, Dalston tinha pleno conhecimento de que sua decisão implicaria que as máquinas de jogos não ficaram sujeitas à apreensão.


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