São Paulo, sábado, 26 de abril de 2008

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Aliado de militar vai a audiência no Araguaia

Colaborador na busca a guerrilheiros foi identificado entre os que acompanhavam depoimentos prestados à Comissão de Anistia

Para Sezostrys da Costa, da Associação dos Torturados, presença de mateiro é "clara tentativa de intimidação" aos que pedem indenização

SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A SÃO DOMINGOS DO ARAGUAIA (PA)

A audiência da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça foi acompanhada ontem, em São Domingos do Araguaia (a cerca de 540 km de Belém), por ao menos dois homens identificados por moradores da região como envolvidos com militares que, na primeira metade dos anos 70, combateram na área a guerrilha rural do PC do B.
Um deles foi reconhecido como o mateiro José Maria, de apelido Catingueiro, apontado como colaborador do Exército na busca aos guerrilheiros.
Para o vice-presidente da Associação dos Torturados do Araguaia, Sezostrys da Costa, a presença de Catingueiro no lugar em que a Comissão de Anistia tomava depoimentos representa "clara tentativa de intimidação" daqueles que reivindicam indenização.
A professora Edna Rodrigues de Souza, 57, afirmou ter se atemorizado ao ver no local o homem que ajudou os militares a localizá-la. "Fui presa 90 dias, torturada, estuprada por um monte de urubu, bicho-monstro, porque era amiga dos "paulistas" [como os guerrilheiros eram chamados]. Vim aqui contar minha história e dou de frente com o Catingueiro. Vou embora daqui", afirmou ela.
O presidente Paulo Abrão Júnior, sete conselheiros e funcionários da comissão estiveram no município para interrogar os habitantes que entraram com pedido de indenização por supostas perseguições e maus-tratos sofridos durante a passagem dos militares pelo Araguaia, que abrange o sudeste paraense, o norte de Tocantins e o sul do Maranhão.
Pelo menos 300 moradores das cidades que formam a região, cortada pelos rios Araguaia e Tocantins estiveram no sítio, na área central de São Domingos, em que a comissão foi alojada. Assim que chegaram ao local, muitos reconheceram Catingueiro.
Camponês à época, Catingueiro aliou-se, no relato dos moradores, ao oficial Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, o mais conhecidos dos militares do Exército engajados no combate à guerrilha.
Na primeira visita da Comissão de Anistia a São Domingos do Araguaia, em setembro do ano passado, Catingueiro já esteve presente, segundo relatos à conselheira Roberta Baggio.
"As pessoas estavam tão assustadas que perguntavam: "mas é para contar tudo mesmo?". Nós dizíamos que sim, e elas insistiam: "mas o pessoal do Curió está aí'", disse ela.
O presidente da Comissão de Anistia afirmou que não poderia impedir a circulação de pessoas no sítio, cujos portões ficaram abertos, mas que se hoje, final do encontro, notar que os depoentes estão sendo pressionados, pedirá ação da polícia.
"As pessoas costumam falar que até hoje são ameaçadas para não revelar o que sabem. Se recebermos denúncias de constrangimentos, vou denunciar o fato às autoridades policiais locais", disse Abrão Júnior.

Desaparecidos
Depois da repressão, Curió, então major, permaneceu no Pará. Empregou Catingueiro e anos depois fundou a cidade de Curionópolis, ao sul de Marabá, principal centro urbano do Araguaia. Catingueiro mora hoje em Curionópolis e ainda trabalha com o chefe, conforme os moradores.
Prefeito de Curionópolis até o início deste ano, quando foi cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sob a acusação de compra de votos na última campanha eleitoral, Curió não quis dar entrevista à Folha. Por telefone, disse que não falaria nada sobre o Araguaia.
À abordagem da Folha no sítio, Catingueiro se afastou, assim como os dois homens que o acompanhavam. Não respondeu ao pedido de entrevista. Um de seus companheiros também teria sido guia do Exército nos deslocamentos pela selva amazônica, reduto dos guerrilheiros.


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