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Aliado de militar vai a audiência no Araguaia
Colaborador na busca a guerrilheiros foi identificado entre os que acompanhavam depoimentos prestados à Comissão de Anistia
Para Sezostrys da Costa, da Associação dos Torturados, presença de mateiro é "clara tentativa de intimidação" aos que pedem indenização
SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A SÃO DOMINGOS
DO ARAGUAIA (PA)
A audiência da Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça foi acompanhada ontem, em
São Domingos do Araguaia (a
cerca de 540 km de Belém), por
ao menos dois homens identificados por moradores da região
como envolvidos com militares
que, na primeira metade dos
anos 70, combateram na área a
guerrilha rural do PC do B.
Um deles foi reconhecido como o mateiro José Maria, de
apelido Catingueiro, apontado
como colaborador do Exército
na busca aos guerrilheiros.
Para o vice-presidente da Associação dos Torturados do
Araguaia, Sezostrys da Costa, a
presença de Catingueiro no lugar em que a Comissão de Anistia tomava depoimentos representa "clara tentativa de intimidação" daqueles que reivindicam indenização.
A professora Edna Rodrigues
de Souza, 57, afirmou ter se atemorizado ao ver no local o homem que ajudou os militares a
localizá-la. "Fui presa 90 dias,
torturada, estuprada por um
monte de urubu, bicho-monstro, porque era amiga dos "paulistas" [como os guerrilheiros
eram chamados]. Vim aqui
contar minha história e dou de
frente com o Catingueiro. Vou
embora daqui", afirmou ela.
O presidente Paulo Abrão
Júnior, sete conselheiros e funcionários da comissão estiveram no município para interrogar os habitantes que entraram
com pedido de indenização por
supostas perseguições e maus-tratos sofridos durante a passagem dos militares pelo Araguaia, que abrange o sudeste paraense, o norte de Tocantins
e o sul do Maranhão.
Pelo menos 300 moradores
das cidades que formam a região, cortada pelos rios Araguaia e Tocantins estiveram no
sítio, na área central de São Domingos, em que a comissão foi
alojada. Assim que chegaram
ao local, muitos reconheceram
Catingueiro.
Camponês à época, Catingueiro aliou-se, no relato dos
moradores, ao oficial Sebastião
Rodrigues de Moura, o Curió, o
mais conhecidos dos militares
do Exército engajados no combate à guerrilha.
Na primeira visita da Comissão de Anistia a São Domingos
do Araguaia, em setembro do
ano passado, Catingueiro já esteve presente, segundo relatos
à conselheira Roberta Baggio.
"As pessoas estavam tão assustadas que perguntavam:
"mas é para contar tudo mesmo?". Nós dizíamos que sim, e
elas insistiam: "mas o pessoal
do Curió está aí'", disse ela.
O presidente da Comissão de
Anistia afirmou que não poderia impedir a circulação de pessoas no sítio, cujos portões ficaram abertos, mas que se hoje,
final do encontro, notar que os
depoentes estão sendo pressionados, pedirá ação da polícia.
"As pessoas costumam falar
que até hoje são ameaçadas para não revelar o que sabem. Se
recebermos denúncias de constrangimentos, vou denunciar o
fato às autoridades policiais locais", disse Abrão Júnior.
Desaparecidos
Depois da repressão, Curió,
então major, permaneceu no
Pará. Empregou Catingueiro e
anos depois fundou a cidade de
Curionópolis, ao sul de Marabá,
principal centro urbano do
Araguaia. Catingueiro mora
hoje em Curionópolis e ainda
trabalha com o chefe, conforme
os moradores.
Prefeito de Curionópolis até
o início deste ano, quando foi
cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sob a acusação
de compra de votos na última
campanha eleitoral, Curió não
quis dar entrevista à Folha. Por
telefone, disse que não falaria
nada sobre o Araguaia.
À abordagem da Folha no sítio, Catingueiro se afastou, assim como os dois homens que o
acompanhavam. Não respondeu ao pedido de entrevista.
Um de seus companheiros
também teria sido guia do
Exército nos deslocamentos
pela selva amazônica, reduto
dos guerrilheiros.
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