São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

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JANIO DE FREITAS

O tapete se eleva


A permissividade de casos no Senado não muda se houve a devolução do dinheiro; o problema não está nele


SEJA QUAL for o desfecho da situação dramática vivida pelo senador José Sarney, já está assegurada mais uma aplicação, no Congresso, da regra do "lixo para debaixo do tapete". Não foi de todo desprovida de sentido aquela frase de Sarney, apesar de ridicularizada pela imprensa: "A crise não é minha, é do Senado". É dele também. Mas, não estivesse o Senado no estado em que está há muito tempo, ainda que seus sucessivos escândalos sejam em número muito menor do que o merecido, não haveria a massa de constatações afinal enfeixadas, com o descarte sorrateiro de muitas, na figura do presidente da Casa.
A gravidade que se possa atribuir à influência para a nomeação do namorado da neta nunca será menor, por exemplo, que a da atitude já entapetada do líder do PSDB, o senador e combatente Arthur Virgílio. Autorizar e acobertar duas estadas remuneradas na Europa, com meio ano cada, de um nomeado para seu gabinete, não é uma atitude qualquer. Os R$ 12 mil mensais que financiaram o turismo, a pretexto de vagos estudos de cinema, são poeira no orçamento duas vezes bilionário do Senado. Mas o favorecimento só poderia dar-se sob uma relação devassa com a função senatorial, com a política e com a coisa pública representada na grandeza devida pelo Senado.
O mesmo cabe dizer da atitude do senador petista Tião Viana, agraciado com a presidência quando Renan Calheiros foi forçado a deixá-la enquanto eram guardadas sob os carpetes, por outros senadores, as suas vacas recordistas em crias, carne e mentiras. Os R$ 14 mil na conta do celular seriam absurdos para alguém que Lula considere "pessoa comum", mas para o Senado nada significam.
A atitude do senador Tião Viana, porém, ao entregar o aparelho para uso da filha em viagem ao exterior, reflete a mesma permissividade e a mesma concepção pessoal do caso precedente. As quais não mudam se houve ou não a devolução de dinheiro. Primeiro porque, se houve, foi só em razão do escândalo. Segundo, porque o problema não está no dinheiro.
Onde foram parar esses episódios? E outros também constatados lá atrás? Além deles, bastaria um pouco de interesse e se encontrariam muitos outros de gabarito equivalente. Silenciados (também pela imprensa) e encobertos, permitem deixar apenas em palavras os brados de "reforma do Senado" e "reforma da política", à espera de que novas modalidades venham substituir as preferidas até o atual escândalo.

Submarina
O Centro de Comunicação Social da Marinha me mandou considerações, que reproduzo no essencial e comento, motivadas pelo artigo "Um negócio ofensivo" sobre as condições para compra de submarinos franceses. Antes do mais, ressalto que, naquele e em artigos precedentes, referi-me explicitamente à parte civil das negociações, não à Marinha.
O CCSM considera que "consiste, no mínimo, em exagero dizer que houve imposição de entrega à empreiteira Odebrecht" da construção de nova base naval. E ainda: "Considera-se equívoco atribuir tais construções [da base e de um estaleiro] à hipotética exigência francesa". O CCSM lembra que as duas obras são "necessidades apresentadas pela Marinha desde o final dos anos 1970", no projeto de um submarino nuclear.
Os franceses fazem, sim, a exigência de que as construções sejam incluídas no atual pacote de compra e venda. A propósito deste mesmo negócio, o ministro da Defesa diz que o submarino nuclear "é para daqui a 20 anos". Mesmo que se preveja sua existência para antes, a contratação das obras não precisaria ser imediata nem parte do pacote, e só o é por exigência francesa.
Mesmo o CCSM reconhece que "a escolha da parceria com a Odebrecht obedeceu a critérios exclusivos da DCNS" [Direction des Constructions Navales Services, que é a parte francesa na transação].
O trecho do artigo que dizia tratar-se de "um pacote já estimado em dez vezes o de outras propostas ("O Globo", 12/7)" recebeu tratamento estranho do CCSM, ao considerar que resultou, "aparentemente, do uso -sem contestação- de matéria publicada no jornal "O Globo", edição de 12 de julho".
Aparentemente, não. Neste e em artigo anterior, citei "O Globo", o dia da edição e o repórter que mencionou a estimativa. O CCSM nega a estimativa, mas não se refere a valores. E afirma: "Não existem exóticas nem misteriosas transações nesse processo. Elas são transparentes e públicas até onde permitem os sigilos naturais (...) quando se trata de aquisição de equipamentos militares".
Não há transparência alguma, nada se tornou público por iniciativa do governo ou da Marinha. E a pergunta persiste: como e por que a Odebrecht foi introduzida na transação, para obras cujo custo estará em um pacote definido pelo vendedor e não pelo comprador?
O assunto, é claro, não morre neste ponto.


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