São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 2002

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POLÍTICA DA IMAGEM

Qualitativa é tratada como oráculo

RENATA LO PRETE

Eleições atrás, pouco se falava delas na imprensa. Serviam para consumo interno das campanhas. Com o tempo, até por sua aparição frequente no discurso dos marqueteiros, as pesquisas qualitativas passaram a despertar curiosidade. Hoje estão incorporadas ao noticiário, no qual viraram matéria-prima para toda sorte de conclusões disparatadas.
Há um lado positivo em incluir no cardápio da cobertura eleitoral as chamadas "qualis", gênero de levantamento que não se destina a captar números, mas percepções dos entrevistados.
Explicar como funcionam os grupos de discussão, nos quais cerca de dez pessoas debatem temas propostos por um moderador, e tornar público algo do que se diz nessas conversas ajuda o eleitor a perceber de onde vêm as palavras com que tentam conquistá-lo -e por que elas parecem ser sempre as mesmas.
De posse dessas informações, ele pode notar que os candidatos, no horário gratuito, vomitam qualitativas sem parar. Não foi de outro lugar que Serra tirou o bordão "mudança com segurança", ou Ciro a idéia de apresentar-se como aquele que "sabe como fazer".
Não foi outra a fonte do diagnóstico que levou Lula a exibir na TV uma campanha de pura vacinação, seja contra o histórico temor despertado nas classes dirigentes pelo petista, seja contra a noção, manifestada nos grupos até por simpatizantes de sua candidatura, de que ele não teria preparo bastante para ser presidente.
Vide o discurso voltado para os empresários na noite de estréia da propaganda. Ou a imagem, repetida na abertura de cada programa, de Lula rodeado pelos "notáveis" do PT, seguida da apresentação de seus currículos. Ou ainda o quadro radiofônico "Mudanças Brasil", no qual se ensina que "para fazer mudança não é preciso ter diploma".
Nas qualitativas, as campanhas testam hipóteses e recolhem elementos para construir a argumentação do candidato. Conhecê-las e discutir seus resultados é dar ao eleitor meios para desconstruir o que lhe é vendido.
O problema, como quase sempre, está no mau uso do instrumento. É cada vez mais comum ler que uma qualitativa "aponta vitória" do candidato X no debate. Outra diz que Y "foi melhor" do que o adversário no "Jornal Nacional". Uma terceira "revela" que a tática agressiva de Z no horário gratuito foi bem-sucedida.
Quem faz tais afirmações desconsidera que: a) em geral, essas pesquisas são encomendadas pelas campanhas; b) à diferença do que acontece com levantamentos quantitativos de intenção de voto, resultados de qualitativas não podem ser generalizados para o conjunto do eleitorado.
Tratar as qualitativas como oráculo também significa ignorar o fator humano. "O que acharam do programa?", pergunta o mediador. O grupo fica quieto. Depois de alguns estímulos vem um "achei bom", "achei ruim", e aí a conversa engata. Se as pessoas mentem em condições normais, por que não o fariam quando lhes é arrancado a fórceps o que não dão espontaneamente?
Não é apenas por desinformação que se exagera a representatividade das qualitativas. Elas se tornaram arma com que assessores buscam convencer jornalistas de que as perspectivas são as melhores para seu candidato.
Um experimentado profissional de pesquisas diz saber que um jornalista foi feito de bobo toda vez que vê publicada uma afirmação taxativa baseada em qualitativa. Talvez não o jornalista, que por livre escolha faz comércio com informação de má qualidade. Mas o público, com certeza.


A repórter RENATA LO PRETE escreve às segundas-feiras nesta coluna.



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