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POLÍTICA DA IMAGEM
Qualitativa é tratada como oráculo
RENATA LO PRETE
Eleições atrás, pouco se falava delas na imprensa. Serviam
para consumo interno das campanhas. Com o tempo, até por sua
aparição frequente no discurso
dos marqueteiros, as pesquisas
qualitativas passaram a despertar curiosidade. Hoje estão incorporadas ao noticiário, no qual viraram matéria-prima para toda
sorte de conclusões disparatadas.
Há um lado positivo em incluir
no cardápio da cobertura eleitoral as chamadas "qualis", gênero
de levantamento que não se destina a captar números, mas percepções dos entrevistados.
Explicar como funcionam os
grupos de discussão, nos quais
cerca de dez pessoas debatem temas propostos por um moderador, e tornar público algo do que
se diz nessas conversas ajuda o
eleitor a perceber de onde vêm as
palavras com que tentam conquistá-lo -e por que elas parecem ser sempre as mesmas.
De posse dessas informações, ele
pode notar que os candidatos, no
horário gratuito, vomitam qualitativas sem parar. Não foi de outro lugar que Serra tirou o bordão
"mudança com segurança", ou
Ciro a idéia de apresentar-se como aquele que "sabe como fazer".
Não foi outra a fonte do diagnóstico que levou Lula a exibir na
TV uma campanha de pura vacinação, seja contra o histórico temor despertado nas classes dirigentes pelo petista, seja contra a
noção, manifestada nos grupos
até por simpatizantes de sua candidatura, de que ele não teria preparo bastante para ser presidente.
Vide o discurso voltado para os
empresários na noite de estréia
da propaganda. Ou a imagem, repetida na abertura de cada programa, de Lula rodeado pelos
"notáveis" do PT, seguida da
apresentação de seus currículos.
Ou ainda o quadro radiofônico
"Mudanças Brasil", no qual se
ensina que "para fazer mudança
não é preciso ter diploma".
Nas qualitativas, as campanhas
testam hipóteses e recolhem elementos para construir a argumentação do candidato. Conhecê-las e discutir seus resultados é
dar ao eleitor meios para desconstruir o que lhe é vendido.
O problema, como quase sempre, está no mau uso do instrumento. É cada vez mais comum
ler que uma qualitativa "aponta
vitória" do candidato X no debate. Outra diz que Y "foi melhor"
do que o adversário no "Jornal
Nacional". Uma terceira "revela"
que a tática agressiva de Z no horário gratuito foi bem-sucedida.
Quem faz tais afirmações desconsidera que: a) em geral, essas
pesquisas são encomendadas pelas campanhas; b) à diferença do
que acontece com levantamentos
quantitativos de intenção de voto, resultados de qualitativas não
podem ser generalizados para o
conjunto do eleitorado.
Tratar as qualitativas como
oráculo também significa ignorar
o fator humano. "O que acharam
do programa?", pergunta o mediador. O grupo fica quieto. Depois de alguns estímulos vem um
"achei bom", "achei ruim", e aí a
conversa engata. Se as pessoas
mentem em condições normais,
por que não o fariam quando lhes
é arrancado a fórceps o que não
dão espontaneamente?
Não é apenas por desinformação que se exagera a representatividade das qualitativas. Elas se
tornaram arma com que assessores buscam convencer jornalistas
de que as perspectivas são as melhores para seu candidato.
Um experimentado profissional
de pesquisas diz saber que um jornalista foi feito de bobo toda vez
que vê publicada uma afirmação
taxativa baseada em qualitativa.
Talvez não o jornalista, que por
livre escolha faz comércio com informação de má qualidade. Mas
o público, com certeza.
A repórter RENATA LO PRETE escreve
às segundas-feiras nesta coluna.
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