São Paulo, Quinta-feira, 26 de Agosto de 1999
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MEMÓRIA
Pressão popular, vitória da oposição e abrandamento do regime prepararam caminho para sanção do projeto
Lei da Anistia foi processo de 4 anos

CLÁUDIA TREVISAN
PATRICIA ZORZAN
da Reportagem Local


A anistia formalizada no Brasil em 28 de agosto de 1979 começou a ser gestada pelo menos quatro anos antes, com a mistura de quatro ingredientes básicos: a vitória da oposição nas eleições de 74, o crescimento da pressão popular e a determinação do próprio regime militar de realizar uma abertura lenta e gradual.
O primeiro ato da abertura foi encenado no governo Ernesto Geisel (1974-79), sucessor de Emílio Garrastazu Médici (1969-74), o presidente dos anos mais duros do ciclo inaugurado em 1964.
Junto com a faixa que passou a João Baptista Figueiredo (1979-85), Geisel entregou duas medidas consideradas uma espécie de prévia da anistia: a revogação de todos os atos institucionais, inclusive o AI-5, feita pela Emenda Constitucional nº 11, e o abrandamento das penas previstas na Lei de Segurança Nacional.
O país que Figueiredo recebeu também era bem diferente daquele do "milagre econômico" de Médici, no qual o crescimento médio anual da economia era de 11,2% e a inflação anual não superava o patamar de 19% ao ano.
No primeiro ano da gestão Figueiredo, a inflação já estava em 77% e a taxa de crescimento havia sido reduzida a 6,8%. "A conjuntura econômica já não era a mesma", afirma o ex-ministro Jarbas Passarinho, líder da Arena no Senado à época da votação da lei.
Além da deterioração dos indicadores econômicos, o MDB, legenda de oposição ao regime, continuou ampliando sua votação nas eleições de 1976 e 1978.
Em 1974, o partido já havia eleito 16 dos 22 senadores e obtido 48% dos votos para a Câmara dos Deputados.

Decisão
Para alguns dos opositores do regime militar, os atos finais do governo Geisel foram uma tentativa de esvaziar a campanha popular pela anistia, que havia começado a ganhar forma em 1975 com a criação do Movimento Feminino pela Anistia.
A tese é contestada por dois colaboradores de Figueiredo, o próprio Passarinho e o então secretário de Comunicação Social, Said Farhat. "Quando Figueiredo tomou posse, já havia decidido conceder a anistia. Ele começou a falar sobre isso em 78, ainda durante a campanha", diz Farhat.
Segundo Passarinho, Figueiredo deu a senha para a aprovação da anistia logo no início de seu governo, com a frase "lugar de brasileiro é no Brasil".
Na opinião do ex-líder da Arena, o fim da resistência armada ao regime militar foi outro fator que abriu caminho para a anistia. "Havia acabado a motivação de 64, que era a guerrilha."
Farhat acrescenta que Figueiredo via na medida o único caminho para a "reconciliação do país com a revolução".

Mulheres
Do lado da sociedade civil, o primeiro passo foi dado pelo grupo de mulheres reunidas no Movimento Feminino pela Anistia, organizado em 1975 por iniciativa de Therezinha Zerbini.
"Éramos oito mulheres e fizemos um manifesto à nação pedindo anistia ampla e geral", afirma Therezinha, casada com o general Euryale Zerbini, cassado e depois reformado por defender o governo João Goulart, deposto pelo movimento de 64.
Depois de São Paulo, o movimento se espalhou por outros Estados entre 1975 e 1977.
O manifesto do grupo foi lido por Therezinha na Cidade do México, em 1975, durante conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o Ano Internacional da Mulher.
O movimento logo se expandiu, com a adesão de outros setores, entre eles a Igreja Católica, o CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa).
Organizado em 1978, o CBA deu caráter mais amplo à campanha iniciada pelas mulheres em 1975. Em novembro de 1978, todas essas organizações se reuniram no Primeiro Congresso Nacional pela Anistia, em São Paulo.
Luiz Eduardo Greenhalgh, presidente da executiva nacional do CBA, afirma que o projeto inicial do regime militar para a anistia era restrito e atribui sua ampliação à pressão popular.
"A única luta que a esquerda ganhou durante o regime militar foi a anistia, conquistada dentro do próprio regime. Éramos radicais, pois queríamos a anistia ampla, geral e irrestrita", diz Greenhalgh, que também atuava como advogado de presos políticos.
"A anistia não foi uma coisa gratuita, resultado da benevolência do presidente Figueiredo. A idéia cresceu com a resistência da sociedade civil", afirma o ministro da Justiça, José Carlos Dias, advogado de presos políticos militante do movimento pela anistia.
Aprovada, por 206 a 201, durante a vigência do regime, a anistia não foi tão ampla, geral e irrestrita como pretendiam seus defensores. De acordo com a lei aprovada, foram excluídos os condenados pela "prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal".
Mas, de qualquer forma, ela permitiu a libertação de praticamente todos os presos políticos e a volta ao país de pelo menos 5.000 exilados. Entre os que voltaram, estavam lideranças de esquerda, como os ex-governadores Leonel Brizola e Miguel Arraes e o líder comunista Luís Carlos Prestes. "Apesar de ter sido restrita, a anistia acabou cumprindo seus objetivos", afirma o secretário da Justiça de São Paulo, Belisário dos Santos Júnior, outro advogado de presos políticos que participou do movimento.

Conversão
A campanha pela anistia ganhou um considerável peso institucional com a adesão do senador Teotonio Vilela à idéia. Arenista, o senador presidida a comissão mista responsável pela análise do projeto no Congresso.
No dia 15 de abril de 1979, Vilela deixa o partido governista e filia-se ao MDB. No mês seguinte, começaria a chamada "peregrinação" pelas cadeias de todo o país onde havia presos políticos.
Inicialmente defensor da exclusão dos chamados crimes de sangue e de terrorismo da anistia, Vilela decidiu conhecer de perto as pessoas acusadas desses atos.
"Não encontrei nenhum terrorista, mas jovens idealistas que arriscaram suas vidas pelo bem do Brasil", disse Vilela ao final de sua primeira visita, em São Paulo. E acrescentou: "Convidaria todos para se hospedarem em minha casa, convite que não faço a muitos ministros do atual governo".



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