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MEMÓRIA
Pressão popular, vitória da oposição e abrandamento do regime prepararam caminho para sanção do projeto
Lei da Anistia foi processo de 4 anos
CLÁUDIA TREVISAN
PATRICIA ZORZAN
da Reportagem Local
A anistia formalizada no Brasil em
28 de agosto de
1979 começou a ser
gestada pelo menos
quatro anos antes,
com a mistura de quatro ingredientes básicos: a vitória da oposição nas eleições de 74, o crescimento da pressão popular e a determinação do próprio regime
militar de realizar uma abertura
lenta e gradual.
O primeiro ato da abertura foi
encenado no governo Ernesto
Geisel (1974-79), sucessor de Emílio Garrastazu Médici (1969-74), o
presidente dos anos mais duros
do ciclo inaugurado em 1964.
Junto com a faixa que passou a
João Baptista Figueiredo (1979-85), Geisel entregou duas medidas consideradas uma espécie de
prévia da anistia: a revogação de
todos os atos institucionais, inclusive o AI-5, feita pela Emenda
Constitucional nº 11, e o abrandamento das penas previstas na Lei
de Segurança Nacional.
O país que Figueiredo recebeu
também era bem diferente daquele do "milagre econômico" de
Médici, no qual o crescimento
médio anual da economia era de
11,2% e a inflação anual não superava o patamar de 19% ao ano.
No primeiro ano da gestão Figueiredo, a inflação já estava em
77% e a taxa de crescimento havia
sido reduzida a 6,8%. "A conjuntura econômica já não era a mesma", afirma o ex-ministro Jarbas
Passarinho, líder da Arena no Senado à época da votação da lei.
Além da deterioração dos indicadores econômicos, o MDB, legenda de oposição ao regime,
continuou ampliando sua votação nas eleições de 1976 e 1978.
Em 1974, o partido já havia eleito 16 dos 22 senadores e obtido
48% dos votos para a Câmara dos
Deputados.
Decisão
Para alguns dos opositores do
regime militar, os atos finais do
governo Geisel foram uma tentativa de esvaziar a campanha popular pela anistia, que havia começado a ganhar forma em 1975
com a criação do Movimento Feminino pela Anistia.
A tese é contestada por dois colaboradores de Figueiredo, o próprio Passarinho e o então secretário de Comunicação Social, Said
Farhat. "Quando Figueiredo tomou posse, já havia decidido conceder a anistia. Ele começou a falar sobre isso em 78, ainda durante a campanha", diz Farhat.
Segundo Passarinho, Figueiredo deu a senha para a aprovação
da anistia logo no início de seu governo, com a frase "lugar de brasileiro é no Brasil".
Na opinião do ex-líder da Arena, o fim da resistência armada ao
regime militar foi outro fator que
abriu caminho para a anistia.
"Havia acabado a motivação de
64, que era a guerrilha."
Farhat acrescenta que Figueiredo via na medida o único caminho para a "reconciliação do país
com a revolução".
Mulheres
Do lado da sociedade civil, o primeiro passo foi dado pelo grupo
de mulheres reunidas no Movimento Feminino pela Anistia, organizado em 1975 por iniciativa
de Therezinha Zerbini.
"Éramos oito mulheres e fizemos um manifesto à nação pedindo anistia ampla e geral", afirma
Therezinha, casada com o general
Euryale Zerbini, cassado e depois
reformado por defender o governo João Goulart, deposto pelo
movimento de 64.
Depois de São Paulo, o movimento se espalhou por outros Estados entre 1975 e 1977.
O manifesto do grupo foi lido
por Therezinha na Cidade do México, em 1975, durante conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o Ano Internacional da Mulher.
O movimento logo se expandiu,
com a adesão de outros setores,
entre eles a Igreja Católica, o CBA
(Comitê Brasileiro pela Anistia), a
OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa).
Organizado em 1978, o CBA deu
caráter mais amplo à campanha
iniciada pelas mulheres em 1975.
Em novembro de 1978, todas essas organizações se reuniram no
Primeiro Congresso Nacional pela Anistia, em São Paulo.
Luiz Eduardo Greenhalgh, presidente da executiva nacional do
CBA, afirma que o projeto inicial
do regime militar para a anistia
era restrito e atribui sua ampliação à pressão popular.
"A única luta que a esquerda ganhou durante o regime militar foi
a anistia, conquistada dentro do
próprio regime. Éramos radicais,
pois queríamos a anistia ampla,
geral e irrestrita", diz Greenhalgh,
que também atuava como advogado de presos políticos.
"A anistia não foi uma coisa
gratuita, resultado da benevolência do presidente Figueiredo. A
idéia cresceu com a resistência da
sociedade civil", afirma o ministro da Justiça, José Carlos Dias,
advogado de presos políticos militante do movimento pela anistia.
Aprovada, por 206 a 201, durante a vigência do regime, a anistia
não foi tão ampla, geral e irrestrita
como pretendiam seus defensores. De acordo com a lei aprovada,
foram excluídos os condenados
pela "prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal".
Mas, de qualquer forma, ela
permitiu a libertação de praticamente todos os presos políticos e
a volta ao país de pelo menos
5.000 exilados. Entre os que voltaram, estavam lideranças de esquerda, como os ex-governadores Leonel Brizola e Miguel Arraes
e o líder comunista Luís Carlos
Prestes. "Apesar de ter sido restrita, a anistia acabou cumprindo
seus objetivos", afirma o secretário da Justiça de São Paulo, Belisário dos Santos Júnior, outro advogado de presos políticos que participou do movimento.
Conversão
A campanha pela anistia ganhou um considerável peso institucional com a adesão do senador
Teotonio Vilela à idéia. Arenista,
o senador presidida a comissão
mista responsável pela análise do
projeto no Congresso.
No dia 15 de abril de 1979, Vilela
deixa o partido governista e filia-se ao MDB. No mês seguinte, começaria a chamada "peregrinação" pelas cadeias de todo o país
onde havia presos políticos.
Inicialmente defensor da exclusão dos chamados crimes de sangue e de terrorismo da anistia, Vilela decidiu conhecer de perto as
pessoas acusadas desses atos.
"Não encontrei nenhum terrorista, mas jovens idealistas que arriscaram suas vidas pelo bem do
Brasil", disse Vilela ao final de sua
primeira visita, em São Paulo. E
acrescentou: "Convidaria todos
para se hospedarem em minha
casa, convite que não faço a muitos ministros do atual governo".
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