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COMENTÁRIO
Figueiredo bancou projeto
LUIZ CAVERSAN
Diretor da Sucursal do Rio
O ex-presidente João Baptista
Figueiredo, 81, costuma ser mencionado por ter pedido que o esquecessem, quando deixou o governo, e por dizer que, ao cheiro
"do povo", preferia o dos cavalos.
O último mandatário do governo militar (1964/1985) não ficará
para a história apenas pelas frases
e comportamento rudes de um
oficial de cavalaria. Mas também
como responsável pela votação da
Lei da Anistia e sua posterior e
imediata aplicação prática (volta
dos exilados, reintegração de parlamentares e funcionários públicos cassados etc.).
Em seu governo, Figueiredo
deu continuidade ao processo de
distensão política inaugurado pelo antecessor, Ernesto Geisel, e fez
valer as posições de seu grupo político dentro da comunidade militar, que também abrigava segmentos extremados antianistia.
Para que o governo visse aprovado seu projeto, o grupo liderado por Figueiredo teve de se sobrepor aos que não aceitavam
qualquer tipo de anistia.
A lei que o governo militar
aprovou no Congresso -por diferença de apenas cinco votos-
foi objeto de severas críticas, antes, durante e depois da votação.
Para militares como os generais
Otávio de Medeiros e Newton
Cruz, ela sequer deveria ter sido
votada. Para os líderes da oposição, como o senador Teotonio Vilela, não correspondia às expectativas da população, que procurava resistir com o bordão "anistia
ampla, geral e irrestrita".
Aprovada a lei, o também senador de oposição Paulo Brossard a
definiu como uma peça nada menos que "caolha, paralítica".
Um pouco menos contundente,
mas também crítico, foi o advogado Dalmo de Abreu Dallari, que
declarou: "No seu conjunto, a lei é
cheia de falhas técnicas e politicamente insuficiente". No entanto,
Dallari admitia tratar-se de "um
avanço em termos de reintegração de brasileiros à vida política".
Observada a 20 anos de distância, parece ter sido esse o mérito
da lei, mesmo que tão atacada à
época. Principalmente ao se levar
em conta o fato de o regime militar ainda estar em vigência, com
tudo o que isso significava então.
Por exemplo: na véspera da votação, enquanto em São Paulo pelo menos 5.000 pessoas se manifestavam pacificamente na praça
da Sé pela ampliação da abrangência da lei, em Brasília, um grupo de manifestantes era dispersado à base de bombas, lançadas
por "desconhecidos", depois
identificados como homens ligados aos setores militares.
Mesmo depois de aprovado o
projeto e sancionada a lei pelo
presidente, os simpatizantes do
aparato militar em vias de extinção tentavam não perder espaço.
Pressionaram fortemente o governo, e mais uma vez a atuação
do presidente Figueiredo foi decisiva, quando o recém-retornado
Leonel Brizola -tido e havido
pelos militares como um "incendiário"- anunciou sua intenção,
bem-sucedida, aliás, de se tornar
governador do Rio de Janeiro.
À gestão Figueiredo pode ser
imputada uma infinidade de problemas, como as bombas do Riocentro, a crise econômica brutal
em que mergulhou o país ou a
inapetência para governar do
próprio general ("A grande falha
da revolução foi terem me escolhido para presidente da República", declarou certa vez).
Chegou ao ponto máximo da
descortesia ao sair pelas portas
dos fundos do Alvorada para não
passar a faixa presidencial ao sucessor José Sarney.
Mas, por teimosia ou determinação, o fato é que Figueiredo fez
valer, em benefício da democracia, outra de suas frases deselegantes, ditas antes mesmo de assumir o governo: "É para abrir
mesmo (politicamente o país), e
quem quiser que não abra, eu
prendo e arrebento".
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