São Paulo, Quinta-feira, 26 de Agosto de 1999
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COMENTÁRIO
Figueiredo bancou projeto

LUIZ CAVERSAN
Diretor da Sucursal do Rio

O ex-presidente João Baptista Figueiredo, 81, costuma ser mencionado por ter pedido que o esquecessem, quando deixou o governo, e por dizer que, ao cheiro "do povo", preferia o dos cavalos.
O último mandatário do governo militar (1964/1985) não ficará para a história apenas pelas frases e comportamento rudes de um oficial de cavalaria. Mas também como responsável pela votação da Lei da Anistia e sua posterior e imediata aplicação prática (volta dos exilados, reintegração de parlamentares e funcionários públicos cassados etc.).
Em seu governo, Figueiredo deu continuidade ao processo de distensão política inaugurado pelo antecessor, Ernesto Geisel, e fez valer as posições de seu grupo político dentro da comunidade militar, que também abrigava segmentos extremados antianistia.
Para que o governo visse aprovado seu projeto, o grupo liderado por Figueiredo teve de se sobrepor aos que não aceitavam qualquer tipo de anistia.
A lei que o governo militar aprovou no Congresso -por diferença de apenas cinco votos- foi objeto de severas críticas, antes, durante e depois da votação.
Para militares como os generais Otávio de Medeiros e Newton Cruz, ela sequer deveria ter sido votada. Para os líderes da oposição, como o senador Teotonio Vilela, não correspondia às expectativas da população, que procurava resistir com o bordão "anistia ampla, geral e irrestrita".
Aprovada a lei, o também senador de oposição Paulo Brossard a definiu como uma peça nada menos que "caolha, paralítica".
Um pouco menos contundente, mas também crítico, foi o advogado Dalmo de Abreu Dallari, que declarou: "No seu conjunto, a lei é cheia de falhas técnicas e politicamente insuficiente". No entanto, Dallari admitia tratar-se de "um avanço em termos de reintegração de brasileiros à vida política".
Observada a 20 anos de distância, parece ter sido esse o mérito da lei, mesmo que tão atacada à época. Principalmente ao se levar em conta o fato de o regime militar ainda estar em vigência, com tudo o que isso significava então.
Por exemplo: na véspera da votação, enquanto em São Paulo pelo menos 5.000 pessoas se manifestavam pacificamente na praça da Sé pela ampliação da abrangência da lei, em Brasília, um grupo de manifestantes era dispersado à base de bombas, lançadas por "desconhecidos", depois identificados como homens ligados aos setores militares.
Mesmo depois de aprovado o projeto e sancionada a lei pelo presidente, os simpatizantes do aparato militar em vias de extinção tentavam não perder espaço. Pressionaram fortemente o governo, e mais uma vez a atuação do presidente Figueiredo foi decisiva, quando o recém-retornado Leonel Brizola -tido e havido pelos militares como um "incendiário"- anunciou sua intenção, bem-sucedida, aliás, de se tornar governador do Rio de Janeiro.
À gestão Figueiredo pode ser imputada uma infinidade de problemas, como as bombas do Riocentro, a crise econômica brutal em que mergulhou o país ou a inapetência para governar do próprio general ("A grande falha da revolução foi terem me escolhido para presidente da República", declarou certa vez).
Chegou ao ponto máximo da descortesia ao sair pelas portas dos fundos do Alvorada para não passar a faixa presidencial ao sucessor José Sarney.
Mas, por teimosia ou determinação, o fato é que Figueiredo fez valer, em benefício da democracia, outra de suas frases deselegantes, ditas antes mesmo de assumir o governo: "É para abrir mesmo (politicamente o país), e quem quiser que não abra, eu prendo e arrebento".


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