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DINHEIRO PÚBLICO
Banco libera maiores financiamentos ao setor automobilístico, que fechou 15,5 mil vagas em 12 meses
BNDES dá mais a quem emprega menos
FERNANDO CANZIAN
Editor de Brasil
Um dos setores que menos
criam empregos na economia e
que já demitiu 15,5 mil pessoas
nos últimos 12 meses é hoje o líder
na captação de dinheiro público
para investimentos via BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Outras áreas com até o dobro
do potencial de geração de novas
vagas de trabalho vêm recebendo
menos atenção do banco.
A conclusão, contraditória com
as declarações do presidente Fernando Henrique Cardoso que colocaram o combate ao desemprego como "questão central" na última reunião ministerial de seu
governo, se dá com base em informações do próprio BNDES.
Segundo estudo do banco, um
dos setores que menos geram empregos hoje é o automobilístico. A
cada R$ 1 milhão dado a empresas
da área criam-se 85 empregos
-contando vagas diretas, indiretas e o efeito da renda para a criação de outros empregos.
No entanto, as montadoras receberam só neste ano R$ 1,026 bilhão do BNDES, o maior volume
em empréstimos para uma única
área.
Capacidade
O setor com maior capacidade
de criação de vagas, o agropecuário, com potencial de 202 novos
empregos por R$ 1 milhão investido, obteve do banco menos de
R$ 700 milhões.
Outro, o comércio, com potencial de 149 vagas por R$ 1 milhão,
conseguiu apenas R$ 481 milhões
(veja quadro nesta página).
Em uma projeção, se todo o dinheiro dado às montadoras fosse
repartido entre três setores com
alto potencial de criação de empregos (agropecuário, comercial
e alimentício), o país poderia ter
criado neste ano 166.554 novas
vagas.
O número é quase três vezes
maior do que o total demissões na
indústria paulista em 99.
No ano passado, as montadoras
ficaram entre os três setores que
receberam as maiores fatias do
orçamento do banco.
Levaram R$ 1,276 bilhão, só ficando atrás, por causa das privatizações, do setor de telecomunicações (R$ 3,710 bilhões) e da produção e distribuição de energia e
água (R$ 4,233 bilhões). Mas agora lideram.
Os dois únicos setores que geram menos empregos que o automotivo, segundo o BNDES, são o
de refino de petróleo e o eletroeletrônico. Mas obtiveram juntos
menos de 20% (R$ 197 milhões)
do emprestado às montadoras.
"Os outros setores não recebem
mais porque não procuram o
banco. Dinheiro há", diz Sheila
Najberg, gerente da área técnica
do BNDES e assessora direta do
seu presidente, Andrea Calabi
(leia entrevista na pág. 1-11).
Representantes de setores com
uso de mão-de-obra intensiva
apontam, no entanto, o que chamam de "barreiras intransponíveis" para conseguir os empréstimos do BNDES, hoje os mais vantajosos do mercado.
"É ridículo o que o BNDES empresta hoje para o setor comercial", diz Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio
do Estado de São Paulo.
"Há grande espaço para novos
investimentos e criação de empregos, mas os obstáculos para
chegar ao dinheiro são enormes".
declara Szajman.
Investimentos
Segundo Denis Ribeiro, diretor
da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia),
há no setor uma forte disputa no
mercado, inclusive internacional,
que requer investimentos ainda
maiores. "Mas o governo parece
não ter consciência, e acha que
desenvolvimento é produzir automóvel. Não dá para entender."
O maior problema apontado
por quem quer recursos do
BNDES para investir é que têm
acesso direto ao banco oficial apenas as empresas com projetos de
investimento superiores a R$ 7
milhões. Valores abaixo disso,
com exceção do ramo de turismo,
têm de ser conseguidos em bancos privados autorizados a operar
com o BNDES.
""A burocracia e as exigências
são tantas que a maioria desiste",
diz Claudio Braga, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira.
Segundo ele, um exemplo de
negócio agropecuário com grande potencial de emprego hoje é o
café produzido nas regiões baianas de Mimoso e Barreiros, onde
a produtividade é até cinco vezes
maior que a de São Paulo.
"O problema lá é que, por causa
das exigências, ninguém consegue dinheiro barato como o do
BNDES", declara Braga.
Quem toma empréstimo do
BNDES hoje paga juros de 12,5%
ao ano. Em qualquer outro banco
o custo sobe a até 46% ao ano.
A maior atenção dada às montadoras de veículos, segundo José
Pinheiro Neto, presidente da Anfavea (Associação Nacional dos
Fabricantes de Veículos Automotores), deve-se a "uma política de
governo" de investir na área.
Hoje, dos investimentos totais
ao ano do setor, 25% vêm do dinheiro público do BNDES, sem
contar os incentivos fiscais que as
empresas recebem.
No caso mais polêmico e recente, o da Ford da Bahia, o governo
federal aprovou um único empréstimo de R$ 691 milhões com
dinheiro do BNDES e abriu mão
de arrecadar R$ 1,8 bilhão em impostos em dez anos.
Pinheiro Neto destaca que, embora gere um número menor, a
qualidade do emprego na indústria automobilística é "muito superior" ao de outras indústrias ou
do comércio, por exemplo.
Salário
Hoje, o salário médio no setor
automobilístico varia por região.
Segundo a CUT (Central Única
dos Trabalhadores) é de R$ 1.500
ao mês no ABC paulista, R$ 800
na Fiat em Betim (MG) e R$ 600
na Volks em Resende (RJ).
No setor comercial, segundo o
Dieese, a média é de R$ 622,00. Na
indústria de alimentos, R$ 540,00,
segundo a Abia.
Na agricultura, varia: vai de R$
160 para quem trabalha na enxada e R$ 250 para um tratorista a
até R$ 400 para quem trabalha na
ordenha de gado leiteiro, segundo
a SRB.
"Se o governo quer mais investimento em outros setores, em padarias, por exemplo, que dê dinheiro aos padeiros", diz o presidente da Anfavea. ""Resta saber se
as montadoras continuarão a ter
interesse em investir aqui."
Além das 15,5 mil demissões
contabilizadas nos últimos 12 meses, o setor prevê um corte na produção de até 285 mil unidades
neste ano.
Para Vicente Paulo da Silva, o
Vicentinho, presidente da CUT,
que concentra boa parte dos sindicatos ligados às montadoras, a
prioridade hoje é número de empregos e não somente o salário
das vagas. ""E nisso, o BNDES continua longe de fazer valer o 'S" do
social", diz o sindicalista.
Colaborou Ralph Machado, da Redação.
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