São Paulo, Domingo, 26 de Setembro de 1999
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DINHEIRO PÚBLICO
Banco libera maiores financiamentos ao setor automobilístico, que fechou 15,5 mil vagas em 12 meses
BNDES dá mais a quem emprega menos

FERNANDO CANZIAN
Editor de Brasil

Um dos setores que menos criam empregos na economia e que já demitiu 15,5 mil pessoas nos últimos 12 meses é hoje o líder na captação de dinheiro público para investimentos via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Outras áreas com até o dobro do potencial de geração de novas vagas de trabalho vêm recebendo menos atenção do banco.
A conclusão, contraditória com as declarações do presidente Fernando Henrique Cardoso que colocaram o combate ao desemprego como "questão central" na última reunião ministerial de seu governo, se dá com base em informações do próprio BNDES.
Segundo estudo do banco, um dos setores que menos geram empregos hoje é o automobilístico. A cada R$ 1 milhão dado a empresas da área criam-se 85 empregos -contando vagas diretas, indiretas e o efeito da renda para a criação de outros empregos.
No entanto, as montadoras receberam só neste ano R$ 1,026 bilhão do BNDES, o maior volume em empréstimos para uma única área.

Capacidade
O setor com maior capacidade de criação de vagas, o agropecuário, com potencial de 202 novos empregos por R$ 1 milhão investido, obteve do banco menos de R$ 700 milhões.
Outro, o comércio, com potencial de 149 vagas por R$ 1 milhão, conseguiu apenas R$ 481 milhões (veja quadro nesta página).
Em uma projeção, se todo o dinheiro dado às montadoras fosse repartido entre três setores com alto potencial de criação de empregos (agropecuário, comercial e alimentício), o país poderia ter criado neste ano 166.554 novas vagas.
O número é quase três vezes maior do que o total demissões na indústria paulista em 99.
No ano passado, as montadoras ficaram entre os três setores que receberam as maiores fatias do orçamento do banco.
Levaram R$ 1,276 bilhão, só ficando atrás, por causa das privatizações, do setor de telecomunicações (R$ 3,710 bilhões) e da produção e distribuição de energia e água (R$ 4,233 bilhões). Mas agora lideram.
Os dois únicos setores que geram menos empregos que o automotivo, segundo o BNDES, são o de refino de petróleo e o eletroeletrônico. Mas obtiveram juntos menos de 20% (R$ 197 milhões) do emprestado às montadoras.
"Os outros setores não recebem mais porque não procuram o banco. Dinheiro há", diz Sheila Najberg, gerente da área técnica do BNDES e assessora direta do seu presidente, Andrea Calabi (leia entrevista na pág. 1-11).
Representantes de setores com uso de mão-de-obra intensiva apontam, no entanto, o que chamam de "barreiras intransponíveis" para conseguir os empréstimos do BNDES, hoje os mais vantajosos do mercado.
"É ridículo o que o BNDES empresta hoje para o setor comercial", diz Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.
"Há grande espaço para novos investimentos e criação de empregos, mas os obstáculos para chegar ao dinheiro são enormes". declara Szajman.

Investimentos
Segundo Denis Ribeiro, diretor da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), há no setor uma forte disputa no mercado, inclusive internacional, que requer investimentos ainda maiores. "Mas o governo parece não ter consciência, e acha que desenvolvimento é produzir automóvel. Não dá para entender."
O maior problema apontado por quem quer recursos do BNDES para investir é que têm acesso direto ao banco oficial apenas as empresas com projetos de investimento superiores a R$ 7 milhões. Valores abaixo disso, com exceção do ramo de turismo, têm de ser conseguidos em bancos privados autorizados a operar com o BNDES.
""A burocracia e as exigências são tantas que a maioria desiste", diz Claudio Braga, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira.
Segundo ele, um exemplo de negócio agropecuário com grande potencial de emprego hoje é o café produzido nas regiões baianas de Mimoso e Barreiros, onde a produtividade é até cinco vezes maior que a de São Paulo.
"O problema lá é que, por causa das exigências, ninguém consegue dinheiro barato como o do BNDES", declara Braga.
Quem toma empréstimo do BNDES hoje paga juros de 12,5% ao ano. Em qualquer outro banco o custo sobe a até 46% ao ano.
A maior atenção dada às montadoras de veículos, segundo José Pinheiro Neto, presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), deve-se a "uma política de governo" de investir na área.
Hoje, dos investimentos totais ao ano do setor, 25% vêm do dinheiro público do BNDES, sem contar os incentivos fiscais que as empresas recebem.
No caso mais polêmico e recente, o da Ford da Bahia, o governo federal aprovou um único empréstimo de R$ 691 milhões com dinheiro do BNDES e abriu mão de arrecadar R$ 1,8 bilhão em impostos em dez anos.
Pinheiro Neto destaca que, embora gere um número menor, a qualidade do emprego na indústria automobilística é "muito superior" ao de outras indústrias ou do comércio, por exemplo.

Salário
Hoje, o salário médio no setor automobilístico varia por região. Segundo a CUT (Central Única dos Trabalhadores) é de R$ 1.500 ao mês no ABC paulista, R$ 800 na Fiat em Betim (MG) e R$ 600 na Volks em Resende (RJ).
No setor comercial, segundo o Dieese, a média é de R$ 622,00. Na indústria de alimentos, R$ 540,00, segundo a Abia.
Na agricultura, varia: vai de R$ 160 para quem trabalha na enxada e R$ 250 para um tratorista a até R$ 400 para quem trabalha na ordenha de gado leiteiro, segundo a SRB.
"Se o governo quer mais investimento em outros setores, em padarias, por exemplo, que dê dinheiro aos padeiros", diz o presidente da Anfavea. ""Resta saber se as montadoras continuarão a ter interesse em investir aqui."
Além das 15,5 mil demissões contabilizadas nos últimos 12 meses, o setor prevê um corte na produção de até 285 mil unidades neste ano.
Para Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, presidente da CUT, que concentra boa parte dos sindicatos ligados às montadoras, a prioridade hoje é número de empregos e não somente o salário das vagas. ""E nisso, o BNDES continua longe de fazer valer o 'S" do social", diz o sindicalista.


Colaborou Ralph Machado, da Redação.


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