São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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PSDB

Governador diz que tucanos devem "comer mais poeira" após eleições, afirma não ter medo de Lula e não descarta apoiar o PT

Alckmin defende reestruturação no PSDB

FERNANDO CANZIAN
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

ALENCAR IZIDORO
SÍLVIA CORRÊA
ANTÔNIO GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Geraldo Alckmin, 49, governador de São Paulo, diz que seu partido, o PSDB, deverá passar por uma "reestruturação" após as eleições. "Ficou meio solto", afirma. Figuras importantes que possam vir a ficar sem mandato nos próximos anos "não precisarão de cargos para ter luz própria". "O caminho é comer mais poeira. Não há partido que não se consolide muito próximo das organizações populares", diz.
Alckmin tenta a reeleição amanhã. Se as pesquisas para o governo e para a Presidência se confirmarem, o ex-vice de Mário Covas voltará como a principal figura do PSDB. Emerge ao lado do tucano eleito em Minas, Aécio Neves, 42.
Sobre a eleição presidencial, diz: "Meu candidato é o Serra". Declara não ter "medo nenhum" de um eventual governo Lula e, sobre comparações tucanas de Lula ao venezuelano Hugo Chávez, afirma: "Eu não faço esse tipo de campanha". Apoiaria o PT? "Se o projeto é bom, nós apoiamos."
Se reeleito, Alckmin promete "mexer muito no governo". Quer até reduzir os pedágios.
Elogios diretos só fez ao secretário da Segurança, Saulo de Castro Abreu Filho, 40. "Trabalhador, sério, corajoso. Tem prestígio no governo", disse Alckmin, em entrevista à Folha na última terça-feira. Horas depois, em uma tentativa de assalto, dois seguranças de seu filho Thomaz, 19, seriam baleados em São Paulo. Um morreu. Leia a entrevista:

Folha - Se eleito, como o sr. vai acomodar outros tucanos paulistas que possam vir a ficar sem mandato após as eleições?
Geraldo Alckmin -
Eu concordo com a tese de Mário Covas. Diante das adversidades, só há um caminho: lutar, combater e vencer.
Até domingo é só trabalho, só disposição de vencer. Depois, independentemente do resultado, a minha tese é que não deve haver terceiro turno. Precipitar o processo sucessório é ruim para o povo, diminui a governabilidade.

Folha - Mas há uma acomodação interna dentro do seu partido que vai precisar ser feita. Figuras importantes podem estar sem cargo.
Alckmin -
Essas figuras importantes não precisam de cargos para ter luz própria. O caminho do governo é o caminho da eficiência. Eu vou mexer muito no governo. [Sobre] o caminho do partido, acho, sim, que ele tem que fazer uma reestruturação. Isso é necessário. Inclusive amassar mais barro e comer mais poeira. Não há partido que não se consolide muito próximo das organizações populares, dos trabalhadores, da sociedade civil.

Folha - O sr. vê esse distanciamento do "amassar barro" em âmbito federal e na candidatura oficial?
Alckmin -
Acho que o PSDB, até pelas tarefas de governo, pelas altas responsabilidades dos últimos anos, acabou concentrando todos os seus quadros em tarefas executivas. E o partido ficou meio solto.
Acho que é importante a tarefa partidária. É bom para o país, para a democracia, ter partidos políticos fortes. Quem se eleger vai ter dificuldades, independentemente de ser o Serra ou o Lula. Ninguém vai ter maioria no Congresso.

Folha - O candidato José Serra disse que Lula, se eleito, vai perseguir quem não for da base aliada do PT. O sr. teme ser perseguido?
Alckmin -
Não, não temo. Seria um retrocesso que não cabe mais, uma coisa totalmente atrasada.

Folha - Então o sr. não tem medo de um governo Lula, sentimento evocado na campanha de Serra?
Alckmin -
O governo de São Paulo não [tem medo]. O que Serra tem colocado não é em relação aos governadores, mas em relação ao enfrentamento das crises.
Quem é o mais preparado para governar em um mundo que muda tão rápido? Eu não vejo diferença de natureza ética entre os dois candidatos. Acho o Lula uma pessoa extremamente respeitada, séria, um homem, do ponto de vista ético, inatacável. O que se discute é a questão de quem tem mais condições.

Folha - O sr. concorda com a propaganda de Serra, que compara a situação do Brasil em um governo Lula à da Venezuela?
Alckmin -
Não faço esse tipo de campanha, mas respeito a do Serra. Não tem nenhum demérito, não há ataque pessoal ao Lula. A comparação serve para a reflexão.

Folha - Ele colocou a atriz Regina Duarte dizendo que tem medo de um governo Lula. O sr. tem medo de um governo Lula?
Alckmin -
Eu não vejo nenhum problema no fato de ela dizer isso.

Folha - Mas o sr., pessoalmente, tem medo de um governo Lula?
Alckmin -
Não, medo nenhum. A alternância é da lógica democrática. Acho errado é criar dificuldades para a Regina Duarte. Patrulhamento político não cabe mais.

Folha - O PPS fez um material de campanha que propõe a chapa "Lula lá, Alckmin aqui". O sr. não se opôs e também não dá espaço para o Serra na sua propaganda. Isso não soa como abandono?
Alckmin -
Desde o começo, estamos ajudando Serra. Mas são duas eleições distintas. Não é possível imaginar que é uma dupla: escolha um, leve dois. Eu não vou obrigar o PPS a apoiar um candidato que ele não quer.

Folha - A "onda vermelha" não sugere exaustão com o tucanato?
Alckmin -
Mas eleição é assim mesmo. É natural. Isso é do processo democrático. Eleição se ganha, eleição se perde.

Folha - Mas existe um motivo para perder e para ganhar?
Alckmin -
O PSDB teve bons resultados. Em Minas Gerais, ganhou no primeiro turno. Aqui em São Paulo nós vamos trabalhar muito e vamos ganhar a eleição. Não se pode generalizar. O PT cresceu mais? Cresceu. É mais fácil hoje ser oposição do que ser governo. Amanhã o PT vai ser governo. Então, isso é natural, é próprio do processo democrático.

Folha - E o relacionamento com um eventual governo Lula?
Alckmin -
Meu candidato é Serra.

Folha - São os números, governador. O sr. está na frente, e o Lula está na frente.
Alckmin -
Nós temos uma postura diferente da do PT. Independentemente da origem, da iniciativa, se o projeto é bom, nós apoiamos. O PT já tem mais dificuldade. Somos mais plurais.

Folha - Em 98, Fernando Henrique podia faltar aos debates porque era conveniente eleitoralmente. Por que o Lula não pode?
Alckmin -
O que se discute é se o candidato deve ou não ir a debates. Eu acho que deve.

Folha - Errou FHC?
Alckmin -
Erraram os dois [FHC e Lula". Debater é obrigação do candidato. É respeito ao eleitor.

Folha - O sr. terá ressentimento em relação ao seu adversário, que tem dito que o sr. não tem estatura para ser governador e que chegou ao cargo por uma fatalidade -a morte de Mario Covas?
Alckmin -
Antes de ser político, eu me prezo de ser cristão. Não há ressentimento, de jeito nenhum. Só acho a crítica um elogio. O fato de eu ter sido vice-governador foi importante. E hoje não tenho dificuldades nas questões de governo exatamente porque, por seis anos, fiz um curso de administração.

Folha - O sr. disse há pouco que vai haver mudanças profundas no governo. O modelo esgotou-se?
Alckmin -
É normal. Você sempre está mudando para melhor, avançando. Eu sou governador há um ano e meio e quero ter a oportunidade de fazer um governo com a minha marca.

Folha - Quais serão as mudanças?
Alckmin -
Nossas prioridades são desenvolvimento, emprego e renda. Um esforço hercúleo no sentido de pisar no acelerador, pois agora a casa já está arrumada. Apoio à micro e à pequena empresa, turismo, agronegócio, política fiscal seletiva para a indústria, pólos tecnológicos.

Folha - Nesta semana, os paulistas assistiram à explosão de um carro-bomba. O PCC é uma facção criminosa que floresceu neste governo. O episódio não mostra que essa organização continua ativa?
Alckmin -
Não, ao contrário. O fato mostra que a polícia está mais preparada. Em São Paulo, ela se antecipa ao crime. O governo tem agido. Com escutas telefônicas, detectamos quem estava dentro do sistema prisional comandando o crime. Eles foram reindiciados e mandados todos para a Penitenciária de Presidente Bernardes, onde ficaram incomunicáveis. É uma guerra que não tem fim. Eles estão superenfraquecidos, a verdade é essa.

Folha - Mas em São Paulo o tráfico já fechou o comércio.
Alckmin -
Em São Paulo, não. Aqui não tem um local onde a polícia não entra. Uma vez eu estava no carro e ouvi que na favela Caixa-D'Água houve uma luta e morreu um traficante. Alguém passou e disse para o comércio fechar. Do carro eu liguei para o secretário da Segurança: "Rota! Saturação! Polícia para todo lado!". A polícia em 30 minutos estava lá.

Folha - Mas houve toque de recolher. O sr. admite?
Alckmin -
Não. Houve tentativa. Criminoso tentando conturbar a segurança vai ter sempre. Mas o doutor Saulo de Castro (Segurança) está fazendo um bom trabalho. É um secretário em quem eu tenho absoluta confiança, que tem prestígio no governo.

Folha - Como no caso do toque de recolher, antes da megarrebelião de 2001, o governo negava a existência do PCC.
Alckmin -
Eu não tenho essa informação. Veja bem, as pessoas presas se organizarem não é novidade. É próprio da natureza humana haver uma agregação. Isso existe no país inteiro. Pode mudar de nome, mas não vai acabar.

Folha - O secretário da Segurança fica em um segundo mandato?
Alckmin -
Nós só vamos comandar o futuro governo depois da eleição. Agora, é um secretário dos melhores que eu tenho. Trabalhador, sério, corajoso.

Folha - Por que as Corregedorias de polícia não respondem mais aos ofícios da Ouvidoria e por que não existem mais comissões com participação social de acompanhamento de letalidade e de estatísticas? Já são 400 os pedidos de informação a que elas não responderam.
Alckmin -
Nós é que criamos a Ouvidoria. Não há nenhuma razão para negar a informação à Ouvidoria. Ela tem total acesso.

Folha - Mas o acesso tem sido negado.
Alckmin -
Não tenho essa informação.

Folha - E sobre as comissões? A de acompanhamento de letalidade foi criada quando uma pesquisa mostrou que a polícia mata pelas costas. A de acompanhamento de estatísticas surgiu quando houve denúncias da maquiagem dos números. A poeira baixou, e elas terminaram.
Alckmin -
Veja bem, os números da polícia são transparentes. Quem quiser pode acompanhar. São públicos. Agora, há algumas pessoas que, em vez de apoiar as instituições, só as criticam.

Folha - Mas por que motivo as comissões não existem mais?
Alckmin -
Elas não foram extintas. Quem extinguiu?

Folha - O doutor Saulo.
Alckmin -
Ele as extinguiu?

Folha - Sim.
Alckmin -
Eu vou confirmar essa informação. Não há nenhuma orientação para omitir dados.

Folha - O que o sr. acha de infiltrar criminosos em ações de inteligência policial? De dar a eles carro, arma e celular?
Alckmin -
Se permitido pela lei, sou favorável. Não só à infiltração, a tudo o que puder ser feito para enfrentar as organizações criminosas e derrotá-las.

Folha - No caso das ações do Gradi (Grupo de Repressão e Análise de Delitos de Intolerância), as autorizações judiciais não eram específicas. O sr. acha que houve uma interpretação...
Alckmin -
Cabe à Justiça dizer.

Folha - O sr. sabia?
Alckmin -
Sabia, claro.

Folha - O sr. conhecia em detalhes o teor da decisão do juiz?
Alckmin -
Detalhes, evidentemente não. Agora, houve ordem judicial para uma ação e ela foi feita de outra forma? Apura-se. Se alguém errou, pune-se.

Folha - O sr. está satisfeito com os resultados da segurança pública?
Alckmin -
Eu acho que demos passos importantes e que a população, embora ache que falta muito a fazer, já tem a sensação de que a polícia está na rua. Se você disser: "Você acha que está bom?". Não, não acho. Eu acho que nós temos que avançar muito mais.



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