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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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FISCO EM GUERRA

Mesmo após ameaças de Palocci, Leão acusa secretário de conspiração

Corregedor volta a atacar Rachid em ofício à Justiça

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em ofício remetido à Justiça Federal, o corregedor-geral do fisco, Moacir Leão, fez duros ataques a seu chefe, Jorge Rachid, secretário da Receita Federal.
Acusou-o de tomar parte de "conspiração", de criar "embargos e dificuldades a apurações" de corrupção e de participar de diálogos que "não deixam margem à dúvida quanto a ilícitos administrativos e penais".
O texto de Leão chegou à Justiça em 16 de outubro. Dois dias antes, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) chamara Leão ao seu gabinete. Na presença de Rachid, exigiu o fim da disputa interna.
Depois do encontro, em nota oficial, o ministro disse que os dois subordinados "mostraram total disposição de trabalharem juntos na construção de uma Receita Federal eficiente, competente e coesa". A coesão apregoada por Palocci desfaz-se nas páginas do processo 2003.34.00.032798-4, em tramitação na 9ª Vara da Justiça Federal de Brasília.
Anexado ao ofício de 16 de outubro, o corregedor Leão encaminhou cópia de correspondência que remetera ao Ministério Público em 1º de setembro.
O texto investe contra Rachid de modo ainda mais incisivo: "[...] no mesmo sentido de opor embargo à ação da correição, com a finalidade de impedir que ilícitos graves sejam apurados, há indícios de que o atual secretário da Receita Federal, Jorge Antônio Deher Rachid, possa ainda estar envolvido na tentativa de forjar suspeição contra a chefe da divisão de ética e disciplina da Corregedoria Geral [Maria Elizabeth Ungethuem] e contra o próprio corregedor-geral [...]".
A pedido da reportagem, a assessoria de Rachid informou-o, em detalhes, sobre o texto. Pediu que se manifestasse. O secretário da Receita quis o silêncio.
A ressurreição da crise que corrói a imagem da Receita devolve à agenda um problema que o governo imaginava superado. Na reunião que teve com Rachid e Leão, Palocci deixou no ar uma ameaça. Conforme versão difundida por ele próprio, disse aos dois: "Vocês sabem que sou cirurgião e sei cortar".
Embora Palocci seja médico sanitarista, sua metáfora não deixou margem para dúvidas. Se a Receita voltasse a ser exposta no noticiário, demitiria Leão, Rachid ou ambos. O ministro recebeu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva carta-branca para administrar o problema.
A nova manifestação de Leão foi provocada por uma intimação do juiz Antônio Corrêa. Ele é titular da 9ª Vara Federal de Brasília. Analisa um processo que nasceu justamente da divergência entre Leão e Rachid.

"Abuso de direito"
A origem é um memorando (número 401/2003) enviado em 17 de setembro pelo corregedor Leão ao superintendente da Receita Federal no Centro-Oeste, Nilton Tadeu Nogueira, amigo de Rachid.
No memorando, Leão intima Nilton Tadeu a responder a um questionário de quatro perguntas. Em todas elas, o nome de Rachid é mencionado:
1) "Frequenta V.Sa. ou frequentou a residência do doutor Jorge Rachid?";
2) "O doutor Jorge Rachid frequenta ou já frequentou a residência de V.Sa.?";
3) "Mantém V.Sa. com o doutor Jorge Rachid contatos telefônicos fora do horário de expediente e em finais de semana mediante o uso de telefones particulares?";
4) "Teve V.Sa. encontros festivos e/ou comemorativos tais como em aniversários, almoços e jantares ou em reuniões fora do local de trabalho com o doutor Jorge e/ou com familiares deste e os de V.Sa.?".
O superintendente Nilton Tadeu considerou que a inquirição do corregedor Leão violava a sua privacidade. Abespinhado, ajuizou mandado de segurança, com pedido de liminar. Buscava amparo legal para dar de ombros aos questionamentos de Leão.
Em 29 de setembro, o juiz Antônio Corrêa concedeu a liminar. Considerou o memorando de Leão "ilegal, decorrente de abuso de direito [...]". Mas, como toda decisão liminar, o despacho do juiz tem valor temporário. No caso específico, visou apenas evitar prejuízos incontornáveis a Nilton Tadeu. O corregedor ameaçava impor-lhe um processo administrativo caso não respondesse à inquirição.
O juiz terá agora de julgar a causa em termos definitivos. Antes, precisa munir-se de dados. Foi por isso que intimou Leão a prestar esclarecimentos. Pediu que explicasse as motivações do memorando inquisitivo.
No ofício que remeteu ao juiz (número 011/2003), apenas 48 horas depois de ter dito ao ministro Palocci que nada tinha contra Rachid, Leão traz à tona todos os contenciosos que turvam os subterrâneos da Receita.
Para começar, ele deixa claro que, ao inquirir Nilton Tadeu, visava mesmo a Rachid. Considera-o suspeito para julgar representação formulada contra um auditor fiscal chamado Ruben Seixas Neto. Foi ele quem denunciou, em 27 de agosto, suposta pressão que teria recebido da cúpula da Receita para "encerrar sem resultados" fiscalização sobre o ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira (gestão FHC).
Na presença de Leão, o fiscal Seixas Neto disse ter sido pressionado sobretudo por Nilton Tadeu, que era delegado da Receita em Brasília à época em que Eduardo Jorge encontrava-se sob auditoria. Munido de uma carta em que, ao contrário de pressionar pelo fim da fiscalização, pede a sua postergação, Nilton Tadeu revoltou-se.

"Secretário é suspeito"
Encaminhou ao secretário Rachid uma representação administrativa contra o fiscal.
Em ofício a Leão, Rachid abordou o assunto. Leão irritou-se. Na resposta ao juiz, o corregedor se refere assim à correspondência que recebeu do chefe: "Em procedimento inusual, o secretário da Receita Federal informou ao corregedor que havia recebido a representação contra o auditor fiscal, determinando que fosse remetida cópia do termo de constatação lavrado na Corregedoria Geral referente ao depoimento do auditor Ruben Seixas. Ou seja, avocou tacitamente a análise da referida representação".
Na opinião de Leão, cabe a ele, e não a Rachid, analisar a queixa contra o fiscal Ruben Seixas. Disse o corregedor ao juiz: "Não pode remanescer dúvida de que o secretário da Receita Federal, amigo pessoal do impetrante [Nilton Tadeu] é suspeito para instaurar e julgar o processo [...]".
Estava explicado o motivo da inquirição de Leão a Nilton Tadeu. O corregedor queria elementos que o levassem a arguir a suspeição de Rachid. Além do pedido de liminar que encaminhou ao Judiciário, Nilton Tadeu encaminhou a Rachid uma segunda representação administrativa, dessa vez contra Leão.
Na resposta ao juiz, o corregedor se refere ao gesto assim: "[...] apressou-se em também representar contra o corregedor-geral [...] Ficou assentado, com clareza meridiana, que Nilton Tadeu Nogueira e o secretário da Receita Federal Jorge Rachid não apenas são amigos como, juntos, na intimidade e cumplicidade, entabulavam conspiração contra o corregedor-geral".
A suposta "conspiração" já fora mencionada por Leão no ofício que havia enviado ao Ministério Público e que anexou à resposta entregue ao juiz da 9ª Vara. O corregedor explica em minúcias qual seria o objetivo da manobra.
Diz: "[...] visa, como demonstram os fatos [...], simular situação de suspeição da autoridade maior da Corregedoria em benefício do auditor fiscal Sandro Martins Silva, até recentemente lotado na assessoria do próprio secretário [Rachid], e do auditor fiscal aposentado Paulo Baltazar Carneiro, ex-secretário-adjunto da Receita Federal, processados pela Corregedoria em inquérito no qual o titular da Receita [Rachid de novo] tem interesse pessoal [...]".
Leão refere-se a caso da empreiteira OAS. Foi multada pela Receita em R$ 1,1 bilhão. Rachid, à época fiscal em Salvador, compunha a equipe que lavrou a infração. Numa fase em que estavam desligados da Receita, os auditores Sandro Martins e Paulo Baltazar prepararam o recurso da empresa ao Conselho de Contribuintes da Receita -a dívida caiu para R$ 25 milhões. Leão diz que receberam R$ 18 milhões.


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