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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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ELIO GASPARI

O estilo Viana de persuasão

O líder do PT no Senado, Tião Viana, precisa ler mais sobre a Casa onde exerce seu mandato. Há nela hábitos e modos, e ele os atropelou na quarta-feira da semana passada. Deu-se o seguinte:
O senador sergipano Almeida Lima (PDT) foi à tribuna para denunciar a malversação de dinheiro da Viúva pela administração do prefeito petista Marcelo Déda em Aracaju. Poucas vezes uma denúncia desse tipo, relacionada com a área da saúde, foi tão fácil de ser entendida.
Almeida reclamava de pagamentos somando R$ 462 mil para serviços de corte de grama e jardinagem em 23 postos de saúde da cidade. Esse ervanário equivale a 3,5% do que a prefeitura recebe mensalmente para cuidar da saúde da patuléia.
Alguém pode dizer que os postos de saúde não devem ficar no meio de matagais. Almeida Lima exibiu 16 fotografias. Mostrou áreas onde gastaram R$ 100 mil para capinar 1.500 m2 de terra.
De acordo com os números do Incra, com um dinheiro desses compra-se uma fazenda de 350 hectares no sertão onde nasceu Lula. Noutro lugar, pagaram R$ 5.900 para que se capinasse uma garagem. Em dois postos de saúde (um deles chamado Madre Teresa de Calcutá), gastaram R$ 17 mil para que se capinasse uma área cimentada.
Toda essa preocupação paisagística ocorreu em agosto, setembro e outubro de 2002. Por coincidência, eram os meses da campanha eleitoral.
Os senadores não gostam que disputas estaduais sejam levadas para a tribuna da Casa. Por isso, tenderiam a deixar os gramados babilônicos de Marcelo Déda em paz. Foi nessa hora que entrou em cena o senador Tião Viana, líder do PT. Começou seu discurso parecendo-se com o marquês do Paraná. Lembrou que a disputa era paroquial e informou que "o prefeito Marcelo Déda espera, com muita tranquilidade e sabedoria, o momento oportuno para se pronunciar". (A choldra também.)
Terminado o seu instante Paraná, tornou-se Tião Viana: "Comunico que recebi a informação de que, no mês de julho, durante a convocação extraordinária, Vossa Excelência estava no Chile, a passeio. Assim, indago: foi devolvida a ajuda de custo da convocação extraordinária? Seria um caso de improbidade, seria um caso de desvio de responsabilidade?".
Pouco antes da ida de Almeida Lima para a tribuna, Tião Viana sugerira-lhe esquecer o assunto, para que não fosse obrigado a ouvir denúncias contra sua própria conduta. Almeida o desafiou. Essa cena foi vista pelo deputado Mendonça Prado, que estava no plenário.
Viana respondeu a uma denúncia com outra, como se um prefeito capinando cimento pudesse ser anulado por um senador recebendo o que não deve. Pior. Viana sugeriu que sabe mais, mas prefere intimidar um adversário político a defender o bem público. Disse assim: "No mais, senhor presidente, denúncias de outra natureza não quero trazer ainda neste momento".
O senador Almeida voltou à tribuna e exibiu um requerimento que encaminhou à Mesa no dia 2 de julho, licenciando-se de 7 a 17 daquele mês. (Foi ao Chile passear, com a família, à sua custa.) Ao fim do requerimento disse: "No período de ausência, regimentalmente, estão previstas seis sessões deliberativas. Caso ocorram, solicito que, quanto ao pagamento da ajuda de custo extraordinária, sejam feitas as deduções na forma da lei".
Tião Viana continuou em seu lugar, impávido. Num episódio semelhante,convencida de ter feito uma acusação infundada ao senador Artur Virgílio, a petista Ideli Salvati se retratou com elegância e grandeza. Almeida pediu formalmente que as faltas fossem descontadas. No seu caso, coisa de R$ 5.000, no máximo.
Com o conhecimento das lideranças partidárias, a Mesa, presidida pelo senador José Sarney, resolveu não descontar dias parados aos senadores que tivessem comparecido a mais da metade das sessões. (Uma compreensão dessas é tudo o que os trabalhadores esperam das reformas do governo.)
O comportamento do senador Tião Viana no episódio confirma a obsessão intimidatória do PT-Federal. Não faz bem um clima onde se possa ouvir: "Não fale da muamba do Sansão porque eu falo dos roubos de Dalila". Depois do incidente, referindo-se a Almeida, Viana disse a um senador que "temos coisa pesada contra ele". Por que não conta?
Tudo isso pode ser bem resolvido se o doutor Marcelo Déda devolver à Viúva o dinheiro que sua administração gastou capinando pátios cimentados. O senador Almeida pode devolver à Mesa o dinheiro que ela lhe pagou indevidamente, pois requerera que não o fizesse. Já o senador Tião Viana vai à tribuna e revela os nomes de todos os seus colegas que receberam por dias não-trabalhados. Nas suas palavras: "Seria um caso de improbidade, seria um caso de desvio de responsabilidade?".
Assim a Viúva fatura algum para gastar com a escumalha em Aracaju.

O comissário da Saúde diz o que quer

No auge da crise do loteamento do Instituto Nacional de Câncer, em agosto, doutor Jorge Solla, um dos comissários do Ministério da Saúde, deu-se ao luxo de fazer uma ironia em cima da administração do médico Jacó Kligerman na instituição. Informou que em 2002 ele tinha feito 80% das compras pelo sistema de emergência. O doutor Solla lembrou que isso não era ilegal, mas revelava falta de planejamento.
Em duas oportunidades Kligerman lhe perguntou de onde tirara essa porcentagem. Solla disse que remeteria os números. Nada.
Agora Kligerman conseguiu os números e os remete, publicamente, a Solla. Em 2002 a administração do Inca gastou R$ 126,22 milhões em compras. Desse total, R$ 90,5 milhões foram licitados (76%). As compras de emergência equivaleram a R$ 8,44 milhões (6,7%).
É possível que o doutor Solla tenha chegado aos seus 80% porque, havendo 1.227 processos de compras, mais de mil referiam-se a emergências. Nesse caso, como ele certamente entende de compras e de honra, deveria explicar que, se alguém confundiu 80% dos processos com 80% das despesas, acreditou em bobagem.
Sabe-se que o PT-Federal não respeita seus dissidentes, mas pode-se pedir que respeite as pessoas que nada tem a ver com ele.

Cena bíblica

O estado de saúde de João Paulo 2º e a disposição com que ele vem expondo ao mundo o seu sofrimento físico criam a possibilidade de um acontecimento que não passava pela cabeça de ninguém: assim como sucedeu a tantas figuras exemplares do catolicismo (a começar por Jesus Cristo), o papa pode morrer numa cena pública. Algo como morrer ao vivo.
Hoje, o favorito para a sucessão de João Paulo 2º é o arcebispo de Milão, Dionigi Tettamanzi, de 69 anos. Quando o arcebispo de Milão pode ser eleito papa, ele é eleito papa. Nos últimos cem anos, foi assim com os cardeais Ratti (Pio 11 de 1922 a 1939) e Montini (Paulo 6º de 1963 a 1978). Tettamanzi foi transferido de Gênova em julho do ano passado.
Há uma mandinga segundo a qual quem entra papa num conclave sai cardeal. Ratti e Montini entraram papa e saíram papa.

Compañeros

Quem detonou o secretário Luiz Eduardo Soares foram os companheiros petistas que ele concordou em nomear. Nomeou porque quis. Teve abundantes sinais de que pretendiam fritá-lo.

Campo minado

Lula não deve contar com o Chile em suas manobras diplomáticas. Não só os chilenos estão muito bem entendidos com os Estados Unidos, como o presidente Ricardo Lagos não gosta nem um pouco da teatralidade petista.

Ruína espetacular

A central de eventos de Duda Mendonça deixou escapar o décimo aniversário do mandarinato da ekipekonômica, iniciado em maio 1993 com a ida do professor Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda. Nesta semana, ela pode comemorar:
1) O aumento do desemprego em São Paulo durante o mês de setembro. Esse tipo de ruína só acontece em períodos recessivos. Normalmente, o segundo semestre é um período de respiro para os desocupados.
2) O governo de Lula sugeriu que iria criar 10 milhões de empregos e já produziu 780 mil desempregados. É possível que os sábios da ekipekonômica possam oferecer a Duda um evento de coroação do 1.000.000º desempregado logo depois do carnaval.
3) Em seu décimo aniversário, a ekipekonômica também pode se orgulhar de dois novos números. De cada dez brasileiros ocupados, oito ganham até três salários mínimos. No ano passado, 96% dos empregos gerados no país pagavam até um salário mínimo.

ENTREVISTA

Rubem César Fernandes

(60 anos, antropólogo, diretor do Viva Rio.)

- A bandidagem deve comemorar a exoneração de Luiz Eduardo Soares da Secretaria Nacional de Segurança Pública?
- O crime não está nem aí para uma crise desse tipo. O Luiz Eduardo vinha fazendo um trabalho excepcional. Deixou o cargo num incidente com aspectos pessoais que está massacrando duas profissionais altamente qualificadas. Algum dia, a bandidagem poderá comemorar a exoneração do Luiz Eduardo se o trabalho dele se perder. É comum que a saída de um secretário provoque mudanças de equipe e a perda da memória do que vinha sendo feito. O Luiz Eduardo estava montando um programa e um plano de segurança pública como nunca se fez outro no Brasil. Felizmente, o trabalho da secretaria foi acompanhado pelo ministro Márcio Thomaz Bastos.
- Todos os governos fazem planos mirabolantes de segurança. O que há de novo no atual?
- Durante muito tempo, funcionou no governo federal um balcão de projetos. O governador ou o prefeito ia a Brasília com uma lista e solicitava recursos para comprar tantas armas, viaturas ou coletes. Agora existirá um plano ao qual devem se adequar as solicitações. Tantos carros? Para quê? Por quê? Qual a relação entre a política de segurança do Estado e as viaturas pedidas? Outra inovação será a criação dos Gabinetes Integrados de Gestão de Segurança Pública. Hoje, em todos os níveis, a segurança é reativa, desordenada e desmemoriada. Esse gabinete integrado junta as polícias e coordena os esforços. A experiência já funciona no Rio Grande do Sul, na Paraíba e no Espírito Santo, além de cem municípios, entre os quais os da região metropolitana de Recife. Está em curso a montagem de um sistema de informações que permitirá o trabalho com metas e com a visão local. Estão sendo desenvolvidos programas de computador para o geoprocessamento de informações. Eles permitem acompanhar as ocorrências em cada bairro de uma cidade. Todas essas ações deverão se integrar num Sistema Único de Segurança Pública.
- O que o senhor sugere para evitar que isso tudo vá para o lixo?
- Espero que a equipe do Luiz Eduardo resolva permanecer na secretaria e que ela seja mantida. É obvio que ocorrerão mudanças, mas acho importante que a nova equipe trabalhe junto com atual de forma a assimilar o que se está fazendo. Essa crise foi detonada por uma dinâmica de denúncias. Se essa dinâmica determinar o futuro da secretaria, perderemos a continuidade de um excelente trabalho.

Convite

Lula deveria convidar a cúpula científica e jurídica de seu governo para uma grande comemoração dos 50 anos do Instituto de Matemática Pura e Aplicada. A instituição fica no Rio, nas matas do Horto. Teve o economista Mário Henrique Simonsen entre seus professores.
O Planalto poderia marcar a festa para 13 de novembro, dia em que o prédio do Impa será leiloado para cobrir uma dívida trabalhista de R$ 2,6 milhões, cobrada por ex-pesquisadores que lutam por seus direitos desde 1986.


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