São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

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JUDICIÁRIO

Leandro Despouy, da ONU, afirma que há magistrados brasileiros vinculados aos poderes político e econômico

Ação de juiz "explica" impunidade, diz relator

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O relator da ONU que prepara documento crítico sobre o Judiciário brasileiro, o argentino Leandro Despouy, disse que há juízes em vários Estados vinculados aos poderes político e econômico locais e que isso, além de afetar a independência do Poder, "explica" a impunidade no país.
"Em muitas cidades do interior dos Estados, a ligação dos juízes com os setores que detêm o poder político e econômico acaba por afetar a independência do Poder Judiciário e explica o alto nível de impunidade verificado", afirmou, em texto com considerações preliminares divulgado ontem.
Despouy declarou, em entrevista para expor as primeiras conclusões, que tentará "documentar ao máximo" as informações que recebeu nesse sentido.
Ele também disse que há denúncias de envolvimento de magistrados em crime de exploração sexual de crianças e que essa seria uma das causas da falta de investigação de casos registrados nas regiões Norte e Nordeste.
"Talvez a situação mais preocupante da realidade brasileira seja a precária situação em que se encontram as crianças e os adolescentes no país... Os testemunhos mostram que, nos Estados do Norte e do Nordeste, a maioria dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes não é investigada e que, em muitos casos, existe o envolvimento do próprio Poder."
Entre 13 de outubro e ontem, Despouy teve 60 reuniões com cerca de 500 pessoas em Brasília, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belém. A maioria dos ouvidos é composta por juízes, membros do Ministério Público e advogados.
Ontem, ele conversou com os presidentes do STF (Supremo Tribunal Federal), Nelson Jobim, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Edson Vidigal, e da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Cláudio Baldino Maciel. Jobim disse, por meio de sua assessoria, que o relatório dará uma contribuição importante para o aprimoramento da Justiça, sem entrar em detalhes.
Despouy visitou o Brasil como relator especial da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas para apresentar à comissão um relatório sobre a Independência de Juízes e Advogados.
O relatório será elaborado até dezembro e submetido à aprovação da comissão no início do ano. Se aprovado, representará uma recomendação da ONU de aprimoramento do Judiciário brasileiro e servirá de referência para atuação de organizações não-governamentais no país, disse ele.
Despouy antecipou que defenderá o poder do Ministério Público de conduzir investigações criminais, a criação do Conselho Nacional de Justiça (o órgão de controle externo previsto na reforma do Judiciário), o fortalecimento das defensorias públicas como forma de aumentar o acesso da população carente à Justiça e a adoção de medidas que dêem mais rapidez ao processo judicial.
Sobre a lentidão processual, disse que a situação é mais grave em São Paulo e que, neste Estado, a distribuição de um habeas corpus, um tipo de recurso mais urgente, chega a demorar 90 dias.
O relator da ONU anunciou que recomendará a criação de varas judiciais especializadas em determinados temas, particularmente a questão agrária e a defesa da infância e da juventude.
Em visita ao Brasil no ano passado, a relatora especial da ONU para execuções sumárias, Asma Jahangir, criticou de forma contundente o Judiciário no país, o que causou polêmica.


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