São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 2006

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JANIO DE FREITAS

O vício resiste

Nas circunstâncias atuais, a pretensão de impeachment de Lula disfarça mal a idéia de um golpe branco

A SIMULTANEIDADE de eleição presidencial e caso dossiê trouxe de volta uma idéia que muitos diziam para sempre extinta na vida política brasileira. Não importa que esteja restrita a uma parte das eminências do PSDB, como a um pequeno grupo pefelista, e aparentemente a um ou outro meio de comunicação. Nem faz diferença que se apresente como um recurso de ordem judicial, amparado em preceitos legais. Nas circunstâncias em que se apresenta, a pretensão de impeachment de Lula, mesmo no decorrer do previsto segundo mandato, disfarça mal a idéia de um golpe branco.
É possível argumentar que as ações judiciais já entradas contra Lula nasceram das ocorrências do dossiê, e não do propósito de afastá-lo da Presidência. Os contra-argumentos não são escassos. A começar de que a idéia de impeachment emergiu, inclusive publicamente, antes de haver qualquer indício de comprometimento direto de Lula ou mesmo indireto, do seu gabinete, na história ainda inconvincente do dossiê.
O que Tasso Jereissati, Jorge Bornhausen, Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Alckmin apresentam como comprometimento são adulterações de certos fatos ou ficções de sua autoria. Como dizer, por exemplo, que se "o chefe-de-gabinete da Presidência telefonou a Jorge Lorenzetti para saber de informações, Lula sabia de tudo" (Tasso Jereissati, mas não só ele). Se ligou para saber do que se tratava, até prova em contrário, é porque nenhum dos dois sabia. O comprometimento de Lula, ou de alguém que o comprometa de fato, é possível como tantas outras possibilidades, inclusive a armação de oposicionistas, mas nada fundamentou tal hipótese, até agora. Fatos por fatos, a armação até se aparenta menos aérea.
No Estado de Israel, o presidente está em processo criminal, sob a acusação de violentar uma mulher e importunar, com propósito semelhante, outras nove ou dez. O primeiro-ministro Ehud Olmert, notabilizado pela investida militar no Líbano, está sob a acusação de colaborar para atos de corrupção. Nos Estados Unidos, é notório o envolvimento do vice-presidente Dick Chenney, acobertado por Bush, com empresas postas sob graves acusações de desvios que chegariam a US$ 1 bi, no Iraque. Todos esses casos levam, nos seus países, a falar de investigação (muito mais em Israel do que nos EUA) e, se couber, julgamentos judiciais. Em nenhum há ação judicial com objetivo de impeachment.
Por que, no Brasil, antes mesmo que a investigação ao menos progrida um pouco, e se livre de seus aspectos estranhos, políticos com grandes responsabilidades adotam, afoitos, a idéia e os passos iniciais para impeachment? Por que, se a essência desse movimento não se confundir com a idéia de golpe branco?
"Lula não pode sair incólume dessa fraude", pregava anteontem o senador Tasso. "Não sair incólume" é uma expressão que não permite duas interpretações. No caso de um candidato à reeleição, é que não possa chegar ao segundo mandato. No caso de presidente eleito ou reeleito, a única maneira de "não sair incólume" é perder a Presidência.
Pelo que se sabe do caso dossiê, a idéia de impeachment (ou de invalidação da candidatura) fica entre os desatinos. Mas revela bastante. Ou confirma.


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