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JANIO DE FREITAS
O vício resiste
Nas circunstâncias atuais, a pretensão de impeachment de Lula disfarça mal a
idéia de um golpe branco
A SIMULTANEIDADE de eleição
presidencial e caso dossiê
trouxe de volta uma idéia que
muitos diziam para sempre extinta
na vida política brasileira. Não importa que esteja restrita a uma parte
das eminências do PSDB, como a
um pequeno grupo pefelista, e aparentemente a um ou outro meio de
comunicação. Nem faz diferença
que se apresente como um recurso
de ordem judicial, amparado em
preceitos legais. Nas circunstâncias
em que se apresenta, a pretensão de
impeachment de Lula, mesmo no
decorrer do previsto segundo mandato, disfarça mal a idéia de um golpe branco.
É possível argumentar que as
ações judiciais já entradas contra
Lula nasceram das ocorrências do
dossiê, e não do propósito de afastá-lo da Presidência. Os contra-argumentos não são escassos. A começar
de que a idéia de impeachment
emergiu, inclusive publicamente,
antes de haver qualquer indício de
comprometimento direto de Lula
ou mesmo indireto, do seu gabinete,
na história ainda inconvincente do
dossiê.
O que Tasso Jereissati, Jorge Bornhausen, Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Alckmin apresentam
como comprometimento são adulterações de certos fatos ou ficções de
sua autoria. Como dizer, por exemplo, que se "o chefe-de-gabinete da
Presidência telefonou a Jorge Lorenzetti para saber de informações,
Lula sabia de tudo" (Tasso Jereissati, mas não só ele). Se ligou para saber do que se tratava, até prova em
contrário, é porque nenhum dos
dois sabia. O comprometimento de
Lula, ou de alguém que o comprometa de fato, é possível como tantas
outras possibilidades, inclusive a armação de oposicionistas, mas nada
fundamentou tal hipótese, até agora. Fatos por fatos, a armação até se
aparenta menos aérea.
No Estado de Israel, o presidente
está em processo criminal, sob a
acusação de violentar uma mulher e
importunar, com propósito semelhante, outras nove ou dez. O primeiro-ministro Ehud Olmert, notabilizado pela investida militar no Líbano, está sob a acusação de colaborar para atos de corrupção. Nos Estados Unidos, é notório o envolvimento do vice-presidente Dick
Chenney, acobertado por Bush, com
empresas postas sob graves acusações de desvios que chegariam a
US$ 1 bi, no Iraque. Todos esses casos levam, nos seus países, a falar de
investigação (muito mais em Israel
do que nos EUA) e, se couber, julgamentos judiciais. Em nenhum há
ação judicial com objetivo de impeachment.
Por que, no Brasil, antes mesmo
que a investigação ao menos progrida um pouco, e se livre de seus aspectos estranhos, políticos com
grandes responsabilidades adotam,
afoitos, a idéia e os passos iniciais
para impeachment? Por que, se a essência desse movimento não se confundir com a idéia de golpe branco?
"Lula não pode sair incólume dessa fraude", pregava anteontem o senador Tasso. "Não sair incólume" é
uma expressão que não permite
duas interpretações. No caso de um
candidato à reeleição, é que não possa chegar ao segundo mandato. No
caso de presidente eleito ou reeleito,
a única maneira de "não sair incólume" é perder a Presidência.
Pelo que se sabe do caso dossiê, a
idéia de impeachment (ou de invalidação da candidatura) fica entre os
desatinos. Mas revela bastante. Ou
confirma.
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