|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Militares relatam morte de guerrilheiros do Araguaia
Soldados dizem ter visto tortura e enterro de comunistas cujos corpos nunca apareceram
Exército afirma que não vai comentar novas revelações feitas à Promotoria e à Folha por militares que atuaram contra guerrilha nos anos 70
SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A IPAMERI (GO)
Militares que participaram
na primeira metade dos anos
70 da repressão à guerrilha organizada pelo PC do B na Amazônia contaram em depoimentos ao Ministério Público do
Pará ter presenciado torturas e
a morte de guerrilheiros e camponeses pelo Exército.
Outros militares que também atuaram contra a guerrilha do Araguaia -região formada por áreas do sudeste do Pará,
norte de Tocantins e sul do Maranhão- disseram à Folha, em
Ipameri (cidade a 200 km de
Goiânia), que, além de mortes e
torturas, assistiram ao enterro
de comunistas cujos corpos jamais apareceram.
O Exército anunciou que não
comentaria as novas revelações. Cerca de 70 corpos de
guerrilheiros permanecem desaparecidos. A guerrilha foi
aniquilada em 1975, após três
anos de ação militar.
Pelo menos dez depoimentos foram prestados em 2005
por iniciativa dos militares, em
Marabá (PA). Eles serviram de
base para as ações da Justiça
Federal em Brasília em que
cerca de 600 ex-combatentes
requerem indenização por supostas seqüelas físicas e mentais sofridas no Araguaia.
No último dia 7, ex-soldados
reuniram-se em Ipameri para
discutir as ações. O ex-soldado
Jairo Pereira, 58, conta que no
cemitério de Xambioá (TO)
acompanhou o enterro de um
guerrilheiro em junho de 1972.
Ele dirigiu o jipe que levou o
cadáver ao cemitério. Segundo
Pereira, com ele estavam um
sargento e um cabo.
Pereira diz que nunca soube
o nome do morto. Pela época e
pela descrição, o cadáver só poderia ser de Bergson Gurjão
Farias, o Jorge, que morreu aos
25 anos em 2 de junho de 1972,
numa emboscada. Ele teve o
"corpo crivado de balas", relatam em "Operação Araguaia-Os Arquivos Secretos da Guerrilha" (Geração Editorial;
2005) os autores Taís Morais e
Eumano Silva.
"Do peito para baixo, estava
todo arrebentado, todo baleado, todo cortado. Deram uma
rajada em cima dele. No cemitério, foi enterrado num cantinho, numa sepultura de terra."
Também combatente no
Araguaia, o ex-soldado Raimundo Pereira de Melo, 54, diz
que há erro em documentos da
Marinha divulgados em livros
sobre o Araguaia com dados da
morte da guerrilheira Telma
Regina Cordeiro Corrêa (Lia).
Os documentos informam
que ela morreu em janeiro de
1974. Melo diz que tomou conta de Lia na base de Xambioá
em setembro daquele ano.
Afirma que a levou até um helicóptero militar, que decolou a
seguir. Pouco depois, o aparelho voltou sem Lia. Para Melo,
ela foi jogada na selva.
"Afirmo pela felicidade dos
meus filhos que essa senhora
não foi morta no inicio de 1974,
pois em 7 de setembro, entre
16h30 e 17h30, ela chegou de
helicóptero à base de Xambioá,
encapuzada com um saco de
estopa e levada para a casa onde eram torturados os guerrilheiros. Tirei serviço de guarda
das 22h à 0h e das 4h às 6h, na
vigia. Depois das 7h, a escoltamos até a pista de aviação, onde
foi entregue ao piloto, que estava com um "carrasco"."
Do encontro participaram
soldados que deram nova versão para o confronto de 30 de
setembro de 1972, em que morreram os guerrilheiros Juca
(João Carlos Haas Sobrinho),
Flávio (Ciro Flávio Salazar de
Oliveira) e Gil (Manoel José
Nurchis). O episódio é relatado
por historiadores do Araguaia,
mas não da forma como se passou, segundo os ex-militares.
Sebastião Elias, 55, e Joaquim da Silveira, 55, falam que
Juca e Flávio morreram no primeiro ataque dos militares. Gil
teria resistido por cinco horas.
"O terrorista ficou vivo, mas
muito ferido nas duas pernas.
O sargento que comandava o
grupo, Antenor Vaz, esperou,
gritou para ele se entregar, ele
não se entregou. Ao meio-dia,
foi disparado um tiro. Ele havia
se matado com um tiro na cabeça", relembrou Silveira.
Ao Ministério Público, o ex-militar Severiano Maciel de
Souza, 58, disse que em 1974
viu o guerrilheiro Daniel Callado ser embarcado em um helicóptero por militares. Doca,
codinome de Callado, não foi
visto mais. Souza afirmou que
um camponês chamado Batista
e "uma senhora" da região, acusados de ajudar os guerrilheiros, foram torturados.
Texto Anterior: Painel Próximo Texto: Frase Índice
|