São Paulo, segunda-feira, 26 de outubro de 2009

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Nas mãos de aliados de Sarney, Luz para Todos fracassa no MA

TCU apura indícios de que os responsáveis pelas instalações maquiaram o número de ligações realmente realizadas

Eletrobrás não admite nenhuma irregularidade no programa; presidente da empresa diz ter tido aval de senador para assumir cargo

FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
HUDSON CORRÊA
ENVIADO ESPECIAL AO MARANHÃO

O Luz para Todos, criado em 2003 pelo governo Lula para levar energia elétrica às casas da zona rural, acumula problemas no Maranhão, Estado natal do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A meta original de ligações ainda não foi atingida e o programa está sob suspeita de fraude. O TCU (Tribunal de Contas da União) apura indícios de que os responsáveis pelas instalações maquiaram o número de ligações realmente feitas. O projeto no Maranhão é administrado por apadrinhados pelo presidente do Senado.
Em relatório a que a Folha teve acesso, o tribunal diz que inspeções da Eletrobrás constataram 13 mil ligações a menos do que o total (103 mil) que havia sido reportado pelo Estado ao Luz para Todos. Outro ponto questionado pelo TCU é uma suposta incongruência técnica nos dados fornecidos pela companhia de energia do Maranhão, a Cemar.
Na prestação de contas do primeiro contrato do Luz para Todos, por exemplo, a empresa alega ter eletrificado 1.578 casas a mais do que o previsto, mas registra a instalação de 77 mil postes a menos do que o necessário para cumprir a meta inicial definida no edital.
Esse contrato, de 2004, foi assinado por Silas Rondeau quando ele presidia a Eletrobrás, a estatal responsável pelo programa federal de eletrificação. Homem de confiança de Sarney, Rondeau virou ministro de Minas e Energia no ano seguinte. Em maio de 2007, caiu por suspeita de corrupção.
A Eletrobrás continua comandada por diretores ligados a Sarney. "Fui nomeado com aval do presidente Sarney, não tenha dúvida", reconhece José Antonio Muniz, presidente da estatal desde março de 2008.
Questionada pela Folha, a Eletrobrás não admite nenhuma irregularidade no Luz para Todos no Maranhão, apesar de o TCU usar dados da própria estatal ao analisar suspeita sobre maquiagem de números.
Os indícios de fraude começaram a ser apurados a partir de reclamação do sindicato de funcionários da Cemar dando conta de que a empresa deixou de fazer ao menos 50 mil das 103 mil ligações de energia estipuladas para 2005 e 2006.
O sindicato questionou ainda a fiscalização da Eletrobrás. Em documento enviado ao TCU, relatou que um fiscal vistoriou 2.376 casas em 12 municípios durante 15 dias, o que, diz o sindicato, não é possível. A Cemar, que tem a tarifa de energia mais alta entre as concessionárias do país, é responsável pela segunda maior execução do Luz para Todos no país, perdendo apenas para a Bahia. Assinou contratos de R$ 797 milhões, segundo o TCU (a Eletrobrás não tabula os valores repassados a cada Estado).

Ligações políticas
No processo que corre no TCU, a Cemar fez-se defender por um de seus diretores, José Jorge Leite Soares. Ele é amigo íntimo do filho mais velho de José Sarney, o empresário Fernando, de quem recebeu uma procuração para movimentar a conta do Instituto Mirante. A ONG é suspeita de desviar parte de uma verba de R$ 150 mil repassada pela Eletrobrás para patrocínio cultural de festas.
Leite Soares, apelidado por Sarney de JJ, é conhecido no Maranhão como uma espécie de "facilitador" do Luz para Todos dentro da Cemar. Mais dois amigos maranhenses de Fernando Sarney participam da condução do programa federal no Estado: o diretor financeiro da Eletrobrás, Astrogildo Quental, que tinha como missão agilizar o repasse de verbas do programa para a Cemar, e o empreiteiro Henry Duailibe Filho, dono da Ducol Engenharia, contratada para as obras de eletrificação. Ela recebeu R$ 51 milhões da Cemar.
A construtora foi alvo de ação do Ministério Público Estadual em 2007 por desvio de verbas em obras públicas.
Segundo a Polícia Federal, as ligações entre Cemar, Eletrobrás, empreiteiras, Ministério de Minas e Energia e, mais especificamente, a presença de aliados da família Sarney em todas as instâncias revelam tráfico de influência em torno de todo o setor elétrico do país.
Relatório do inquérito da Operação Boi Barrica (atualmente Faktor), da PF, chama o grupo maranhense de "organização criminosa" e diz que ela é liderada por Fernando Sarney.


Colaborou ANDRÉA MICHAEL, da Sucursal de Brasília


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