São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000

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Cesta é único recurso em cidade do CE

KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CANINDÉ

Para as 300 famílias que vivem em Targinos, vilarejo na zona rural de Canindé, no sertão do Ceará, os 18 quilos de alimentos que recebem mensalmente do governo federal são a única fonte de sobrevivência.
O trabalho em Canindé (114 km de Fortaleza) é escasso. Uma das atividades para os homens é cortar palha da carnaúba, com rendimento de R$ 0,60 pelo milheiro.
Em outubro, a cesta não chegou -a última remessa havia sido em setembro. A saída para as famílias mais numerosas quando há atraso é contar com a ajuda das menos numerosas, que conseguem economizar os alimentos por mais tempo.
"Vim sem comer nada. Deixei em casa um pouco de arroz que a vizinha conseguiu para os meus meninos", disse Maria Carmelita, 38, mãe de cinco filhos, o mais novo com 2 anos. Ela estava esperando pela distribuição das cestas que ocorreu na semana passada.
Zenilda Ferreira Vale, 35, já não tinha o que dar para os seis filhos e o marido comerem. Todos chegam a ficar até sete horas esperando o caminhão entregar os alimentos. "Minha mãe vai fazer arroz e feijão quando a gente chegar em casa", disse a filha mais nova, Eliziane, 5. "Gosto de tudo", disse Mardônio, 11. As crianças não comiam havia mais de um dia.
O transporte dos alimentos até a casa é feito no lombo de cavalo ou jumento, sobre uma bicicleta ou em cima da própria cabeça. "Minha casa fica a três léguas daqui. Chego lá só daqui a duas horas", disse Maria Carmelita. "Parece que a cabeça vai explodir de tanta dor, mas eu aguento a fome."
Em todo o município de Canindé recebem a cesta básica 9.292 famílias. O benefício só é entregue às famílias sem rendimento algum ou àquelas que recebem um salário mínimo e têm mais de três pessoas em casa.
"Muita gente critica o projeto porque as pessoas ficam mal-acostumadas. Eu até concordo com isso, mas então que apresentem outro projeto que ajude essas famílias a conseguir um emprego, a ter um salário digno", afirmou o presidente da comissão de distribuição das cestas, Luís Carneiro Pereira.
As famílias que recebem a cesta ficam sabendo pelo rádio quando devem comparecer à sede dos vilarejos para pegar os produtos. Cada um, com a carteira de identidade na mão, leva um saco de estopa para carregar os alimentos.
Na maioria das vezes, quem vai é o homem da casa, por causa do peso do pacote. "Mesmo sendo pesado, eu prefiro vir, porque homem sempre demora mais, dá uma passada no bar, fica falando com os amigos", afirma Maria Carmelita. "Minha mulher está prontinha em casa para preparar a comida", disse, alegre, o agricultor Francisco Antônio Lima, 35, pai de três filhos.
Além de ser pouco variada, muitas vezes os produtos da cesta não são de boa qualidade. "Tem vez que o feijão não cozinha de jeito nenhum de tão duro que é", disse Maria Ferreira Cunha, 48, mãe de dois filhos. "Mas a gente não reclama, não, porque é de graça, não é? Se não tivesse esse, ia ser bem pior."


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