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ENTREVISTA DA 2ª - DILMA ROUSSEFF
Chefe da Casa Civil refuta que medidas recém-adotadas pelo governo tenham objetivos eleitorais
Dilma diz que oposição tem "visão elitista" da população
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Chefe da Casa Civil, responsável
pelo gerenciamento do governo
Lula, a ministra Dilma Rousseff
disse à Folha que a oposição tem
uma "visão elitista" da população
brasileira ao comentar o resultado das últimas pesquisas que indicam recuperação da popularidade do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
Na opinião dela, tucanos e pefelistas subestimaram a reação do
eleitorado às medidas que o governo Lula vem tomando e à atitude do presidente diante da crise
do "mensalão". "Há uma visão
elitista de quem supõe que temos
um conjunto de habitantes pobres que não entende o que está
sendo falado."
Dilma rebate ainda as críticas da
oposição às últimas medidas do
governo, como o aumento do salário mínimo para R$ 350 e o lançamento do pacote habitacional.
"Não são eleitoreiras."
Substituta do ministro José Dirceu, que teve seu mandato de deputado cassado pelo Congresso,
Dilma afirma que até agora "não
houve prova" do "mensalão" e
que o PT deve reconhecer os erros
que cometeu, mas não pode reduzir a eleição a "uma via-crúcis",
"uma autoflagelação".
Crítica da política de superávits
elevados, que reduzem os investimentos do governo, a ministra diz
que um segundo governo petista
deve manter a estabilidade, mas
priorizar o desenvolvimento. Dilma recebeu a Folha na quarta-feira passada, antes da divulgação
do resultado do PIB de 2005.
Folha - Neste início de ano, o governo Lula lançou uma série de medidas, como aumento do salário
mínimo para R$ 350 e pacote habitacional, tachadas de eleitoreiras
pela oposição. O governo resolveu
adotar medidas para reeleger o
presidente?
Dilma Rousseff - Olha, uma vez
você me perguntou, no ano passado, por que o governo estava
parado. E eu disse que nunca esteve parado. É isso. Não são medidas eleitoreiras. O que é uma iniciativa eleitoreira? É aquela de
curto prazo, inconseqüente, que
não foi planejada. Essas não são.
O governo planejou o Bolsa-Família, uma política de recuperação do salário mínimo, o pacote
habitacional, a ampliação da farmácia popular.
Folha - Mas o ritmo das medidas
não acelerou? O governo não está
gastando mais neste ano, de eleição, do que em outros?
Dilma - Quando assumimos o
governo, estávamos diante de
uma crise fiscal e cambial. Nós fomos recuperando as margens de
manobra, aumentando a nossa
capacidade de investimento. Foi
isso que aconteceu.
Folha - Mas algumas medidas não
têm esse caráter eleitoral, sendo
lançadas apenas agora? A oposição
vai insistir nas críticas ao governo.
Dilma - Eu te diria o seguinte: eu
não sei se vão. Sabe por quê? A população brasileira tem acesso à
comunicação, TV, rádio, internet,
as pessoas escutam, falam e chegam a conclusões. Vai chegar
uma hora em que reverterá contra
a oposição essa crítica de tentar
tachar uma porção de coisas fundamentais para o país com o crivo
de eleitoreiro. Afinal, foi eleitoreiro pagar o Fundo Monetário Internacional e aumentar o grau de
liberdade do país de gestão de sua
questão externa? Foi eleitoreiro
diminuir o Imposto de Renda dos
investidores estrangeiros que
aplicam em títulos para alongar o
perfil da dívida e diminuir a taxa
de juros?
Folha - As pesquisas divulgadas
nos últimos dias, mostrando recuperação do presidente, podem estar sinalizando isso ou trata-se
apenas do que a oposição vem repetindo, de que seria reflexo da superexposição do presidente?
Dilma - Eu acho que há uma visão um tanto quanto elitista de
quem supõe que nós temos um
conjunto indiferenciado de habitantes brasileiros pobres que não
entende o que está sendo falado.
Aliás, essa foi a versão do período
de ditadura militar -"o povo vota mal, não entende o que acontece". Acho que é um rescaldo disso, de uma certa visão bastante
elitista a respeito da população
brasileira. Tem hora em que até
ela pode cometer erros, como
qualquer um de nós comete, sejam os mais intelectualizados.
A gente tem de perceber que
atualmente é muito complicado
ter aquela versão de que a opinião
pública é algo inerme sendo formado por um agente ativo externo a ela. Acho que a gente tem de
repensar o que é a opinião pública
em um universo de comunicação
de massa.
Folha - A sra. acha que a oposição
subestimou isso?
Dilma - Acho que
ela subestima isso.
Tem uma visão
elitista do povo
brasileiro. O povo
só acredita naquilo que tiver fundamento. Você não
engana o povo
-estou falando
dessa grande multidão de brasileiros que ganha até
dez salários mínimos. Não acho
que eles são manipuláveis, no sentido de que é possível passar para esse povo uma versão do que não estiver acontecendo.
Veja, você acha
que tentar colocar
energia elétrica
em toda a zona rural brasileira é
uma questão populista de manipulação? Não.
Quem recebe a luz
elétrica sabe perfeitamente que ela vai melhorar
sua vida numa pequena propriedade lá no interiorzão do Brasil.
Quem chegar lá e disser "olha, isso aí está sendo feito para te manipular" vai bater de frente com a
realidade.
Folha - Na campanha, a oposição
vai explorar também a questão ética para atacar o PT. Como o partido
vai enfrentar esse debate?
Dilma - Nós achamos que os erros que forem feitos têm de ser assumidos como erros. O que a população tem condição de discernir é que esse governo, ao ser confrontado com processos incorretos, com suspeitas, teve uma atitude no sentido de tentar impedir
que isso continuasse. Nós jamais
fomos coniventes quando tivemos conhecimento. E eu acho que
isso a população percebeu.
Folha - Agora, na reta final das investigações do "mensalão", a sra.
poderia dizer com convicção que
não houve desvio de dinheiro público?
Dilma - O que eu posso falar, e falo com convicção, é que não houve prova. Nós, como toda a população brasileira, os
deputados, estamos querendo
que se prove.
Acho que a conclusão das CPIs
vai permitir definir qual é o nível
de prova que existe no Brasil quanto a certos processos. Em todos os
processos nos
quais houve denúncia contra o
governo, a Polícia
Federal foi envolvida, o próprio
governo tomou
providência. Até
hoje, até onde nós
enxergamos, nós
não constatamos
a existência de
"mensalão".
Aguardamos os
resultados da CPI
e as provas que ela
vai gerar.
Folha - Voltando
à questão da campanha, a sra. defende que o PT reconheça publicamente, em seus programas eleitorais, que errou?
Dilma - O PT já está se posicionando em vários momentos a esse respeito. Acho que deve reconhecer todos os erros durante a
campanha eleitoral, sempre que
solicitado. Agora, você não pode
reduzir a campanha eleitoral do
PT a simplesmente uma via-crúcis, não é isso. Não é uma autoflagelação do partido. É algo muito
mais construtivo no sentido de se
comprometer com práticas que
sejam preventivas e não pura e
simplesmente se chicotear por
equívocos. O PT tem de pensar a
questão da ética não só numa dimensão exclusiva do que foi de falha, mas muito mais numa visão
de como não deixar repetir, de
aperfeiçoamento do país.
Folha - Como o governo deve se
apresentar durante a campanha
eleitoral deste ano? A oposição
pretende atacar o PT pelo lado da
ética?
Dilma - A nossa linha, eu estou
falando no plano do PT, é muito
mais no sentido de apresentar os
resultados dos
nossos quatro
anos de governo.
Eu acredito que a
linha do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso deveria ser
apresentar os resultados dos oito
anos de governo,
que parece que a
população não o
avalia muito bem.
Eu estou falando
pelos resultados
das pesquisas, não
tem nenhuma
avaliação subjetiva da minha parte.
Agora, nós vamos ter o firme
compromisso de
fundamentalmente governar o país
até o último dia de
governo. Nós não
vamos parar, não
paramos em situações muito adversas, não vamos
parar durante a
eleição, nós vamos governar até o
final e achamos que a melhor propaganda, ou seja, a melhor propaganda do PT é a gente entregar as
obras e as realizações do governo.
Folha - Durante a eleição, o presidente deverá ser muito questionado sobre se sabia ou não do esquema de caixa dois do PT...
Dilma - O presidente já esclareceu em várias entrevistas coletivas
qual é a posição dele a respeito
disso. Ele de fato não sabia, e,
quando soube, tomou todas as
providências cabíveis. Sobre o
que ele soube, sobre o que o governo soube, sobre tudo que provaram para nós, nós tomamos todas as providências cabíveis. Nós
usamos de todos os mecanismos,
nós abrimos todos os inquéritos
possíveis, nós investigamos, inclusive em alguns casos até nos
antecipamos nas investigações. O
que o presidente demonstra de
forma pública é o absoluto compromisso com a apuração, doa a
quem doer. Isso eu acho que a população reconhece.
Agora, se alguém quer se utilizar desse fato... Olha, esse negócio
de não saber começa lá no FonteCindam [quando
o Banco Central,
no governo FHC,
foi acusado de
ajudar bancos em
dificuldades]. Lá
alegaram que não
sabiam também.
Então, eles têm o
benefício da dúvida.
Folha - O que deve mudar no programa de um eventual segundo mandato do governo
Lula?
Dilma - O presidente, como você
sabe, ainda não
tomou uma decisão a respeito da
sua candidatura.
Eu, obviamente,
acho que, se ele
decidir ser candidato, o povo dará
a ele o direito de
um segundo mandato. Mas o presidente, como você sabe, e ele insiste nisso sistematicamente, só irá
decidir em junho.
Folha - Na hipótese de ele decidir...
Dilma - Eu não faço hipótese sobre questões que envolvam o presidente da República. O que eu
posso falar é que um segundo governo do PT tem de manter a estabilidade econômica, obtida com
muito sacrifício, mas terá necessariamente de priorizar o desenvolvimento, fazer o país crescer,
gerar empregos, distribuir renda.
Essa é a prioridade.
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