São Paulo, terça-feira, 27 de abril de 2004

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JANIO DE FREITAS

Abaixo os velhos

O governo que quis os nonagenários enfileirados à porta do INSS para se provarem vivos -exigência que honraria os eugenistas do nazismo, mas a Lula pareceu apenas "um pequeno gol contra" do sinistro Ricardo Berzoini- está pronto para praticar, nesta semana, um ardil que burla uma das raras proteções à velhice lembradas pelos autores da Constituição.
As aposentadorias devem ser reajustadas na mesma proporção em que o seja o salário mínimo. A idéia, portanto, de dar um reajuste ao salário mínimo e "compensá-lo" com reajuste melhor do salário-família é uma providência contra os aposentados, sem direito ao salário-família. O truque permite a afirmação de que o preceito de reajustes idênticos estará cumprido, mas o espírito da Constituição, tão óbvio no seu propósito democrático e humanitário de evitar a penúria agravada na velhice, estará violado por uma deliberação imoral.
Lula tem consciência da nova investida contra a velhice sob sua assinatura e responsabilidade. Em seu programa radiofônico de quarta-feira passada, um capítulo a mais dessa espécie de novela do populismo, Lula comunicou aos aposentados que a cassação do devido reajuste das aposentadorias terá, também, uma "compensação". Serão criadas (sempre este futuro impreciso e de tão difícil confirmação) linhas de financiamento, para aposentados, com pagamento em até 24 prestações e que não passem de 30% do valor da aposentadoria.
A maioria absoluta dos aposentados pelo INSS gasta a aposentadoria, antes de encerrado o mês, com comida, gás, luz e aluguel. Se sobrar alguma coisa, gasta com remédio. É o que está constatado em conhecidos trabalhos do IBGE, do Ipea, do Dieese, até mesmo do INSS. Em tais condições, com que dinheiro o aposentado do INSS pagará empréstimos? O reajuste era esperado para compensar os aumentos naqueles gastos vitais. Logo, o que Lula propõe é que o aposentado e o pensionista dependentes de salário mínimo, quando não de menos, faça empréstimos bancários para comprar comida, pagar o botijão de gás, a luz. E, feito o empréstimo para "compensar" a garfada governamental em um mês, o aposentado vai esperar outros 23 meses para o segundo empréstimo.
A burla ao propósito constitucional pretende reduzir o gasto do INSS com reajuste das aposentadorias. O governo, porém, consumiu metade do ano parlamentar de 2003 com o que chamou de "reforma da Previdência". A respeito, o procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, acaba de dizer o suficiente: o ponto mais importante da "reforma", a cobrança de contribuição previdenciária de servidores aposentados e pensionistas, desrespeita a Constituição. Foi para isso a reforma? Ou para agora agredir a Constituição porque nada a "reforma" fez no que precisa ser reformado?
Já provada a inveracidade dos slogans "Sem medo de ser feliz", "O espetáculo do crescimento" e outros, o governo pode adotar verdadeira fiel à sua índole: "Abaixo a velhice".


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