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Cidades que mais desmatam lideram crimes na Amazônia
Violência aparece em 39 das 50 cidades com maior índice de devastação na região
Para a Confederação da Agricultura e Pecuária, no entanto, não existe ligação entre a violência no campo
e a atividade econômica
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os municípios que mais desmatam na região amazônica
são também os que mais registram trabalho escravo e violência no campo. O avanço da pecuária na área acompanha o ritmo da queda das árvores.
Essas relações foram detectadas pela Folha a partir do
cruzamento de dados do Inpe
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), do Ministério do
Trabalho e da CPT (Comissão
Pastoral da Terra).
A reportagem teve acesso a
levantamento do Inpe que
identifica o total desmatado de
agosto de 2004 a julho de 2007
em 601 cidades da Amazônia
Legal (Estados do Norte, além
de Mato Grosso e Maranhão).
No ranking dos 50 municípios que mais extraíram madeira no período, sendo 23 em
Mato Grosso e 20 no Pará, a
violência no campo aparece em
39 deles, com crimes ligados a
conflitos fundiários e flagrantes de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Os municípios "top 50" do
desmate acumularam a média
de um assassinato entre 2004 e
2007, índice sete vezes acima
do registrado na região amazônica (0,14), segundo a CPT.
Os campeões na derrubada
de árvores também estão à
frente nos flagrantes de trabalho escravo, ou seja, quando,
além de ser submetido a situações degradantes, o trabalhador é impedido fisicamente de
deixar a propriedade.
Entre 2004 e 2007, a média
nesses 50 municípios foi de 109
trabalhadores resgatados pelo
grupo móvel de fiscalização do
Ministério do Trabalho. Na
Amazônia, no mesmo intervalo, a média geral dos municípios foi de 16 pessoas flagradas
nessas condições.
Gigante
No topo da lista do desmate
está o gigante paraense São Félix do Xingu, município com
área equivalente à soma dos Estados de Alagoas e do Rio Grande do Norte (84,2 mil km2).
Nele, em três anos, foram devastados 2.812 km2, com quatro
assassinatos e 291 trabalhadores resgatados.
"Onde tem desmatamento
ilegal, onde tem grilagem de
terra, tem madeireiras e tem
morte. A vinculação é realmente essa", afirma Ailson Machado, assessor de mediação de
conflitos agrários da Secretaria
Especial dos Direitos Humanos da Presidência.
"O trabalho escravo vem junto, porque eles [proprietários
ou grileiros] usam essas pessoas, a maioria delas migrantes, para abrir a mata. Quando
termina o desmate, ou elas ficam expostas à violência, sem
trabalho, ou são levadas para
outras áreas para serem exploradas", completa.
O avanço do desmatamento
na Amazônia também coincide
com o crescimento da pecuária. Entre os 50 municípios da
região que, segundo dados do
IBGE, mais avançaram na
quantidade de cabeças de gado
entre 2003 e 2006, 29 deles
também integram os top 50 na
derrubada da floresta.
Colniza (MT) é um exemplo.
No extremo noroeste do Estado, na divisa com Amazonas e
Rondônia, a cidade aparece em
quarto no ranking do desmate,
com 982 km2 derrubados, 115,9
mil novas cabeças de gado e
dois assassinatos, em três anos.
No mesmo intervalo, Confresa, município no nordeste
mato-grossense, seguiu uma linha semelhante, com 270 km2
de desmate, 114,6 mil novas cabeças de gado e 1.013 trabalhadores flagrados em situação
análoga à escravidão. "A gente
lamenta, mas tem pessoas que
ainda estão fazendo isso. Se
aproveitarem as áreas já abertas, não precisam desmatar",
diz o pecuarista Nerci Wagner,
presidente do sindicato rural
de Confresa.
Entre os top 50 do desmatamento, houve um crescimento
médio de 90,9 mil cabeças de
gado, contra 15,7 mil em toda a
região amazônica, uma diferença de 579%.
Valor da floresta
Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, o
que acontece é que o desmate é
uma resposta ao que classifica
de baixo valor econômico da
floresta. A entidade rejeita a relação entre a violência no campo e a atividade econômica.
José Batista Afonso, advogado da CPT do Pará e integrante
da coordenação nacional do
braço agrário da Igreja Católica, afirma que a relação entre o
desmatamento e a violência no
campo não é coincidência.
"Não existe coincidência, e
sim uma relação. Na Amazônia,
especialmente no Pará, a atividade da pecuária sempre foi a
campeã na utilização de mão-de-obra do trabalho escravo. E,
se existe expansão da pecuária,
há também a expansão da área
de desmatamento", declara
Afonso, advogado da CPT.
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