São Paulo, segunda-feira, 27 de abril de 2009

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Estados maquiam gasto com pessoal para cumprir a LRF

Entre artifícios usados estão exclusão de despesas com pensões e supressão do IR pago

Diferentes aplicações da lei dificultam avaliação da real situação financeira dos governos diante da previsão de queda de arrecadação


CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

ANA MARIA DE FREITAS
DA REDAÇÃO

Do Oiapoque ao Chuí. E, com aval -ou até mesmo por força- de decisões dos tribunais de contas, pelo menos 21 Estados adotam interpretações legais que aliviam, no papel, o peso dos gastos com pessoal. Da exclusão de despesas com aposentados à supressão do Imposto de Renda pago, artifícios acabam por maquiar o impacto da folha sobre a arrecadação para a apuração da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
A LRF fixa diferentes tetos de gastos com a folha de pagamento para os três Poderes. Um governo estadual pode gastar, por exemplo, até 49% do que arrecada com pessoal.
Superados os limites -aplicáveis ao Judiciário, ao Ministério Público, às Assembleias e aos TCEs (Tribunais de Contas Estaduais)- o Estado tem um prazo de até dois quadrimestres para corte de gasto. Do contrário, perde direito às transferências voluntárias da União e a empréstimos.
Mas as diferentes aplicações da mesma lei podem dificultar a avaliação do real comprometimento dos Estados neste ano pré-eleitoral.
Uma delas é a retirada do Imposto de Renda do cálculo de despesa. Como empregador, o Estado paga ao servidor um salário bruto, do qual parte é retida para o IR. Só que, como são os Estados que ficam com o dinheiro, alguns não o computam como gasto nem como receita.
Em resposta a questionários enviados pela reportagem a governos e TCEs, Rio Grande do Sul, Paraná, Tocantins, Goiás e Rondônia informaram que tiram o IR da conta.
Já o Rio Grande do Norte chegou a ser alvo de ação do procurador-geral junto ao TCE-RN, Carlos Thompson Fernandes, pela adoção da mesma prática.
Secretário-executivo e titular do Ministério do Planejamento durante a implantação da LRF, o hoje secretário estadual Guilherme Dias (ES) explica, com um exemplo hipotético, que a dedução pode funcionar como artifício para que o Estado declare um comprometimento menor com pessoal.
Se um Estado arrecada R$ 100 e gasta R$ 65 com pessoal, sendo R$ 10 de IR, as despesas somam 65%. Mas, se o Estado excluir esses R$ 10, o percentual cairá para 61% (R$ 55 correspondem a 61% de R$ 90).
"Essas manobras são como tirar o sofá da sala, porque a baixa capacidade de investimento do Estado continua", afirma Guilherme Dias.
Estados como Goiás e Rio Grande do Sul não incluem os gastos com pensões. E, a exemplo de Rondônia e Tocantins, o TCE-MG exclui inativos e pensionistas do cálculo, sob o argumento de que "não podem ser contingenciados [congelados] pelos administradores".
Embora o secretário de Finanças de Minas, Simão Cirineu, afirme que o Estado declara os gastos com aposentadorias e pensões, os outros Poderes -inclusive o TCE- estão liberados. Com isso, Minas -onde até o Executivo chegou à beira do limite prudencial- viu adiada a ameaça de retenção de repasses ao governo do Estado.
Mas o próprio Cirineu reconhece que, com a queda de receita, o Estado está prestes a estourar o teto prudencial (de 46,55%), a partir do qual reajustes e contratações ficam proibidos. "O gasto com pessoal vai aumentar. Porque a receita está caindo, mas as despesas com pessoal não", explica.
Na prestação de contas ao Tesouro, o governo do Amazonas também não declara gastos com inativos e pensionistas.
Inspirado na Paraíba, o TCE-RN concentra no Executivo os registros de gastos com aposentadorias de outros Poderes.
E, no Rio de Janeiro, a decisão do governo de engrossar, desde 2008, os cofres do fundo de previdência com royalties acabou afetando a relação do pessoal sobre a receita. Como o fundo cobriu os gastos com a aposentadoria e pensões, o dinheiro -que chegou a R$ 4,3 bilhões no ano passado- não foi registrado como despesa do Estado com inativos. Mas foi mantido entre a receita.
"Essa é uma incongruência da lei. Mas, mesmo que se exclua da base essa receita, o Rio fica bem abaixo dos limites", alega o subsecretária de Política Fiscal do Rio, George André Palermo, que chegou a fazer um cálculo, segundo o qual o gasto do Estado com pessoal passaria de 23,91% a 27,64%.
No Espírito Santo e no Ceará, o registro da "receita cheia" -sem a declaração de benefícios fiscais concedidos- também alivia o impacto da despesa sobre a folha.
Além de excluir verbas indenizatórias, como diárias e auxílio-alimentação, Santa Catarina descarta as despesas com "locação de mão-de-obra - serviços terceirizados".
Está aí um dos pontos mais controversos. Pela LRF, "os contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como "outras despesas de pessoal". O manual do Tesouro dispensa os contratos que não se refiram a atividades fins de Estado.
Com isso, Estados como São Paulo, Piauí, Amapá, Mato Grosso do Sul, Acre e Roraima não declaram qualquer gasto de mão-de-obra terceirizada. "Não estamos substituindo servidores por terceirizados", justifica o secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Mauro Ricardo Costa.
"Um dos problemas no cumprimento dos limites de despesa com pessoal é a diversidade de posicionamentos, todos visando sempre a flexibilizar os parâmetros", disse Thompson.


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