São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Para presidente da Febraban, pré-candidato petista estava "com cara de light" em evento da CNI

Bancos acenam com apoio a Lula, se eleito

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No debate com os presidenciáveis promovido pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), no início deste mês, um Luiz Inácio Lula da Silva (PT) descontraído e de tom moderado recebeu muitos aplausos e arrancou risadas da platéia, composta por grande parte dos maiores empresários do país.
E em um encontro com banqueiros e executivos do mercado financeiro, teria o pré-candidato petista o mesmo tratamento? "Com certeza. Não há diferença expressiva entre banqueiros, executivos do mercado financeiro e empresários dos demais setores. Todos somos iguais no sentido de que almejamos um Brasil mais justo, com crescimento e oportunidades de melhoria de vida para todos."
A opinião é de Gabriel Jorge Ferreira, 77, presidente da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos), a entidade de classe do setor bancário mais respeitada do país. Ferreira, um advogado (comanda o departamento jurídico do Unibanco) com mais de 44 anos de banco, assistiu atentamente, na primeira fileira, aos discursos dos pré-candidatos no debate da CNI.
Ele diz que Lula, que "estava com cara de "light'" (na CNI), se eleito, terá a colaboração do setor bancário, ""seja para reduzir os juros, para aumentar empréstimos ou para tudo o que for necessário para melhorar o Brasil".
Mas, não só em relação a Lula, como a todos os outros pré-candidatos, o presidente da Febraban tem preocupações relacionadas "à política de alianças para assegurar a governabilidade e à forma de execução da política de redução de juros", por exemplo.
Ferreira desfaz a idéia de que os bancos querem a manutenção dos juros altos, diz que o pré-candidato do PPS, Ciro Gomes, tem de explicar melhor seu projeto de reforma tributária e faz um pedido aos presidenciáveis, para que tornem as propostas mais claras.
Sobre o financiamento privado de campanha, o presidente da Febraban diz que não vê problemas nas doações. No entanto Ferreira defende o financiamento público como ideal -um "fator de fortalecimento da democracia".
Na semana passada, por iniciativa de Ferreira, a Febraban iniciou, com o pré-candidato do PPS, uma série de encontros com os presidenciáveis. No início do mês que vem, será a vez de Lula.
Leia a seguir a entrevista que Ferreira concedeu à Folha na semana passada.

Folha - O sr. assistiu ao debate dos pré-candidatos à Presidência na CNI. O que achou da apresentação de cada um deles, tanto no aspecto político quanto no do conteúdo das propostas?
Gabriel Jorge Ferreira
- As propostas foram genéricas, como era esperado, e todos manifestaram suas intenções de fazer um Brasil melhor. [...] Todos almejam reduzir juros. A Febraban e os bancos também querem.
A questão é como fazer isso de maneira inteligente, atuando nos diversos fatores responsáveis pelas altas taxas de juros, sem rupturas de contratos ou com intervenções que desestimulem os investidores ou que comprometam outras metas essenciais, como a estabilidade de preços.
Quanto mais altos forem os juros, mais elevados serão o custo do crédito, os índices de inadimplência e o desemprego, pois haverá menos investimentos produtivos. [...] Para isso [redução dos juros], é necessário que o candidato a ser eleito, seja ele quem for, batalhe por uma política macroeconômica consistente, por uma tributação justa e eficiente que maximize receitas tributárias ao longo do tempo.

Folha - Das propostas apresentadas, o sr. destaca um ou dois pontos que lhe agradaram (do ponto de vista técnico) do programa de cada um deles?
Ferreira
- Destaco três pontos que me agradaram: o equilíbrio demonstrado pelos candidatos; o compromisso de que se cumpram os contratos, seja em relação à dívida interna ou externa, pois qualquer quebra de contratos só desmoralizaria e comprometeria o futuro do país, e o compromisso com a estabilidade da moeda, sem o qual perderíamos a maior conquista do Brasil nos últimos anos, a redução da inflação.

Folha - Quais propostas o sr. gostaria que os candidatos tivessem detalhado mais?
Ferreira
- Tenho especial preocupação com os seguintes assuntos: a política de alianças para assegurar a governabilidade; a autonomia do Banco Central para executar a política monetária de combate à inflação; a forma de execução da política de redução de juros e a forma de assegurar superávits fiscais e de ajustar o balanço de pagamentos.

Folha - Qual a sua avaliação da proposta de reforma tributária apresentada pelo pré-candidato Ciro Gomes?
Ferreira
- Essa proposta foi apresentada de forma muito genérica. Precisamos ter mais informações, especialmente em relação ao objetivo manifestado pelo candidato de "onerar o consumo e os ganhos de capital e criar um imposto financeiro". Sem uma definição da base de incidência e da alíquota desses impostos, que permita mensurar seus impactos sobre a intermediação financeira e o custo do dinheiro para os bancos e os tomadores de empréstimos, fica difícil uma avaliação.
Em princípio, todos somos favoráveis a uma tributação mais justa, sem cumulatividade, que estimule a produção. A questão é termos uma proposta viável do ponto de vista técnico e político, e definir uma transição segura para o sistema proposto.

Folha - O candidato do PT foi muito aplaudido pelos empresários na CNI. No debate que será promovido pela Febraban, o sr. acredita que ele será aplaudido da mesma forma pelos banqueiros e executivos do mercado financeiro?
Ferreira
- De fato, ele foi muito aplaudido mesmo. Ele estava num dia muito feliz, estava descontraído, estava risonho, arrancou muitas risadas da platéia, contou anedotas. Estava com cara de "light" mesmo. Com certeza [seria aplaudido também no debate da Febraban]. Não há diferença expressiva entre banqueiros, executivos do mercado financeiro e empresários dos demais setores. Todos somos iguais no sentido de que almejamos um Brasil mais justo, com crescimento e oportunidades de melhoria de vida para todos.
O papel dos bancos é fundamental nesse processo. Uma intermediação financeira eficiente alavanca o sistema produtivo e o crescimento do país. Lula é um candidato que merece todo o nosso respeito e, se eleito, terá nossa colaboração, seja para reduzir os juros, para aumentar empréstimos ou para tudo o que for necessário para melhorar o nosso Brasil. Se mostrar propostas consistentes e bem fundamentadas para alcançar esses objetivos, e outros que são de interesse geral, provavelmente será aplaudido também na Febraban.

Folha - O sr. considera correto que os bancos estrangeiros recomendem a seus clientes que diminuam os investimentos em títulos brasileiros por conta da posição desse ou daquele candidato nas pesquisas de intenção de voto?
Ferreira
- É fundamental que as opiniões desses profissionais não sejam confundidas com as decisões de investimento das instituições nas quais trabalham.
Uma instituição financeira pode, inclusive, ter opinião contrária à de seus analistas, mas ainda assim terá de preservar liberdade de manifestação desses profissionais, essencial ao seu trabalho e aos investidores. Essas instituições acreditam e investem no país com uma visão de longo prazo. Já a maior volatilidade observada no mercado financeiro, em períodos eleitorais, é um fenômeno comum em eleições, sejam no Brasil ou em outros países.

Folha - Se o Lula detalhasse mais suas propostas econômicas, o mercado financeiro poderia ter uma avaliação mais positiva de sua candidatura?
Ferreira
- Certamente o mercado poderia ter uma avaliação mais acurada das suas propostas. Mas isso vale para todos os candidatos. A falta de detalhamento dos planos de governo dos candidatos dá espaço a incertezas que permitem projeções otimistas ou pessimistas. O detalhamento é importante para todos os candidatos, por um lado, para diminuir incertezas e, por outro, para permitir uma escolha melhor no dia da eleição.

Folha - O candidato tucano José Serra disse que a síntese de seu programa é produção e emprego. Em sua avaliação, esse é o caminho correto a ser seguido pelo próximo governo?
Ferreira
- Esses são objetivos comuns a todos os candidatos. Todos queremos mais produção, mais emprego, mais exportações, menos miséria etc. A questão é ter um plano consistente, do ponto de vista técnico, e aceitável, politicamente. Estamos certos de que os candidatos procurarão apresentar planos com essas características antes das eleições.

Folha - Os bancos registraram lucros expressivos durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso devido, entre outros fatores, aos juros altos. Se o próximo governo priorizar o setor produtivo, incluindo redução dos juros, o ambiente pode ser desfavorável para o setor financeiro?
Ferreira
- Correlacionar a taxa de juros altos como fator responsável pelo lucro dos bancos eu acho que não é um raciocínio correto. Sem dúvida nenhuma, acho que, se tivermos uma política monetária consistente, que consiga reduzir as taxas de juros dentro daqueles cuidados, sem rupturas, sem causar nenhuma insegurança quanto à preservação de contratos ou sem promover qualquer tipo de ato que desestimule investimentos, será muito benéfico para a economia.
Quanto mais altos forem os juros, mais elevado o custo do crédito, mais alta a inadimplência e o desemprego.

Folha - O sr. acredita que, dependendo do candidato eleito, o Brasil pode se transformar em uma Argentina?
Ferreira
- Eu acho que já respondi a essa pergunta nas questões anteriores.

Folha - Os bancos estão entre os principais doadores de campanha do país. O que o sr. acha do financiamento privado de campanha no Brasil, é algo que corresponde ao processo democrático?
Ferreira
- As regras que estão aí hoje são claras, permitem contribuições de campanha. [...] Não vejo nada de errado, não. Dentro das regras, dos limites que a legislação prevê, porque essa é a legislação que nós temos.
Mas o ideal para isso é o financiamento público de campanha, mas nós ainda não chegamos lá. Acho que o financiamento público de campanha é, sem dúvida nenhuma, um fator de fortalecimento da democracia.


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