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CELSO PINTO
A desvalorização
sem teto definido
Até onde pode chegar o
câmbio? A resposta a
esta questão é uma das chaves
para tentar entender qual será a
estratégia do Banco Central para conduzir o país até as eleições
presidenciais de outubro.
Numa regime de câmbio flutuante, a resposta deveria ser óbvia: o real será desvalorizado até
o ponto que o mercado quiser.
Na prática, abaixo do Equador
existe o que alguns economistas
batizaram de "medo de flutuar".
A razão principal é que existe
uma dívida enorme em dólares
nas empresas e no governo, e
uma desvalorização descontrolada pode ter um efeito devastador.
O presidente do BC, Armínio
Fraga, não cansa de repetir que
não defenderá nenhum nível de
câmbio, mas insiste que não tem
nenhum preconceito contra intervenções no mercado em momentos de exageros injustificados. No passado, interveio em diferentes momentos, com sucesso.
O que fará agora?
É crucial tentar entender a situação das empresas com grandes dívidas em dólares. O aumento do prêmio de risco nos
papéis do governo (refletido no
Embi, ou risco Brasil, na casa
dos 1.700 pontos) eleva enormemente o custo de qualquer captação privada, encurta os prazos
e reduz a oferta. Nessa ordem,
diz um banqueiro.
O mercado não se fechou completamente. A Odebrecht, por
exemplo, está completando um
operação superior a US$ 200 milhões, com apoio (mas não aval)
do IFC, ligado ao Banco Mundial. Outras grandes empresas
têm conseguido alguma coisa,
normalmente com operações estruturadas. O BC calcula que a
taxa de renovação de captações
externas, daqui para a frente, ficará em torno de 65% do que está vencendo.
Duas questões devem ser consideradas. Ao contrário do que
aconteceu no ano passado,
quando o agravamento da crise
externa levou o dólar a R$ 2,83,
desta vez a surpresa foi menor.
Muitas empresas já tinham hedge, proteção contra desvalorização. Grandes bancos não estão
sentindo pressão por hedge nesta
rodada de forte desvalorização.
Quem quer dólar, em geral, são
as tesourarias dos bancos, especialmente estrangeiros. Esses
bancos, por princípio, sempre
têm seu patrimônio líquido protegido contra desvalorização.
Além disso, todas as empresas
sabiam, desde 2001, que haveria
turbulência em meados deste
ano em razão da eleição. Várias
empresas, inclusive a Petrobras,
anteciparam a rolagem dos vencimentos para fugir da confusão.
Quem não se preparou pode
ter problemas para tomar dinheiro lá fora e até no mercado
interno. Qual o risco de haver
grandes calotes? Pequeno, dizem
os presidentes de dois grandes
bancos. Ambos acham que os
bancos credores não teriam
grande problema em reescalonar dívidas.
Até porque o centro do problema é datado: a definição após as
eleições de outubro pode levar a
uma reversão do nervosismo.
Não faz sentido deixar um grande devedor quebrar agora. O
executivo de um grande grupo
industrial, com pesada dívida
externa, tem a mesma percepção. De resto, num regime de
câmbio flutuante, os dólares, por
definição, estão disponíveis no
mercado, a um preço. Se a empresa não paga, o problema é dela com seu credor, não do governo. Já tem sido assim, em alguns
casos de inadimplência.
Neste segundo semestre vencem US$ 10,6 bilhões em amortizações e US$ 5,3 bilhões em juros
em empréstimos e financiamentos de médio e longo prazos do
setor privado. Não é pouco, mas
não assusta. O efeito sobre os balanços das empresas será devastador, mas sempre existe a possibilidade de o governo permitir às
empresas diferir os prejuízos, como já fez no passado.
Deixar o câmbio flutuar tem a
vantagem de construir uma solução. Além de melhorar a balança comercial, uma sobredesvalorização pode inibir novas
saídas, pelo medo de uma reversão, ou estimular novas entradas, pelas oportunidades nos
preços. O lado ruim é que pode
passar a impressão às pessoas de
que o BC perdeu o controle e de
que tudo pode piorar ainda
mais.
O BC tem armas já mostradas
para intervir e outras guardadas. Faz sentido: se usar um canhão agora, pode ficar sem munição mais à frente. Por enquanto, está tentando suavizar a desvalorização, não revertê-la bruscamente. Além de ter US$ 13,5
bilhões para gastar, o BC pode
enxugar ainda mais a liquidez e
reduzir a alavancagem em dólares permitida aos bancos (o que,
de uma penada, poderia injetar
alguns bilhões de dólares no
mercado).
O mercado sabe disso. Tem
bancos e fundos, especialmente
de hedge, especulando em títulos
da dívida, dólares e ações. Mas
não há uma aposta única, como
no tempo do câmbio fixo. Especula-se, realiza-se o ganho, remonta-se posições. Isso impede
melhoras duradouras mas também refreia o ritmo da corrida
contra o Brasil.
Difícil é o BC dosar esse jogo de
gato e rato com o mercado sem
permitir pânico entre investidores médios. A corrida por dólares
existe, mas a proporção é ainda
pequena. As saídas por CC-5,
bom termômetro dessa corrida,
foram de US$ 616 milhões em
maio e US$ 545 milhões até agora neste mês. Esse volume se
compara a uma média de US$
509 milhões/mês em 2001, ou seja, é um sinal amarelo, não vermelho.
A culpa do FMI
Todos concordam que parte da
culpa pela atual confusão foi a
forte venda, pelo BC, de títulos
públicos (LFTs) de longo prazo,
a partir de fevereiro, "casadas"
com a venda de "swaps" (proteção contra desvalorização no
mercado futuro). O excesso de
LFTs longas provocou deságio
do título, o que levou o BC a antecipar a regra de marcação a
mercado dos fundos. Houve prejuízos para os cotistas, fortes resgates e desconfiança em relação
à dívida interna.
O que poucos sabem é que o BC
foi obrigado a vender LFTs "casadas" com "swaps" por exigência do FMI. Foi a única forma do
Fundo aceitar que o BC operasse
no mercado futuro de derivativos. Só em maio o BC conseguiu
convencer o FMI, a duras penas,
a vender apenas o "swap", descasado da LFT, mas aí já era tarde demais e a ciranda da confusão já havia sido acionada.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
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