São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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ELIO GASPARI

O trabalhador vai pagar o imposto da sobrevida

Deve-se ao deputado Sérgio Miranda (PC do B-MG) a descoberta de uma deprimente maracutaia social.
Sendo presidente da República o Companheiro Lula (aposentado desde 1996, aos 51 anos, com R$ 3.600 mensais), o atual governo produziu uma das tungas mais criativas de todos os tempos. Com base no Censo de 2000, o IBGE elevou a expectativa de vida do brasileiro, e o INSS passou a obrigá-los a trabalhar mais para se aposentar com menos dinheiro. Isso é que é carga tributária: criou-se um tributo sobre a esperança de viver.
No governo de FFHH (aposentado desde 1981, aos 50 anos, com cerca de R$ 6.000 mensais), o ministro da Previdência Waldeck Ornellas (aposentado desde 2003, aos 57 anos, com R$ 4.960) concebeu um índice para o cálculo da aposentadoria da patuléia que vive no chamado Regime Geral da Previdência. Atende pelo nome de fator previdenciário. Ele relaciona a idade do trabalhador com o tempo durante o qual contribuiu para a Previdência e, levando em conta sua expectativa de vida, estabelece o valor de sua aposentadoria em determinado ano. Assim, na equação de 1999, um trabalhador de 59 anos que tivesse contribuído durante 35 anos para a Previdência receberia o valor integral de sua aposentadoria, até o limite do INSS. Para facilitar as contas, admita-se que esse trabalhador se habilitasse a receber R$ 1.000. Se ele quisesse trabalhar mais cinco anos, poderia contar com R$ 1.300. No raciocínio inverso, quem quisesse se aposentar mais jovem, receberia menos, uns R$ 700. Uma conta científica, pois, como se sabe, a choldra só pode receber no ócio aquilo que pagou enquanto trabalhava. (Os sacrossantos direitos de Lula, FFHH e Ornellas não passam por esse teste, mas deixa pra lá.)
De 1999 a 2002, o IBGE forneceu ao INSS suas tabelas de expectativa de sobrevida. Com pequenas variações, informavam que uma pessoa de 50 anos tinha uma expectativa de mais 25 anos. No caso de um bípede de 60 anos, a expectativa ia para perto de 18 anos. As coisas funcionaram assim até que em 2003 o IBGE atualizou sua tabela com base nos resultados do Censo de 2000, e os números deram um pulo. A expectativa do cinqüentão saltou para 28 anos, e a do sexagenário, para 20,5 anos. A escumalha é testemunha de que, apesar de os doutores da estatística terem detectado uma súbita longevidade futura, a vida presente dos brasileiros continuou igual. O Pão de Açúcar fica à esquerda de quem entra na Barra, e continua em vigor a Lei de Cláudio Haddad: sempre que se mexe na Previdência, tunga-se o trabalhador da iniciativa privada.
O que mudou foi a tábua do IBGE, não a vida da choldra. A nova tabela moveu bruscamente o ponto de equilíbrio do fator previdenciário. Em 1999, ele estava nos 59 anos e, em 2003, passou para os 63. Ou seja, se um trabalhador com 35 anos de contribuição ao INSS quiser se aposentar hoje com os R$ 1.000 que esperava receber quando votou em Lula, terá que trabalhar por mais quatro anos, a exata duração de um mandato presidencial.
A tunga socioestatística entrou em vigor e ninguém disse uma palavra. Do IBGE, não se ouviu um só alerta, em nome da piedade. Bastaria lembrar à patuléia o efeito que a nova tabela teria sobre o fator previdenciário.
O instituto argumenta que, "no tocante aos aspectos previdenciários da população, cabe esclarecer que as políticas propostas e executadas nesse campo são de inteira responsabilidade do Ministério da Previdência Social, muito em particular no que se refere ao chamado fator previdenciário". Já o INSS pode dizer que não lhe compete discutir as tabelas do IBGE. Estão calados os companheiros da CUT, da Força Sindical e aqueles sábios do PT que apareciam na propaganda de Lula. Ninguém propôs nem sequer uma regra de transição, capaz de suavizar a pancada.
Só reclama, em voz baixa, fiel ao seu estilo discreto, o deputado Sérgio Miranda. Ele visitou uma dezena de gabinetes. Ampara-se num esplêndido trabalho da assessora parlamentar Cláudia Augusta Ferreira Deud. O deputado está convencido de que essa anomalia será corrigida. Acredita mesmo que a abertura do debate em torno da equação do fator previdenciário poderá ter um desfecho benéfico, mandando ao arquivo a tabela do IBGE. Nenhuma seguradora privada usa essa tábua para calcular seus benefícios.
Se uma coisa dessas acontecesse com a turma do andar de cima, ou com as aposentadorias de Lula, FFHH ou Ornellas, apareceria algum sábio dizendo que se estava desrespeitando o equilíbrio dos contratos. Com a choldra, felizmente apareceu Sérgio Miranda. Pode-se ler seu trabalho (com cinco tabelas) no seguinte endereço: www.sergiomiranda.org.br.

Inácio micou, mas Dirceu se safou

O cruzamento das contas do IBGE com a voracidade do INSS criou situações malucas, como o seguinte exemplo virtual.
Em novembro do ano passado, Luiz Inácio Palocci e José Dirceu Meirelles, funcionários da Febraban, tinham 60 anos de idade e 35 anos de contribuição para o INSS. Podiam se aposentar com R$ 1.000 mensais. Luiz Inácio consultou as tabelas do INSS e viu que, se trabalhasse mais um ano, passaria a receber R$ 1.130. José Dirceu, que não acredita em estimativas do IBGE nem em promessas do INSS, deu entrada nos papéis. Buscou os R$ 1.000 a que tinha direito, aposentou-se e é essa a quantia que recebe hoje.
Luiz Inácio, que decidiu trabalhar mais um ano, micou. Como o IBGE elevou a sua expectativa de sobrevida de 17,8 anos para 20,5 anos (um aumento de 14,5%), tomou a tunga socioestatística e ficará até dezembro na Febraban. Quando se aposentar, no ano que vem, receberá R$ 940, 6% abaixo de Dirceu, que trabalhou um ano a menos.

Vermelho, 17

Um curioso sapeou a lista de telefonemas dados por FFHH nas três primeiras semanas de junho e verificou que o ex-presidente fez pelo menos uma chamada para o empresário Benjamin Steinbruch. Não teve retorno.
Em 1997, Steinbruch venceu o leilão da Vale do Rio Doce porque FFHH estimulou a Previ a apoiar o consórcio que derrotou o do empresário Antônio Ermírio de Moraes. FFHH não se faz de vítima nem é chegado a dramalhão, mas seria o caso de mandar um mimo a Steinbruch, o genial tango de David Nasser e Herivelto Martins, imortalizado por Nelson Gonçalves:
"Quando a sorte caprichosa o abandonou. (...)
Cada amigo num estranho se tornou. (...)
Deu preto, 17,
Nem um cão entre os amigos encontrou".

Agenda perdida

O ministro Humberto Costa bem que poderia organizar uma festa para o ano que vem. Comemorará os primeiros dez anos da tentativa do professor Adib Jatene de cobrar (direito) aos planos de saúde o ressarcimento que devem à rede de hospitais públicos quando ela atende aos seus clientes.
Costa assumiu falando nisso, foi saindo de fininho e o assunto parece ter caído no grande desfiladeiro do Gabinete Civil.

O PSDB criou o voto Maria Madalena

Legenda: Na montagem, Talleyrand e Luís 18, tucanos do século 19
O tucanato do Rio de Janeiro tomou uma linha de agressão explícita ao eleitorado. Intitula-se "indicado para casos de arrependimento". Faz tempo que se sabe que os tucanos se julgam mais preparados e inteligentes que a choldra. Têm um jeitão superior, e poucos têm a simpatia de FFHH. Vai daí que freqüentemente são pesados. O governador Geraldo Alckmin, por exemplo, parece-se com um cardeal espanhol saindo de uma reunião do Tribunal do Santo Ofício. Quem já discordou de um tucano durante uma conversa verificou que, contestados, eles repetem a explicação. Tratam a discordância como produto da incompreensão. Alckmin, por exemplo, repete, palavra por palavra, falando cada vez mais devagar, como gramofone quebrado. FFHH, homem fino, faz uma frase nova.
O anúncio do PSDB do Rio de Janeiro em sua propaganda na televisão mostra que o tucanato decidiu exigir que o eleitorado faça um ato de contrição.
Os brasileiros que votaram em Lula devem se ajoelhar no milho e pedir perdão aos gênios que arruinaram a nação entre 1994 e 2003. Propostas? O PSDB ainda não apresentou uma. Seus candidatos assemelham-se aos Bourbons chegando a Paris em 1814, depois da deposição do general Bonaparte. O príncipe de Talleyrand estudou-lhes o comportamento e definiu-os: "Não esqueceram nada nem aprenderam nada".
Os Bourbons tinham mais sentimentos de vingança (afinal, degolaram-lhes o monarca Luís 16) do que arrogância. Os tucanos têm mais arrogância do que ressentimento.
Pensam que os eleitores enganaram-se quando elegeram Lula e não percebem que 54 milhões de nativos quiseram antes de tudo tirá-los do poder. O voto de 2002 destinou-se muito mais a botar os tucanos para fora do que os petistas para dentro. Se a ekipekonômica ficou, essa é outra história.
Um eleitor pode até estar arrependido de ter confiado nas promessas de Lula (10 milhões de empregos, por exemplo). Isso não significa que deve aos tucanos a submissão de uma nova modalidade de escolha, o voto Maria Madalena, pecadora arrependida.

A privataria ferroviária não se emenda

Para o registro histórico das conversações entre a privataria ferroviária e o BNDES:
1) Aconteceu uma coisa esquisita na oficina da Central do Brasil, no Engenho de Dentro. Monumento da memória ferroviária nacional, ele existe desde 1871. Havia lá uns 300 trens, meio apodrecidos. A concessionária Supervia deu-lhes destino. O pátio, onde havia toda sorte de equipamento sucateado, está vazio. A Agência Reguladora dos Serviços Públicos do Rio abriu três processos, procurando 32 trens.
Sumiram sem baixa.
2) A concessionária Brasil Ferrovias, que deve R$ 100 milhões à Viúva pelo arrendamento da linha Novoeste, teve um presidente assalariado por R$ 100 mil mensais. Trabalhou 14 meses, deixou o cargo levando consigo mais R$ 600 mil, contratuais. Total: R$ 2 milhões.
Contrato da privataria é assim mesmo. Paga para cima, caloteia para baixo e se reestrutura no BNDES.

Retomada

Graças à corretora Merrill Lynch sabe-se que o principal produto do primeiro ano de governo do PT-Federal foram milionários do papelório. Cresceram 6% num ano em que o PIB contraiu-se em 0,2%. A ekipekonômica produziu 2 milhões de desempregados no andar de baixo e 5.000 novos milionários (em dólares) no de cima. Isso em 2003, mas 2004 promete. É o ano da retomada.
Na região metropolitana de São Paulo, os números de março, comparados com os do mesmo mês de 2003, ensinam que os 10% mais pobres perderam 5,4% da renda, mas os 10% mais ricos ganharam 4,2%.
Isso significa que o doutor Antonio Palocci e seus brilhantes rapazes poderão acabar com a renda do andar de baixo da região metropolitana de São Paulo em 33 anos. Enquanto isso, os 10% mais ricos ficarão com 84% da renda.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota, acredita em tudo o que os governantes dizem. Ele quer montar uma imobiliária e vai convidar o ex-presidente Fernando Collor de Mello para sócio. O idiota não tem onde cair morto, mas gosta de pesquisar preços de imóveis na Flórida. Outro dia se deu conta de que Collor vendeu sua casa de Miami por US$ 2,85 milhões de dólares.
Durante a campanha eleitoral de 2000, quando foi candidato a prefeito de São Paulo, Collor informou à Justiça Eleitoral que o chatô valia R$ 126.175, algo como US$ 60 mil.
Eremildo tem alguns barracos no Borel e gostaria que Collor os vendesse.


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