São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2000


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MÁQUINA PÚBLICA
Diretor de fundo de pensão da Caixa relata negociações com ex-secretário e com deputados que apóiam FHC
Fita mostra influência de EJ em fundos

MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Grampos telefônicos ilegais obtidos pela Folha mostram como o governo de Fernando Henrique Cardoso, por meio do ex-secretário Eduardo Jorge Caldos, usou ao menos um fundo de pensão para fazer barganha política. As fitas foram gravadas entre julho e setembro de 1997, e interceptaram conversas de Júlio Porto, então diretor financeiro do Real Grandeza, o fundo de pensão de Furnas Centrais Elétricas.
Na época, Porto tinha acabado de assumir o cargo por indicação de deputados do PPB. Como apoiavam o governo em votações importantes, os parlamentares conquistaram o "direito" de fazer indicação para um cargo federal.
Negociaram com Eduardo Jorge e escolheram logo a diretoria financeira do Real Grandeza, cargo que permite o controle sobre um patrimônio de R$ 1 bilhão. As diretorias dos fundos de pensão, que movimentam cerca de R$ 90 bilhões por mês, estão entre as mais cobiçadas pelos políticos.
Em pouco tempo, Porto se desentendeu com os parlamentares. O motivo: ele se recusava a negociar com Eduardo Cunha, então dirigente do PPB do Rio de Janeiro, ex-presidente da Telerj no governo de Fernando Collor e mais recentemente demitido da Companhia Estadual de Habitação do Rio pelo governador Anthony Garotinho (PDT-RJ) por suspeita de irregularidades.
Ao resistir a Cunha, Porto passou a ser alvo dos ataques dos parlamentares, que tentaram derrubá-lo da diretoria financeira do Real Grandeza. Os deputados desconfiavam que, em vez de seguir suas vontades, Porto obedecia a diretrizes do gabinete de Eduardo Jorge no Planalto.
Ele então buscou socorro no próprio Eduardo Jorge, que chegou a recebê-lo em seu gabinete duas vezes num único dia. Na mesma época, as conversas de Porto passaram a ser monitoradas. A Folha apurou que, no total, 26 fitas foram gravadas.
Em outubro, a existência dos grampos veio a público. O próprio Eduardo Jorge recebeu a transcrição delas. As gravações foram classificadas pelo Planalto como tentativa de "chantagem".
O ex-presidente da Telerj Eduardo Cunha foi apontado como suspeito de ter feito o grampo, mas negou a autoria.
Na época, a Folha teve acesso e divulgou alguns trechos das transcrições obtidas pelo Planalto. Eles estão incluídos nas gravações, com outros diálogos inéditos, agora obtidos pelo jornal.
São duas fitas com uma seleção de conversas de Porto. Elas foram entregues anteontem à Folha por um dos parlamentares que participaram guerra para controlar a diretoria financeira de Furnas.
O ex-diretor Julio Porto tomou conhecimento genérico da fitas e confirma a veracidade dos trechos que foram publicados pela Folha em 97.
Ele não quis ouvir as novas gravações obtidas pelo jornal. "O que vocês publicaram, para mim, na época, basta. É a pura verdade", diz. "Houve diálogo com o Eduardo Jorge no Palácio", confirma. "Eduardo Cunha era representante e fazia o lobby dos deputados", declara.
Ao ser questionado sobre o motivo que o levou a procurar Eduardo Jorge no Palácio do Planalto, e não apenas a diretoria de Furnas, a quem era formalmente subordinado, Porto respondeu: "Por que você acha, hein? Por que você acha? Você sabe muito bem que o Eduardo Jorge era a pessoa dos políticos naquela época."
As fitas com seleção de diálogos mostram o esforço de Porto em neutralizar as investidas de Eduardo Cunha. Numa viagem a Brasília, ele vai três vezes ao Palácio do Planalto. Na primeira, encontra-se com Cláudio Faria, então chefe de gabinete de Eduardo Jorge e hoje lobista em Brasília.
Nas duas seguintes, conversa com Eduardo Jorge -primeiro acompanhado pelo presidente do Real Grandeza, Marco Aurélio Gadelha. Retorna no mesmo dia, às 18h. A pedido de Eduardo Jorge, volta sozinho.
Na noite do mesmo dia, janta com os parlamentares que queriam derrubá-lo. Interrompe a conversa para telefonar a sua mulher, no Rio de Janeiro.
Liliana - Ju? Tudo bom?
Porto - Tô no meio do jantar aqui. Tô no banheiro. Acho que o negócio foi ótimo. O Eduardo Jorge e o Cláudio me receberam três vezes hoje.
Liliana -Opa!!
Porto - Três vezes! Fizeram questão de eu ir lá de novo. Ficaram comigo mais de uma hora.
Liliana - Ô, que bom.
Porto - Muito bom mesmo. Maravilha. Tô aqui com os deputados. Não vou falar mais nada aqui.
Já no Rio de Janeiro, Porto recebe a ligação de um amigo que está em Brasília. Relata a ele detalhes da conversa que teve com EJ.
Porto - Você já esteve com o pessoal?
Amigo - Que pessoal? Lá do Palácio? Vou estar agora.
Porto - Ó, foi muito bom, hein?
Amigo -É?
Porto - É! Tanto que ele me chamou no final da tarde, ele, Eduardo... Eu estive com o Cláudio (Faria, chefe de gabinete de Eduardo Jorge) de manhã cedo, tá? Aí expliquei tudo para o Cláudio. Às 4h da tarde, eu estive normalmente com o Gadelha (Marco Aurélio Gadelha, presidente fundo de pensão de Furnas). Antes de eu entrar, o Cláudio falou: Julinho, o Eduardo falou para você voltar aqui às 6h da tarde pra conversar só com ele. Não traz o Gadelha. Aí eu voltei, às 6h. Ficamos eu, ele e Cláudio. Contei aquele negócio todo para o Eduardo Jorge, e ele disse: "Olha, Julinho, o Eduardo Cunha é persona non grata ao governo". Ele não tem nenhuma chance, para lugar nenhum. E já foi passado isso para o Dornelles. Por outro lado, os deputados têm direito ao seu cargo. Esse é um problema que você tem. Você tá no fio da navalha mesmo. Mas fique tranquilo que você tá com linha direta pra mim..."
Num outro trecho, Porto responde de onde vem seu apoio.
"Por enquanto tenho, diretamente do Palácio, tá? Mas diretamente mesmo. Não tô esnobando ninguém, tô falando a verdade. Mas isso não quer dizer nada. O próprio Palácio diz: se os deputados quiserem te tirar, eles te tiram. É nesse nível, a coisa. Então você não está agradando como eles queriam que você "agradasse", entre aspas também."


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