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MÁQUINA PÚBLICA
Diretor de fundo de pensão da Caixa relata negociações com ex-secretário e com deputados que apóiam FHC
Fita mostra influência de EJ em fundos
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Grampos telefônicos ilegais obtidos pela Folha mostram como o
governo de Fernando Henrique
Cardoso, por meio do ex-secretário Eduardo Jorge Caldos, usou ao
menos um fundo de pensão para
fazer barganha política. As fitas
foram gravadas entre julho e setembro de 1997, e interceptaram
conversas de Júlio Porto, então diretor financeiro do Real Grandeza, o fundo de pensão de Furnas
Centrais Elétricas.
Na época, Porto tinha acabado
de assumir o cargo por indicação
de deputados do PPB. Como
apoiavam o governo em votações
importantes, os parlamentares
conquistaram o "direito" de fazer
indicação para um cargo federal.
Negociaram com Eduardo Jorge e escolheram logo a diretoria financeira do Real Grandeza, cargo
que permite o controle sobre um
patrimônio de R$ 1 bilhão. As diretorias dos fundos de pensão,
que movimentam cerca de R$ 90
bilhões por mês, estão entre as
mais cobiçadas pelos políticos.
Em pouco tempo, Porto se desentendeu com os parlamentares.
O motivo: ele se recusava a negociar com Eduardo Cunha, então
dirigente do PPB do Rio de Janeiro, ex-presidente da Telerj no governo de Fernando Collor e mais
recentemente demitido da Companhia Estadual de Habitação do
Rio pelo governador Anthony
Garotinho (PDT-RJ) por suspeita
de irregularidades.
Ao resistir a Cunha, Porto passou a ser alvo dos ataques dos parlamentares, que tentaram derrubá-lo da diretoria financeira do
Real Grandeza. Os deputados
desconfiavam que, em vez de seguir suas vontades, Porto obedecia a diretrizes do gabinete de
Eduardo Jorge no Planalto.
Ele então buscou socorro no
próprio Eduardo Jorge, que chegou a recebê-lo em seu gabinete
duas vezes num único dia. Na
mesma época, as conversas de
Porto passaram a ser monitoradas. A Folha apurou que, no total,
26 fitas foram gravadas.
Em outubro, a existência dos
grampos veio a público. O próprio Eduardo Jorge recebeu a
transcrição delas. As gravações
foram classificadas pelo Planalto
como tentativa de "chantagem".
O ex-presidente da Telerj
Eduardo Cunha foi apontado como suspeito de ter feito o grampo,
mas negou a autoria.
Na época, a Folha teve acesso e
divulgou alguns trechos das
transcrições obtidas pelo Planalto. Eles estão incluídos nas gravações, com outros diálogos inéditos, agora obtidos pelo jornal.
São duas fitas com uma seleção
de conversas de Porto. Elas foram
entregues anteontem à Folha por
um dos parlamentares que participaram guerra para controlar a
diretoria financeira de Furnas.
O ex-diretor Julio Porto tomou
conhecimento genérico da fitas e
confirma a veracidade dos trechos que foram publicados pela
Folha em 97.
Ele não quis ouvir as novas gravações obtidas pelo jornal. "O que
vocês publicaram, para mim, na
época, basta. É a pura verdade",
diz. "Houve diálogo com o Eduardo Jorge no Palácio", confirma.
"Eduardo Cunha era representante e fazia o lobby dos deputados", declara.
Ao ser questionado sobre o motivo que o levou a procurar
Eduardo Jorge no Palácio do Planalto, e não apenas a diretoria de
Furnas, a quem era formalmente
subordinado, Porto respondeu:
"Por que você acha, hein? Por que
você acha? Você sabe muito bem
que o Eduardo Jorge era a pessoa
dos políticos naquela época."
As fitas com seleção de diálogos
mostram o esforço de Porto em
neutralizar as investidas de
Eduardo Cunha. Numa viagem a
Brasília, ele vai três vezes ao Palácio do Planalto. Na primeira, encontra-se com Cláudio Faria, então chefe de gabinete de Eduardo
Jorge e hoje lobista em Brasília.
Nas duas seguintes, conversa
com Eduardo Jorge -primeiro
acompanhado pelo presidente do
Real Grandeza, Marco Aurélio
Gadelha. Retorna no mesmo dia,
às 18h. A pedido de Eduardo Jorge, volta sozinho.
Na noite do mesmo dia, janta
com os parlamentares que queriam derrubá-lo. Interrompe a
conversa para telefonar a sua mulher, no Rio de Janeiro.
Liliana - Ju? Tudo bom?
Porto - Tô no meio do jantar
aqui. Tô no banheiro. Acho que o
negócio foi ótimo. O Eduardo Jorge e o Cláudio me receberam três
vezes hoje.
Liliana -Opa!!
Porto - Três vezes! Fizeram
questão de eu ir lá de novo. Ficaram comigo mais de uma hora.
Liliana - Ô, que bom.
Porto - Muito bom mesmo. Maravilha. Tô aqui com os deputados. Não vou falar mais nada
aqui.
Já no Rio de Janeiro, Porto recebe a ligação de um amigo que está
em Brasília. Relata a ele detalhes
da conversa que teve com EJ.
Porto - Você já esteve com o
pessoal?
Amigo - Que pessoal? Lá do Palácio? Vou estar agora.
Porto - Ó, foi muito bom, hein?
Amigo -É?
Porto - É! Tanto que ele me chamou no final da tarde, ele, Eduardo... Eu estive com o Cláudio (Faria, chefe de gabinete de Eduardo
Jorge) de manhã cedo, tá? Aí expliquei tudo para o Cláudio. Às 4h
da tarde, eu estive normalmente
com o Gadelha (Marco Aurélio
Gadelha, presidente fundo de
pensão de Furnas). Antes de eu
entrar, o Cláudio falou: Julinho, o
Eduardo falou para você voltar
aqui às 6h da tarde pra conversar
só com ele. Não traz o Gadelha. Aí
eu voltei, às 6h. Ficamos eu, ele e
Cláudio. Contei aquele negócio
todo para o Eduardo Jorge, e ele
disse: "Olha, Julinho, o Eduardo
Cunha é persona non grata ao governo". Ele não tem nenhuma
chance, para lugar nenhum. E já
foi passado isso para o Dornelles.
Por outro lado, os deputados têm
direito ao seu cargo. Esse é um
problema que você tem. Você tá
no fio da navalha mesmo. Mas fique tranquilo que você tá com linha direta pra mim..."
Num outro trecho, Porto responde de onde vem seu apoio.
"Por enquanto tenho, diretamente do Palácio, tá? Mas diretamente mesmo. Não tô esnobando
ninguém, tô falando a verdade.
Mas isso não quer dizer nada. O
próprio Palácio diz: se os deputados quiserem te tirar, eles te tiram.
É nesse nível, a coisa. Então você
não está agradando como eles
queriam que você "agradasse",
entre aspas também."
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