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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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Greenhalgh tenta evitar recurso

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de 21 anos, a Justiça deu ganho de causa aos familiares de 22 militantes do PC do B que combateram na guerrilha do Araguaia. A juíza Solange Salgado ordenou a abertura dos arquivos militares e a localização e o traslado dos corpos para que sejam enterrados pelas suas famílias.
O advogado e deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), 55, festeja a sentença, na qual a juíza afirma que os desaparecidos "foram vítimas de extermínio sumário, não tiveram acesso a nenhuma das garantias asseguradas aos acusados e, ao que tudo indica, tiveram seus restos mortais violados, profanados ou ocultados".
Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Greenhalgh trabalha para que a AGU (Advocacia Geral da União) não recorra da sentença. Leia abaixo os principais trechos da entrevista de Greenhalgh à Folha.
 

Folha - O sr. ganhou. E agora?
Luiz Eduardo Greenhalgh -
Vivo um momento de muita expectativa pessoal e profissional. Durante o regime militar, eram compreensíveis as evasivas da União a respeito de sua responsabilidade sobre os episódios do Araguaia e o destino dos guerrilheiros. Com o presidente Fernando Henrique, consegui fazer, pela primeira vez com o apoio do Ministério da Defesa, uma caravana oficial da Câmara dos Deputados para localizar, na região da guerrilha, os restos mortais dos desaparecidos.
Foi em vão, mas, de qualquer forma, Fernando Henrique permitiu que houvesse esse apoio governamental para esclarecimento dos fatos. Nutro a certeza de que agora, no governo Lula, que tem em postos-chave muitos militantes que combateram o regime militar, com o próprio presidente tendo sido preso político, com o presidente do PT [José Genoino] sendo um dos sobreviventes do Araguaia, sendo o advogado-geral da União [Álvaro Augusto Ribeiro da Costa] um defensor dos direitos humanos, tendo o governo criado um ministério de direitos humanos, com o Nilmário Miranda. Eu espero que não haja recurso para a sentença e que finalmente este governo abra os arquivos sobre a guerrilha. Não nutro nenhum sentimento de revanche. Não quero pôr ninguém no banco dos réus, mas não abdico do exercício do direito dos familiares de enterrar dignamente seus mortos.

Folha - Qual a estratégia para evitar um novo recurso?
Greenhalgh -
Conversar. Vou conversar com todas as pessoas importantes do governo. Inclusive o presidente. Acho que tenho direito de conversar com ele sobre isso, porque fui advogado dele nos mesmos tribunais militares.

Folha - Já há algum sinal?
Greenhalgh -
Conversei por telefone com o advogado-geral, a quem cabe a decisão de recorrer ou não. Ele foi receptivo à idéia de verificar a possibilidade de não recorrer. Disse que terá a maior boa vontade de resolver isso de uma forma diferente da que foi feita em governos anteriores. Marcamos para a próxima terça-feira uma entrevista, à qual irei acompanhado do deputado Sigmaringa Seixas [PT-DF], que assinou a ação comigo, em 1982.

Folha - Sinais do Exército?
Greenhalgh -
Almocei com o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, a convite dele, para falar sobre o estatuto do desarmamento aprovado no Senado. Estava preparado para abordar esse assunto [sentença]. Ele não tocou no assunto.

Folha - Qual sua expectativa em relação ao Exército?
Greenhalgh -
Deveria aceitar, reconhecer que decisão judicial não se discute, cumpre-se.

Folha - Qual a relevância histórica dessa sentença?
Greenhalgh -
De todas as iniciativas para a localização dos corpos dos desaparecidos políticos do movimento da guerrilha do Araguaia, essa sentença é a mais completa. Estabelece o direito absoluto dos familiares à verdade histórica do que aconteceu e à localização das ossadas e os traslados para sepulturas cristãs.

Folha - Qual é o ponto mais importante da decisão?
Greenhalgh
- O direito à sepultura, que vem de uma lei natural dos homens. A guerrilha durou menos de três anos. Demorou 21 anos até os familiares terem seu direito reconhecido. Os autores não querem indenização pecuniária, já foram ressarcidos pela Lei de Anistia. O gesto que eu esperaria do governo era o de fazer um monumento aos desaparecidos políticos no regime militar. E o anúncio, pelo presidente, dos esclarecimentos desse caso.


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