São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 2002

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CANDIDATOS NA FOLHA/ SENADORES

SÃO PAULO

Tuma (PFL), Quércia (PMDB) e Mercadante (PT) abdicam de críticas recíprocas e elegem políticas de emprego e segurança pública para atacar gestões tucanas

Cordiais entre si, candidatos criticam PSDB

Patrícia Santos/Folha Imagem
Os candidatos Romeu Tuma (PFL), Orestes Quércia (PMDB) e Aloizio Mercadante (PT) durante debate ontem à tarde no Teatro Folha


DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de pertencerem a partidos de origem, programa e orientação política diversa, os candidatos ao Senado por São Paulo Romeu Tuma (PFL), 70, Orestes Quércia (PMDB), 63, e Aloizio Mercadante (PT), 48, fizeram um debate sem ataques, confrontos ou mesmo divergências relevantes.
Os três primeiros colocados na última pesquisa Datafolha marcaram sua participação no primeiro debate ao Senado com críticas na área de segurança às gestões dos tucanos Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso, além de defenderem o fortalecimento da indústria nacional e o aumento das exportações para gerar emprego.
Quércia e Mercadante comprovaram na prática a aliança informal entre os dois partidos no Estado - balizada pelo apoio à candidatura Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência-, fazendo suas intervenções sem críticas mútuas. Mesmo Tuma, que apóia Alckmin em São Paulo e Fernando Henrique Cardoso no governo federal, não saiu em defesa dos tucanos e concordou com os adversários.
O primeiro debate para o Senado encerrou a série "Candidatos na Folha", realizada no Teatro Folha, em Higienópolis, zona central de São Paulo. Os candidatos foram sabatinados pelo secretário de Redação Fernando Canzian e pelo editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, além de leitores convidados.

O primeiro bloco foi dedicado a perguntas dos jornalistas aos candidatos. O secretário de Redação Fernando Canzian abriu o debate fazendo a primeira pergunta a Orestes Quércia, como foi definido por sorteio. O jornalista afirmou que, segundo a declaração de bens entregue por Quércia ao Tribunal Regional Eleitoral, seu patrimônio pessoal, avaliado em R$ 64,8 milhões, registrou um crescimento de 562% na comparação com os bens registrados em 1996. Canzian questionou como o peemedebista explicava essa volumosa variação patrimonial.
"Sou empresário antes de ser político. Comecei vendendo melancias, tive fábrica de bicicletas, vendi manga em compota. Quando fui candidato a prefeito de Campinas meu slogan era "um empresário de sucesso na prefeitura". Nestes últimos, fiz um negócio bom. Comprei um jornal, investi e tive um lucro grande, sobre o qual estou pagando Imposto de Renda. Sou empresário antes de ser político", afirmou Quércia.

QUÉRCIA E PT
O editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, lembrou a Aloizio Mercadante a aliança informal que existe entre o PT e o PMDB de Quércia, que está à frente do petista nas pesquisas. Barros e Silva perguntou a Mercadante se ele e o partido não estariam pagando um preço alto demais em razão do projeto de tentar eleger Lula presidente da República.
"Venho crescendo em todas as pesquisas. Devo isso à militância do PT. Há um sentimento de necessidade de mudança e de desejo de ética na política, em razão do desemprego, da falta de crescimento e do aumento da criminalidade. O esforço de eleger Lula é o meu eixo central e o do partido. Lula já respondeu a essa questão na TV e disse: "Meu candidato ao Senado em São Paulo é o Mercadante'", respondeu o petista.
Barros e Silva afirmou que a direção nacional do PT não sinalizava nesse sentido ao levar Lula à inauguração do comitê eleitoral de Quércia. "O projeto do Lula é importante como é aumentarmos a bancada no Senado, que homologará o novo presidente do Banco Central, peça fundamental para mudarmos a política econômica, os embaixadores, que têm de negociar uma nova diplomacia comercial, a rolagem da dívida e a escolha de novos ministros para o STF (Supremo Tribunal Federal), por exemplo. É evidente que vamos ter de fazer aliança também no Senado", declarou.

TUMA E A REPRESSÃO
Canzian pediu a Romeu Tuma que ele explicasse seu comportamento por ter permanecido 30 anos na direção do Dops (órgão de repressão política no regime militar) e por ter sido apontado como agente da repressão pelo grupo Tortura Nunca Mais, entidade civil que identificou colaboradores dos militares.
"Já esperava que a história tivesse algumas distorções. Minha história está sendo contada pelo próprio Lula e pelo José Dirceu. Tive uma postura de equilíbrio e respeito aos cidadãos que ficaram sob a minha custódia."

ROUBO E PIPOCA
Barros e Silva citou uma provocação de Quércia a Lula -de que o petista não saberia administrar nem carrinho de pipoca- e a resposta do hoje candidato a presidente -de que também nunca havia roubado carrinho de pipoca- para perguntar se não havia uma contradição na aliança de ambos.
"Lula reúne condições excepcionais de governar o país. Não posso fazer campanha e pedir voto para o Lula, porque a verticalização impede. Mas tenho responsabilidade e quero ajudar este país a escolher a melhor alternativa. A despeito dos ataques pessoas, a proposta que melhor atende o país é a do candidato do PT", respondeu Quércia.
Barros e Silva voltou a citar a frase de Lula com referência a roubo. "Considero superada", disse o peemedebista.

SANTO ANDRÉ
Em sua pergunta a Mercadante, Canzian lembrou que 12 pessoas foram acusadas de corrupção na administração de Santo André, sendo três delas petistas ligados ao prefeito Celso Daniel, assassinado em janeiro. Perguntou se o caso viria à tona sem que tivesse ocorrido a investigação do crime.

"O PT inaugurou um novo padrão de ética na política, com exigência de apuração de qualquer indício de irregularidade. O mesmo rigor que exigimos dos outros, temos de exigir nas nossas administrações. Hoje o PT governa 50 milhões de pessoas. Quase um em cada quatro cidadãos é governado pelo PT. Vamos ter problemas, sim. A diferença é que afastamos e exigimos rigorosa apuração", respondeu o petista à pergunta sobre irregularidades em Santo André.

TUMA E COLLOR
Barros e Silva disse que Romeu Tuma foi diretor da Polícia Federal e secretário da Receita Federal durante a gestão Fernando Collor, na qual apareceram as acusações de envolvimento do empresário Paulo César Farias com tráfico de influência, lavagem de dinheiro, corrupção e narcotráfico. Perguntou se houve incompetência da Polícia Federal e da Receita, então sob a guarda de Tuma.
"Quando começaram a surgir indicativos de que PC Farias montou um governo paralelo, tomei as providências. Indiquei o dr. Paulo Lacerda, delegado que se notabilizou na investigação, para acompanhar o caso. Descobri os computadores do PC. Com um disquete que custou US$ 100, reabri as informações que eles achavam que tinha deletado do computador", respondeu.

ENTRE OS CANDIDATOS
O segundo bloco dos debates foi dedicado a perguntas entre os candidatos. Conforme definição feita também por sorteio, Quércia perguntou a Mercadante sobre a municipalização da saúde.
"A descentralização é sempre um caminho mais promissor para aumentar a eficiência. Diminui o custo da gestão e cria maior possibilidade de fiscalização", respondeu o petista. Mercadante disse que a medida será importante ainda porque, em 2003, segundo ele, de cada R$ 1 arrecadado, R$ 0,59 vai estar comprometido com o pagamento da dívida.
"Estou plenamente de acordo com o candidato. O país vai estar numa situação insustentável. A despeito de termos poucos recursos na área de saúde, que eles se transformem em recursos municipais", disse Quércia.
Mercadante afirmou que houve uma "deterioração da qualidade da segurança oferecida em São Paulo e no Brasil, nas gestões de Alckmin e FHC". Citou que no ano passado houve 40 mil homicídios, sendo 17 mil só na Grande São Paulo, e perguntou a opinião de Tuma sobre o tema.
"Ninguém em sã consciência poderia dizer que a segurança está uma maravilha. Com 40 anos de militância na área, não poderia aceitar como correta a atual política. Estamos a reboque do crime", afirmou Tuma.
Na réplica, Mercadante afirmou que a gestão do sistema prisional em São Paulo foi um "desastre". "O crime avançou dentro do sistema e ameaçou a sociedade. O censo penitenciário mostra que o perfil do preso é ser jovem, desqualificado e analfabeto. 24% dos jovens na favela não têm emprego e não estão buscando. Já assumem como opção o crime", disse.
"Concordo com o deputado. O que precisa é botar bandido na cadeia e que ele cumpra a pena integral", disse Tuma, em sua tréplica.

TUMA x QUÉRCIA
A pergunta seguinte foi feita por Tuma a Quércia, sobre o mesmo tema, a segurança. "No Brasil, 80% dos crimes são cometidos por reincidentes. Vivemos uma situação dramática. No Senado, temos de pressionar no sentido de haver um esforço de mobilização, um mutirão. Vamos pegar os projetos que o Mercadante falou que tem e fazer um mutirão. Vamos fazer presídios federais longe da civilização, das cidades, nos quais os condenados trabalhem", propôs Quércia.
"Perfeitamente, governador. Precisamos de presídios modernos, com vigilância eletrônica, sem contato com pessoas, com oficinas para trabalhar e pagar sua estada", concordou Tuma.

MERCADANTE X QUÉRCIA
Mercadante perguntou a Quércia quais as propostas dele para o aumento do emprego. "Grande problema é a desnacionalização das empresas. Não sou contra o capital estrangeiro, mas essas empresas não têm interesse em exportar. Querem o mercado interno. Façamos com que os governos tenham um mínimo de 20% ou de 30% de suas compras de micros e pequenas empresas nacionais, as que mais geram empregos. O governo dos EUA compra um percentual dessas empresas. Às vezes paga mais caro, mas compra", disse o peemedebista.
"Não vamos ter emprego se não mudar o modelo econômico. A política neoliberal fracassou aqui, levou a Argentina ao colapso, o Paraguai ao estado de sítio, a Colômbia à guerra e a Venezuela a uma crise institucional", disse.
O editor de Brasil observou que os candidatos estavam com tanta cordialidade e falta de questionamentos entre si que dava a impressão de que havia três vagas em disputa em vez de apenas duas. "Todos concordam com as dificuldades que o país atravessa e os diagnósticos são compatíveis", tentou justificar Tuma.

OS LEITORES
A lógica da troca de gentilezas foi interrompida quando, no terceiro bloco da sabatina, os três candidatos ao Senado responderam a perguntas de leitores do jornal. Mas, se em geral as perguntas foram contundentes, os candidatos as respondiam de forma enviesada.
Vanira Kunc perguntou a Quércia a razão pela qual foi acusado de haver "quebrado" as finanças do Estado. Ele disse que há pouco menos de oito anos o PSDB recebeu São Paulo com uma dívida de R$ 18 bilhões, e que hoje ela é de R$ 90 bilhões.
Quanto ao Banespa, respondeu que aquela instituição foi objeto de CPI na Assembléia Legislativa, e que seu relatório final inocentou-o de responsabilidades.
O leitor José Paulo Nunes perguntou a Mercadante a razão pela qual ele elogiara Zélia Cardoso de Melo, ministra da Economia, quando o Plano Collor confiscou os depósitos bancários.
Em lugar de explicar seu apoio momentâneo ao Plano Collor, o candidato do PT disse ter sido colega de classe de Zélia e classificou Collor como "o pior presidente da história republicana".
Tuma assumiu o risco de ser politicamente incorreto ao ser indagado pelo leitor Rodrigo Moraes Soares sobre a união civil entre homossexuais. Disse respeitar a opção das pessoas na busca do prazer, mas que tal união é contrária os ensinamentos do cristianismo, por impedir a procriação do casal.
Carlos Alberto Monção perguntou a Tuma se ele teria hoje o mesmo comportamento que demonstrou durante o governo Collor, ao prender um conhecido hipermercadista porque o preço certa marca de desodorante havia sido indevidamente reajustada.
Ele respondeu que uma lei o obrigava a punir quem alterasse as tabelas de preços. Caso hoje estivesse em vigor uma lei semelhante, ele, chefiando algum setor da polícia, não hesitaria em fazer com que a lei fosse cumprida.



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