São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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ELIO GASPARI

Uma nova postura: ministros agachados


Marinho e Furlan festejaram Lula em um jantar de magnatas numa posição que o cerimonial não prevê

A HISTÓRIA fez uma trapaça com "nosso guia". Na semana em que morreu Joe Rosenthal, o autor da foto da colocação da bandeira americana no topo do monte Suribachi, em Iwo Jima, dois ministros do seu governo fizeram-se fotografar por André Dusek agachados, aos pés de alguns magnatas da indústria.
Agacharam-se os ministros Luiz Marinho, do Trabalho (repetindo, Trabalho), e Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento. De pé, ficaram Lula e outros nove convidados do jantar oferecido por Furlan ao patronato. Nenhum empresário se agachou. Entre eles estavam Roger Agnelli (Vale) e Horácio Lafer Piva (Klabin).
Há fotografias que congelam instantes, como a de Kennedy em Dallas. Há outras que preservam sentimentos. Rosenthal captou uma cena plasticamente linda. Um gesto anônimo e pouco relevante encarnou o triunfo americano. (A batalha pela ilha estava longe do fim e quatro dos soldados fotografados morreriam antes que ela acabasse.)
Os ministros agachados estiveram numa situação diferente. Agacharam-se para sair melhor na fotografia onde estavam "nosso guia" e os magnatas. Ninguém achou impróprio, pois o grupo mostrou-se feliz e risonho. Há poucos dias, quando um hierarca do Ministério da Fazenda falou em "baixar as calças", foi considerado um mal-educado. Pode ser, mas o cerimonial da Presidência não prevê que ministros do governo da República se agachem, muito menos que o façam abaixo da linha da cintura de empresários.
Marinho entrou na fotografia de um ágape do grande patronato no mesmo dia em que a Volkswagen ameaçou fechar a sua fábrica de São Bernardo do Campo, aquela em cujo refeitório jantava, como operário.

Os americanos abriram um tesouro

O Arquivo Nacional americano colocou um tesouro na internet. São 5.000 documentos da sua diplomacia no Brasil durante a ditadura. Cobrem os anos de 1973 e 1974 e contêm preciosidades. Revelam telegramas do embaixador John Crimmins mostrando a Washington que a intransigência da política nuclear americana acabaria afastando o Brasil dos Estados Unidos. Documentam a virada da política de apoio aos porões militares.
Meia dúzia de telegramas lembram a esquecida figura de Frederic Chapin, cônsul em São Paulo nos anos 70. Era um presbiteriano praticante. Em 1976, tentou impedir a operação que matou os comunistas Pedro Pomar e Angelo Arroyo numa casa da Lapa.
Veio à tona um telegrama de Chapin, do dia 8 de maio de 1973, intitulado "Prisões políticas e tortura em São Paulo". É pau puro, denunciando assassinatos, choques elétricos e paus-de-arara. Mostra que havia um "padrão" de extermínio de presos considerados perigosos. Entre 1969 e 1971, a Embaixada em Brasília mentia para Washington. (Ou Washington preferia ter em Brasília uma Embaixada que não contasse o que sabia.)
Narrando um arrastão ocorrido na USP e o assassinato de um estudante, Chapin revela que Roberto Civita, dono da editora Abril, encontrou-se com um funcionário do consulado, narrou a dureza da censura e previu que os protestos contra a repressão militar culminariam "numa missa que acabará com todas as missas" em defesa dos direitos humanos.
Chapin comentou que "provavelmente isso é um exagero". Era exagero profético. Dois anos depois, diante da morte do jornalista Vladimir Herzog, D. Paulo Evaristo celebrou na catedral da Sé um culto ecumênico que se tornou a missa que acabou com todas as missas.
SERVIÇO - Chega-se à página do National Archives pelo endereço: http://aad.archives.gov/aad/series-description.jsp?s=4073&cat=all&bc=sl

Cáfila reformista
Habitualmente, associam-se as reformas da Previdência a uma atividade política civilizadora. Fizeram-se três em dez anos, sempre com prejuízo para o andar de baixo. A de Lula aumentou o valor máximo da contribuição, prometendo o paraíso para daqui a 30 anos, quando, depois da 116ª reforma, a Previdência estará extinta. Até agora são 84 os mensaleiros e sanguessugas listados pelo Ministério Público. A reforma da Previdência de Lula teve o apoio dessa bancada por 59 votos contra 12. Sem o apoio da cáfila de reserva da bancada petista, "nosso guia" não aprovava a reforma.

Ache o seu
Há um livro útil na praça e um bom endereço na Internet. É "Políticos do Brasil", do jornalista Fernando Rodrigues. Cinco anos de trabalho e muita paciência para dobrar tribunais que tentavam esconder os dados permitiram-lhe levantar tabular 3.500 registros com o desempenho profissional, eleitoral e patrimonial dos 1.780 políticos eleitos em 1998 e dos 1.790 vitoriosos em 2002. Isso e mais os balanços de suas campanhas. São 281 os milionários assumidos. Traz novidades e comprova velhas suspeitas. Mesmo não sendo ricos, os petistas foram os que tiveram maior desenvolvimento patrimonial (84%, na média). Os suplentes de senador têm patrimônio 46% superior ao dos titulares. Não é a toa que cerca da metade dos doutores passavam a cadeira ao suplente. Os patrimônios declarados estão na internet. De Lula (R$ 423 mil em 2002) ao campeão Ronaldo Cezar Coelho (PSDB-RJ), com seus R$ 297 milhões.
O endereço de Políticos do Brasil é www.politicosdobrasil.com.br

Samba em Berlim
Começou a temporada de caça às encomendas de brindes de fim de ano. Começou mal, pela mão do embaixador do Brasil na Alemanha, Luiz Felipe Seixas Corrêa. Em papel timbrado da Viúva, ele enviou correspondência a empresários brasileiros informando que a Embaixada editará, pela quarta vez, uma agenda de mesa "destinada a personalidades proeminentes do mundo econômico, político, social e jornalístico da Alemanha e do Brasil". Até aí tudo bem. Adiante o embaixador informa que a iniciativa é da empresa Marktforschung & Kommunikation, que "em breve entrará em contato com Vossa Senhoria para conversar sobre possíveis formas de cooperação". O negócio fica meio girafa, mas vá lá.
Ao final, o embaixador pisa na jaca: "Seria motivo de grande prazer para mim se um anúncio de sua empresa pudesse enriquecer o calendário".
Enriquecer o calendário e os maganos que buscam anúncios no Brasil. Na hora de puxar a rede, eles ligam para o empresário/vítima usando o nome de Seixas Corrêa.

Ave, banca
Governo que gosta de banqueiro funciona assim: em fevereiro, o então secretário do Tesouro, Joaquim Levy, anunciou que a Viúva leiloaria a concessão do atendimento bancário dos aposentados. São 24 milhões de benefícios, que movimentam R$ 11 bilhões por mês. Os bancos fazem essa intermediação no beiço e detestaram a idéia. Em São Paulo, o atendimento da folha da prefeitura (60 mil funcionários) foi comprada por R$ 510 milhões. O ano vai terminar e o assunto continua patinando. O ministro da Previdência, Nelson Machado, diz que precisa de mais reuniões. Quantas?


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