São Paulo, segunda-feira, 27 de agosto de 2007

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Entrevista da 2ª/Aécio Neves

Governador nega disputa com colega paulista e quer se aproximar da base de Lula

Eu e Serra estaremos do mesmo lado em 2010

MALU DELGADO
EDITORA-ASSISTENTE DE BRASIL

AÉCIO NEVES, 47, tem um plano para 2010. Ainda que a prudência mineira somada à diplomacia tucana o impeçam de ser explícito, o governador de Minas Gerais, no segundo mandato e com níveis invejáveis de popularidade, revela a intenção de minar, aos poucos, a coalizão de Lula, que engloba 11 partidos.

Aécio admite conversas com PSB, PDT e PPS -diálogos que chama de "naturais"- em busca da formação de um "projeto de país". Acha que é preciso acabar com a radicalização PT X PSDB na política -um vício alimentado em São Paulo- e atrair simpatizantes mais à esquerda para o lado dos tucanos. E avisa: "Não vislumbro um cenário político no Brasil onde Serra e eu estaremos em lados opostos. Estaremos juntos nas próximas eleições". Ainda que o sr. esteja num partido e ele em outro? "Não cogito isso", responde prontamente.  

FOLHA - A morte de 25 presos na última quinta-feira em Ponte Nova (MG) mostra a fragilidade do sistema carcerário e problemas não só de superlotação, mas de segurança. Como o sr. explica essa situação?
AÉCIO NEVES
- Essa é uma oportunidade para discutirmos com profundidade os problemas carcerários no Brasil. Quando eu assumi, Minas tinha apenas 5.000 vagas disponíveis em presídios e hoje tem 18 mil. Mas esse é um problema crônico que só será resolvido com planejamento e com parcerias com o governo federal. Infelizmente, nós não temos tido parceria nesses investimentos. Minas já é o Estado que mais investe em segurança pública. É uma tragédia o que ocorreu. Já está aberta a investigação. É um episódio absolutamente lamentável, mas ele não macula o esforço, reconhecido inclusive pelo governo federal, que Minas vem fazendo nessa área.

FOLHA - A aprovação de um projeto que amplia o foro privilegiado para autoridades em Minas gerou repercussão muito negativa. O sr. vetou o projeto, mas a sua base derrubou. Por que o sr. não orientou sua base, amplamente majoritária?
AÉCIO
- Fiz o que me parece absolutamente correto. Vetei uma proposta inadequada. Criou-se lamentavelmente um contencioso entre o Ministério Público e o Legislativo de Minas e os parlamentares se sentiram ameaçados. Na vida pública, como na privada, cada um deve ser responsável por seus atos. Eu sou responsável pelo meu, que foi de veto ao projeto.

FOLHA - Qual a opinião do sr. sobre o foro privilegiado?
AÉCIO
- Não pode haver foros diferenciados em cada Estado. Deve haver uma legislação nacional que defina quais autoridades devem ter o foro privilegiado. Para ações que digam respeito ao exercício do mandato, questões administrativas, é razoável que se tenha. Quanto às questões de ordem criminal e penal, eu acho que não deve haver foro privilegiado. Mas se diz respeito a questões públicas, é natural que as autoridades tenham esse foro. Me refiro a autoridades restritas: governador, presidente e ministros.

FOLHA - A popularidade do sr. supera os 70% e há uma imprensa muito favorável em Minas. O Sindicato dos Jornalistas alega haver patrulhamento. Mas imagino que seu governo não esteja imune a críticas.
AÉCIO
- Eu sinceramente não tenho ouvido essas críticas. Se há avaliação positiva do governo, acho que as pessoas não deviam se incomodar. Certamente existem falhas e problemas, mas há uma avaliação generalizada da população de que é um governo correto, com metas e instrumentos de controle.

FOLHA - Que metas?
AÉCIO
- Cada um dos programas estruturadores do Estado tem metas compactuadas com os órgãos e há avaliação permanente do desempenho de cada um deles. Estamos criando uma barreira à ocupação inadequada de funções tradicionais do Estado por apadrinhados. Claro que você tem aliados no governo, mas a participação é mais pela "meritocracia". Nós não loteamos o Estado. O PSDB tem uma visão de Estado, de administração pública, diferente da que tem o PT, que inchou excessivamente a máquina. Esse é um dos aspectos que, no futuro, será confrontado. Quiseram criar, num certo momento, uma dicotomia entre os que, de um lado, apostam na gestão pública, no choque de gestão e, do outro, os que falam dos resultados, que seriam os mais vinculados às questões sociais. Isso é uma falácia.

FOLHA - O ex-governador Geraldo Alckmin usou o discurso do choque de gestão e perdeu a eleição.
AÉCIO
- O governador Alckmin teve um ótimo desempenho na campanha. Perdeu a eleição não para um candidato, mas para um mito. Mas ele [Lula] não será candidato na próxima eleição.

FOLHA - O PSDB tem chances em 2010 só porque o "mito" não concorrerá ou apresentará algo novo?
AÉCIO
- Acho que se encerrará um ciclo. Nós tivemos o nosso, ele se encerrou. Acho que o do PT se concluirá até lá [2010]. É preciso que o PSDB tenha a humildade de rever os seus equívocos, fazer uma rediscussão interna sobre o nosso programa e buscar alianças. Ninguém construirá um projeto de país isoladamente. Não acho que devemos ser eternamente reféns dessa polarização -que nasce em São Paulo- que coloca de um lado o PT e seus aliados e, antagonicamente, o PSDB e seus aliados. A construção de um projeto pode aproximar setores hoje próximos ao governo federal de nós.

FOLHA - Na coalizão de Lula há 11 partidos. O sr. está dizendo que segmentos políticos dessa coalizão podem estar com o PSDB em 2010?
AÉCIO
- Não tenho a menor dúvida. E é importante que estejam. Porque não basta nós vencermos as eleições em 2010. Temos que ter uma construção política que nos permita fazer a partir de 2010 o que infelizmente não está sendo feito agora: investir nas reformas estruturadoras. As pessoas ficam muito preocupadas em identificar o candidato A ou B há três, quatro anos das eleições. Muito mais importante é construir um projeto de país. O PSDB tem que construir um projeto e, em torno dele, trazer novos aliados. Isso é absolutamente possível, sobretudo a partir de 2009, que é quando efetivamente nós devemos discutir o projeto de 2010. Antes disso é errar no tempo. Sobretudo para nós, que governamos Estados. Então não contem comigo para falar sobre sucessão presidencial antes do final de 2009.

FOLHA - Só no final de 2009?
AÉCIO
- No início (risos).

FOLHA - 2008 será o teste para o PSDB "captar" aliados de Lula?
AÉCIO
- Acho que isso acontecerá naturalmente. 2008 terá sim uma repercussão, não definitiva, mas que influenciará as eleições de 2010. Em Minas mesmo nós pretendemos já construir algumas dessas alianças, até porque para nós elas são naturais. Partidos, por exemplo, como o PSB, o PDT, o PPS, para citar alguns que participam da base de Lula, estão na nossa base. E vamos disputar as eleições juntos em muitos municípios. Existem conversas que acontecem com absoluta naturalidade entre governantes nossos com partidos que estão hoje no campo de apoio de Lula, e vice-versa.

FOLHA - E o PMDB?
AÉCIO
- Foi o único partido ao qual eu pertenci antes de vir para o PSDB. Mas especula-se muito na política. É uma inversão de prioridades tratarmos de filiações e de alianças antes de tratarmos de um projeto.

FOLHA - É mais fácil fazer alianças com esses partidos da base de Lula que o sr. menciona que com o PT?
AÉCIO
- Nós precisamos ter no Brasil uma nova constituição política, onde partidos como o PSDB e o PT não sejam colocados definitivamente em campos absolutamente opostos. Seria o reinício talvez até de uma convergência que possa se dar com uma aproximação entre os dois partidos. Esse quadro de radicalização não precisa ser permanente, seja com a participação desses partidos no nosso governo, seja com a própria relação administrativa que eu mantenho com os setores mais importantes do PT e em especial com a principal liderança do PT em Minas, que é o prefeito Fernando Pimentel. O que eu sonho é que a gente possa viver no Brasil alianças em torno de projetos. Se isso acontecer, eu não acho impossível que possam estar na mesma base o PSDB e o PT. Por mais que eu ache que, do ponto de vista eleitoral, é difícil. Mas há amadurecimento suficiente no espectro político brasileiro que nos permita uma aproximação no futuro. Vejo muito mais convergências do PSDB com alguns setores do PT e outros partidos de esquerda que com aliados que o governo Lula tem hoje.

FOLHA - Em entrevista recente à revista "Piauí", FHC fez comparações entre o sr. e José Serra. Disse que Serra seria um bom presidente, porque quebra-lanças, e que o sr. é mais conservador, mas popularíssimo. Porém, ressalta que o sr. gosta demais da sua vida privada e talvez prefira pensar que tem tempo. O sr. espera 2014 ou muda de partido?
AÉCIO
- Ninguém será candidato à Presidência da República no nosso campo político pela simples vontade de ser. A vontade é um componente, mas é preciso que haja uma construção política que dê visibilidade à candidatura e obviamente condições de executar um projeto de governo. Se isso amanhã se construir em torno do candidato Serra eu serei o mais fiel de seus aliados. Mas candidatura majoritária para ter êxito tem que ter grande dose de naturalidade. O que eu posso garantir é que, no que depender do governador de Minas, nós vamos estar absolutamente unidos, não só em torno de um candidato, mas de um projeto.

FOLHA - Sua experiência como parlamentar, presidente da Câmara e o bom diálogo que tem com siglas de centro-esquerda lhe dão vantagens em relação a Serra?
AÉCIO
- Não há disputa entre o Serra e eu. Isso está muito mais na cabeça de analistas políticos e de jornalistas. Serra e eu estaremos juntos no mesmo projeto. Acho que temos perfis diferentes, o que pode até ser positivo lá na frente, do ponto de vista da disputa eleitoral. Eu não vislumbro um cenário político no futuro do Brasil onde Serra e eu estejamos em lados opostos. Nós vamos estar do mesmo lado. O PSDB vai ter o desprendimento para construir um projeto que possa ser vitorioso. Não há candidatura pré-colocada, não há candidato por antecipação. Serra e eu estaremos juntos nas próximas eleições, independentemente até de sermos candidatos.

FOLHA - O sr. não vislumbra a possibilidade de disputar por outro partido e Serra pelo PSDB?
AÉCIO
- Não cogito isso. Tenho com o Serra mais convergências que divergências. Acreditamos nas mesmas coisas.

FOLHA - O sr. acha que teria apoio de Lula se fosse candidato?
AÉCIO
- Tenho ótima relação pessoal com o presidente Lula e ela será sempre respeitosa, por mais que tenha em relação ao seu governo divergências profundas. Mas acho natural que o presidente tenha uma candidatura na sua base.

FOLHA - Por que Lula é um mito?
AÉCIO
- Sua história fascina e fascinará no futuro os que vierem a pesquisar a história do país. Lula é o símbolo da ascensão de classes no Brasil. E ele amadureceu muito nessa trajetória. Vou mais além. Eu gosto do Lula pessoalmente. O que eu lamento é que numa quadra tão positiva como essa -a economia internacional crescendo, a economia interna com indicadores positivos, o governo com uma extraordinária base de apoio no Congresso e uma popularidade muito forte- ele não esteja usando isso para construir as reformas que precisam ser feitas. Lula tem outra grande vantagem em relação ao presidente Fernando Henrique: tem o PSDB na oposição, e não o PT. Lula nos tem sempre dispostos a conversar.

FOLHA - O sr. quer ser presidente? Não pergunto sobre data ou prazo.
AÉCIO
- Não tenho essa obsessão. Se eu puder num determinado momento, talvez, ser a síntese de um grande projeto de país, novo, moderno, ousado, posso dizer que estarei pronto para isso. Mas não é meu objetivo de vida.

FOLHA - Vai ser muito estranho 2010 sem Lula?
AÉCIO
- Vai ser a grande novidade. Talvez os grandes analistas não tenham ainda percebido a grande alteração no processo político-eleitoral brasileiro que vamos ter. Porque depois de 20 anos [desde 1989] na cédula não constará o nome de Lula. E nós sabemos que, por maior que seja a influência de um presidente da República -e Lula certamente será um cabo eleitoral importante na eleição- não é tradição da política brasileira a transferência de votos.


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