São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2008

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SABATINA FOLHA

JOSÉ SARNEY

Próximo presidente não será eleito sem o apoio de Lula, afirma Sarney

Ex-presidente enfatiza importância do aval do atual ocupante do Planalto, defende aliança entre PMDB e PT e diz que o Supremo não está invadindo atribuições dos outros poderes, mas resolvendo conflitos que eles não tinham solucionado

Moacyr Lopes Jr./Folha Imagem
O senador José Sarney (PMDB) na sabatina realizada ontem no Teatro Folha

Aos 78 anos, 50 de vida pública, o ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP) duvidou ontem, em sabatina à Folha, "que o futuro presidente possa ser escolhido sem o apoio de Luiz Inácio Lula da Silva". E pregou ainda aliança do PMDB com o PT em 2010.
Governador durante o regime militar, o primeiro presidente civil após a ditadura repassou, para uma platéia de cerca de 150 pessoas, sua experiência nestes 50 anos. Sarney foi sabatinado pelos colunistas Clóvis Rossi e Mônica Bergamo, pelo editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, e pela editora do Painel, Renata Lo Prete.


LULA
Afirmando que a eleição de Lula conclui um processo de cem anos -"Chegamos no fim do século com um operário no poder. Isso é uma coisa importantíssima"-, Sarney diz que a liderança do presidente "tem base profunda, raiz mais profunda". Daí, seu papel em 2010. "[Lula] não é só um político que tem popularidade. Não acredito que o futuro presidente possa ser escolhido sem a participação e o apoio do presidente Lula. Se me pergunta quem vai ser, digo que o nome colocado é a dona Dilma [Rousseff]."
"Se depender de mim, o PMDB vai para uma aliança com o presidente Lula", afirmou Sarney, alegando "que o PMDB é o partido das causas democráticas". "Colocamos uma agenda social no país durante o período em que fui presidente. Não se esqueçam que o slogan do meu governo era "tudo pelo social", justificou.
Alvo de críticas do petista no passado, hoje Sarney minimiza: "Lula era o PT de ferro, de aço. Todos nós mudamos".

SERRA
Questionado sobre seus desafetos, ele diz que não guarda rancor, nem do ex-presidente Fernando Collor de Mello, um dos mais ácidos críticos do governo Sarney. "Não tenho ódio do Collor. Se tem um arrependido disso, é ele. Não eu."
Sarney, no entanto, deixa evidentes suas restrições ao governador José Serra (PSDB). O senador nem sequer chega a negar que desconfie da participação de Serra na operação policial que, em 2002, flagrou R$ 1,4 milhão no escritório de sua filha, a então presidenciável Roseana Sarney.
Durante a disputa eleitoral de 2002, durante o governo FHC, aliados de Sarney atribuíram motivação política à operação. Serra negou. "Não vou dizer que foi o governador José Serra nem que não foi o governador Serra. Até porque é um fato do passado. Não quero relembrar. Serra é um bom homem público, um homem que tem qualidades", afirmou Sarney, insistindo na hipótese de "armação".
"Quem vai dizer não sou eu. Mas o STF e o Tribunal Federal de Brasília, que, em acórdão, disseram se tratar de armação. Não tinha começo nem meio nem fim, uma busca e apreensão que não foi junto a processo algum e que só cumpriu uma finalidade: barrar uma candidatura à Presidência."

CONGRESSO
Ao comentar a avaliação de ministros de que o Congresso é um mercado de voto, Sarney responsabilizou o sistema político. "O Congresso em que comecei era outro. Tudo que aconteceu, extremamente lamentável, tem muito a ver com o sistema político que adotamos. É esse sistema que levou à criação dessa classe política que dá essa imagem tão deformada e merecida."
Para Sarney, existem maus e bons políticos. Questionado sobre o aliado e ex-presidente do Senado Renan Calheiros (AL), Sarney disse que, "ao longo da história, [Renan] tem se mostrado um bom político".
O senador afirmou que votou pela absolvição de Renan por não haver provas de que dirigia uma emissora de rádio em Alagoas. "Se tivesse prova, eu teria, com maior tranqüilidade, condenado."
Ex-presidente do Senado, Sarney negou qualquer pretensão de voltar ao cargo. "O que posso adiantar é que não serei candidato. Não quero ser presidente de nada."

ADESISMO
Sarney reagiu aos que o acusam de estar sempre no poder. "É uma certa injustiça comigo. Fui oposição ao Getúlio, ao Juscelino. Quando dizem "Sarney aderiu ao processo do Tancredo", quero dizer que não. Fui convidado por eles. Não aderi."

STF x CONGRESSO
Sarney disse que o STF (Supremo Tribunal Federal) "agiu corretamente" ao proibir nepotismo no país.
Para ele, o STF exerce um papel "moderador" no regime democrático, preenchendo "lacunas da Constituição de 1988". "Não vejo que esteja invadindo essa ou aquela atribuição. O STF está tentando resolver conflitos que outros Poderes não tiveram condições de resolver", disse. "Se o Congresso se omite em tomar suas decisões, o Supremo toma."
Numa menção à Constituinte, da qual Lula e Serra fizeram parte, Sarney afirma que "o Congresso que fez a Constituição não tinha uma grande densidade". "Temos essa Constituição aí que até hoje só se faz é tentar consertar", criticou.
O ex-presidente citou os Estados Unidos como um exemplo de país em que o Supremo atua como moderador.
"O Parlamento se tornou incapaz, pela divisão que tinha, da integração dos negros e os direitos civis não caminhavam. Vem a Suprema Corte e interpreta: as escolas têm que ter a presença dos pretos. Graças a isso, a sociedade americana se reconciliou."

LITERATURA
Sarney contestou a associação entre política e sua nomeação para Academia Brasileira de Letras. "Entrei para a Academia Brasileira de Letras antes de ser presidente. Em 1980. Hoje, sou o decano, que é uma palavra ruim. Significa que todos que votaram em você já morreram. Sua vez está chegando. Dá uma certa dor nos ossos", brincou ele, para quem a política contamina a crítica ao seu trabalho.
"Pago muito porque sou político. Minha visibilidade política é maior que minha visibilidade de escritor."

PLANO CRUZADO
Sarney disse que não quer "ser julgado como o presidente dessa inflação de 40%". "Quero que o povo me julgue como o presidente da agenda da democracia. Ele argumentou ainda que a adoção de três moedas em seu governo garantiu a implantação do Plano Real. "A inflação é terrível. Mas foi uma circunstância que tivemos que atravessar. E isso valeu para que se fizesse o plano real. O [João] Sayad me propôs. Eu disse: "Não tenho mais condições políticas de fazer isso", como não tinha."


NA INTERNET
www.folha.com.br/082393

veja o vídeo da sabatina



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